postado em 18/11/2018 08:00 / atualizado em 19/10/2020 17:15
Com apenas 58 anos, Brasília já teve o maior lixão da América Latina. Fechado no início do ano, foi substituído por um aterro sanitário. Um levantamento do Instituto Lixo Zero Brasil, de junho, apontou a capital como a cidade que mais produz lixo no país. O Fórum Econômico Mundial de Davos, em 2016, encontro anual de empresários, chefes de estado, ONGs, entre outros, na Suíça, para discutir os rumos da economia mundial, comunicou que até 2050 os oceanos teriam, em peso, mais plástico do que peixes.
Diante dos dados alarmantes, algumas iniciativas particulares têm tentado amenizar o efeito dessa produção exacerbada de lixo no meio ambiente. O movimento ocorre em todo o mundo e chegou também por aqui. Em 2012, a ativista ambiental e empreendedora norte-americana Lauren Singer tomou a decisão de diminuir a quantidade de lixo que produzia a zero e fez um blog sobre a experiência.
Deu tão certo que, em 2015, já reconhecida pelo feito, apresentou uma palestra Ted e inspirou muito mais gente a fazer o mesmo. No talk, ela começa mostrando um pequeno pote de vidro com dejetos dentro e afirma que aquele era todo o lixo que ela produziu nos últimos três anos. Ela brinca que aquilo faz muita gente questioná-la: “Como você se limpa?”.
Lauren explica no Ted: “Lixo zero é uma ideia muito grande. Para mim, isso significa que não produzo lixo. Não jogo nada no lixo, não mando nada para aterro sanitário e não cuspo chiclete no chão e continuo andando”. Para isso, ela precisou aprender a fazer quase tudo que ela costumava usar, como desodorante. Foi ajudada por pessoas que já tinham esse estilo de vida, como a blogueira californiana Bea Johnson, mãe de duas crianças. Hoje, Lauren é dona de uma loja em Nova York que vende diversos produtos ecologicamente corretos e também de uma marca vegana de detergentes.
No Brasil, em dezembro de 2014, a designer Cristal Muniz resolveu seguir o exemplo. Em seu blog Um ano sem lixo, ela conta que já se preocupava com a questão e tentava produzir pouco lixo, mas foi Lauren que a incentivou a mudar radicalmente os hábitos. A criação do site foi uma forma de se comprometer ainda mais com a causa. Neste ano, o blog virou livro.
Para a professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB Izabel Zanetti, as mudanças no comportamento da população são necessárias. “É preciso educação para uma vida mais sustentável e consciente. A política dos três erres — reduzir, reutilizar e reciclar — deve ser usada pelas famílias.”
Na hora de fazer compras, ela recomenda privilegiar alimentos que podem ser adquiridos a granel, usando embalagens reutilizáveis. Prestar atenção nos materiais e na durabilidade das embalagens também é essencial.
O descarte ideal
Os moradores da SQS 113 se orgulham da gestão de resíduos sólidos feita na quadra. Não significa que foi fácil para ninguém. Justamente por isso, têm ainda mais motivo para se gabarem do sucesso. Atualmente, eles podem dizer que só enviam ao aterro sanitário de Brasília, localizado entre Ceilândia e Samambaia, o lixo que realmente não tem nenhum aproveitamento: o rejeito. Izabel Zanetti explica que são os materiais que não podem ser reciclados. “As embalagens e os objetos compostos de materiais químicos indissolúveis ou que são feitos de misturas de materiais que não podem ser separados não são recicláveis.” Isso, além de papel higiênico sujo, papel e alumínio com gordura e muito mais (veja box).
O material orgânico, compostável, é coletado por uma empresa; o vidro por outra e enviado a São Paulo, já que, em Brasília, não há nenhuma empresa de reciclagem de vidro; e os materiais recicláveis são recolhidos pela cooperativa LZ Centcoop. O Instituto Lixo Zero apoiou a iniciativa com informações úteis e a WWF Brasil ainda a patrocinou, imprimindo a cartilha de coleta seletiva da quadra.
Tudo começou quando, no início do ano, a prefeita da quadra, Rachel Andrade, servidora pública, e alguns síndicos e moradores visitaram o Lixão da Estrutural. “Ficamos muito impactados com uma cidade tão nova que já havia produzido tanto lixo, e também com as condições de trabalho dos catadores lá”, relembra Rachel.
O Lixão já estava em seus últimos dias de funcionamento, mas o grupo sabia que o novo aterro nascia com data de validade e, se ninguém mudasse os padrões de consumo e de descarte, o período seria ainda mais curto. Izabel Zanetti explica que os lixões e aterros sanitários são obras caras e com vida útil de, no máximo, 15 anos. Segundo a Agência Brasília, o espaço foi projetado para comportar 8,13 milhões de toneladas de rejeitos materiais não reutilizáveis e, com isso, ter vida útil de aproximadamente 13 anos.
Todos unidos
A quadra decidiu arregaçar as mangas e tentar prolongar o período. Mas por onde começar? Depois de alguma consideração, optaram por iniciar com o vidro. Cada prédio comprou uma espécie de tambor para guardá-los e, de 15 em 15 dias, eles são recolhidos.
“Se começássemos com a separação completa, a mudança seria muito drástica para os moradores. Com lixo seco e orgânico, teriam mais dúvidas”, Rachel explica a escolha. Mesmo assim, ainda houve equívocos: alguns descartavam o vidro com alimento dentro, com a tampa, com a rolha. Com o tempo, todos aprenderam que o vidro deveria estar limpo e que só ele deveria ficar na bomba de descarte.
Com a separação do vidro já bem resolvida, passaram para os lixos secos, compostáveis e para os rejeitos. Muitas casas já dividiam o lixo apenas em seco e orgânico, sem pensar nessa terceira via. Para o síndico do Bloco F, Bruno Apolonio, uma das maiores dificuldades foi justamente o fato de que quase todos os moradores achavam que sabiam separar o lixo, mas nem tudo estava correto.
A mudança no descarte do lixo transformou a quadra: “Viramos uma cidade de interior. Antes, eu só conhecia as pessoas do meu prédio. Agora, posso dizer que conheço, pelo menos, uma de cada um dos outros 10 edifícios.
Nesta segunda etapa de separação do lixo, o grupo de moradores visitou o centro de coleta seletiva da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). Lá, viram como o lixo chega todo misturado e como isso não só dificulta a vida dos catadores como contamina materiais que poderiam ser reciclados. “Vimos que realmente faltava informação para as pessoas sobre a separação, demos palestras, esclarecemos e deu certo”, alegra-se Rachel.
Dentro de casa
Agora, além da empresa que coleta os vidros, uma outra recolhe todo o material compostável e a cooperativa busca o lixo reciclável. Somente os rejeitos vão para o aterro da capital. Para a moradora Rosemary Lacerda, 43, servidora pública, é gratificante saber que está fazendo algo pelo meio ambiente e por essas pessoas “que não ficam enojadas ao mexer no nosso lixo”.
Na visita ao centro de coleta seletiva, ela não se esquece de um catador que disse que pagava a faculdade da filha com o lixo que ela e tantas outras pessoas descartavam. “E ele falou pra mim: sou eu que tiro, do meio do seu papel higiênico sujo, aquele frasco de xampu que você jogou no lixo do banheiro, em vez de jogar no lixo seco”, lamenta Rosemary.
A iniciativa na quadra acabou transformando também a forma de consumir dela e da família composta pelo marido e por dois filhos. “Eu era uma consumidora voraz de cerveja long neck”, admite. “Hoje, só compro de lata. Em Brasília, não se recicla vidro, então, não custa eu fazer isso”, completa.
Os filhos perguntam o tempo todo o que vai em cada lixo. Com isso, aprendem. Azeitona, agora, compram as que vêm no saquinho e, então, colocam no pote de vidro que foi adquirido anteriormente, em vez de jogá-lo fora. “Separar dentro de casa é muito fácil. Difícil é o catador separar lá na frente.”
O que não pode ser reciclado
Adesivos
Etiquetas
Fita crepe
Papel carbono
Fotografias
Papel toalha
Papel higiênico
Papéis engordurados
Papéis metalizados, parafinados ou plastificados
Grampos
Esponjas de aço
Pilhas
Isopor
Ampolas de medicamentos.
Fonte: Professora Izabel Zanetti
Consumo consciente
O que a SQS 113 faz com todos os apartamentos de todos os prédios da quadra, a empresária Luana Ponto, 33, faz em pequena escala, dentro do apartamento dela, com o marido. Mas não é só. Além de atentar ao descarte, ela evita o consumo irresponsável: usa escova de dente feita de bambu, evita dar descarga após o xixi por meio do Piipee — um equipamento que solta um líquido biodegradável na água do sanitário e impede o mau cheiro — e é adepta do desodorante natural — ela até já tentou fazer, mas, nesse caso, não deu certo.
Todo o estilo de vida dela é baseado na sustentabilidade. Foi depois de fazer uma pós-graduação em gestão ambiental que Luana começou a se preocupar com a questão. “Foi a primeira vez que me disseram que não são meus filhos, meus netos que vão sofrer com a falta de água. Sou eu”, relembra.
Tornou-se vegana e, entre as várias mudanças na vida, começou a pensar em como produzir menos lixo e como fazer a destinação do que produzisse. Dentro da bolsa dela, há sempre um copo retrátil, um kit de talheres de bambu embrulhados em um estojo próprio e canudos. Dessa forma, ela evita usar produtos descartáveis na rua. “Eu odeio plástico. ”
Mas as pessoas não estão acostumadas com o hábito de Luana. “De vez em quando, peço um coco sem canudo e, mesmo assim, a pessoa coloca. Quando peço um suco, vou entregar meu copo, mas aí já colocaram no copo plástico”, lamenta. Além disso, quando a diarista faz serviço no apartamento, ela sempre precisa dar uma conferida no lixo para ver se está separado, pois a profissional também não está tão adaptada à separação mais rigorosa.
Compostagem
Há seis meses, Luana contratou o serviço do Projeto Compostar. Por cerca de R$ 70 por mês, a empresa busca, semanalmente, todo o lixo compostável dela e deixa uma nova sacola, onde deve ser jogado o material ao longo da semana. A sacola também é compostável, feita de amido.
Fundado pelo engenheiro civil Lucas Moya, o projeto existe há mais de um ano. São recolhidos lixos de domicílios, restaurantes e eventos e levados ao pátio de compostagem, que fica no Lago Oeste. “O projeto surgiu depois de uma visita ao Lixão da Estrutural. Tínhamos um problema seríssimo a 15km da Esplanada dos Ministérios. Agora, está fechado, mas o lixo é enviado para o aterro, que deveria receber só o que não pode ser reaproveitado, mas não é assim. O lixo orgânico não é para ser enterrado”, explica.
No início, recolhiam cerca de uma tonelada de lixo orgânico por mês. Agora, o peso já aumentou para 35 toneladas. Hoje, atendem 120 casas, mas o que aumentou realmente a quantidade de lixo coletado foi o serviço para restaurantes. “Um restaurante gera mais lixo que 120 casas”, compara Lucas.
Ele lamenta a falta de informação das pessoas e o não cumprimento da política nacional dos resíduos sólidos. “As pessoas não sabem para onde vai aquilo que consomem, o que causa. Com educação ambiental, as coisas que eram difíceis passam a ser fáceis”, garante.
Ilha de lixo no Pacífico
Um estudo divulgado no periódico científico Scientific Reports, em março deste ano, mostra que existe uma ilha flutuante de lixo — em sua maioria plástico — no Oceano Pacífico, entre a Califórnia e o Havaí. A ilha agrega cerca de 80 mil toneladas de lixo em uma área de 1,6 milhão de metros quadrados.
Hábitos verdes
Enquanto alguns pagam para que uma empresa faça a compostagem, outros mostram que é possível também fazê-la em casa. Quando voltou para Brasília para cursar o mestrado no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, a engenheira ambiental Gabriella Guimarães iniciou a compostagem em casa. “Foi o que mais transformou minha percepção em relação ao lixo.” Ao fazer a compostagem, ela reduz praticamente pela metade sua produção de resíduos.
Desde os tempos de faculdade, a engenheira se preocupava com a geração de lixo. “Na graduação, aprendemos sobre os vários tipos de resíduos e eu sempre me interessei pelos resíduos sólidos”, conta. Enquanto era estudante da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ela se envolveu em projetos de extensão e de iniciação científica que estudavam justamente a questão do lixo. “Implementamos a coleta seletiva no câmpus, e o uso de canecas reutilizáveis no restaurante universitário.”
Foi nessa época que Gabriella começou a prestar atenção na geração individual de resíduos. Depois de pesquisar sobre o impacto do uso de copos descartáveis na universidade, a engenheira começou a carregar uma caneca na mochila. Logo depois, começou a levar uma ecobag compacta para todos os lados.
Pesquisa e planejamento
Gabriella conta que, uma vez que a pessoa começa a se preocupar com a geração de lixo, é impossível não repensar os hábitos de consumo. A engenheira diz que se planeja para fazer compras conscientes, e pesquisa sobre os materiais e as lojas dos produtos que quer adquirir. “O principal problema são as compras por impulso. É aí que acabamos comprando coisas desnecessárias, que viram lixo rápido”, explica. Segundo ela, com planejamento e pesquisa, conseguiu diminuir muito as compras impulsivas, e consome apenas o necessário.
Para Gabriella, as pessoas já estão mais abertas a essas mudanças “Estive viajando e visitei várias lojas e eventos de lixo zero pelo mundo. Em um dele, em Montreal, no Canadá, a fila para entrar ultrapassava um quilômetro.” No Brasil, explica, estamos apenas começando. “Mas fizemos um avanço grande.”
Hoje, Gabriella estuda a relação entre povos indígenas e resíduos sólidos no programa de doutorado da UnB e também promove cursos de compostagem, além de prestar consultorias para empresas e indivíduos que querem ser lixo zero.
Auditora do Instituto Lixo Zero Brasil, Gabriella também tem um empreendimento na área. Sua loja, Inspira Verde, vende diversos acessórios de uso pessoal para a redução de lixo, como copos retráteis, canudos de metal, composteiras e kits de talheres. Ela conta que se surpreendeu com a demanda pelos produtos e que a procura por opções sustentáveis só aumenta.
A meta do lixo zero é diminuir a produção de resíduos em 90%. Gabriella acredita que é possível, e que existem alternativas ecológicas para praticamente tudo. Até itens de higiene pessoal, como escova de dentes e absorventes têm substitutos verdes.
A engenheira conta que trocou os absorventes descartáveis pelos de pano há muito tempo e garante que eles são mais confortáveis e simples de usar do que as pessoas imaginam “Os absorventes reutilizáveis fazem mais sentido, tanto economicamente quanto ecologicamente.” Além dos absorventes de pano, os copos menstruais, feitos de silicone, são uma opção.
Bebês ecológicos
Assim como os absorventes, as fraldas de bebê também têm sua versão ecológica. E várias mães têm se tornado adeptas. Anna Karolina Pires, 32 anos, ficava muito incomodada com a quantidade de lixo que as fraldas da filha de 1 ano e 4 meses gerava — um bebê usa cerca de oito fraldas por dia. Foi pesquisar sobre o assunto e descobriu que existia uma alternativa à fralda descartável. “Meu marido também gostou dessas opções logo de cara. Elas são um pouco mais caras, porém o custo-benefício compensa”, afirma a servidora pública.
Há nove meses, Anna Karolina iniciou a transição. No começo, ficava apreensiva de vazar e alternava entre fraldas de pano e descartáveis. “Teve uma vez que vazou, mas eu não tinha usado a fralda da maneira certa. Depois, fui pesquisar e aprendi melhor”, completa Anna. Na internet, existem diversas comunidades de mães que fazem vídeos explicativos e ensinam a usar a fralda corretamente.
Foi na internet também que Clarissa Mendonça descobriu as fraldas reutilizáveis. Grávida da segunda filha, ela sentia os mesmos incômodos em relação à quantidade de lixo gerado. A primeira filha, Maria Luiza, hoje com 4 anos, usou fraldas descartáveis, hoje abolidas da casa. “Fui pesquisar e descobri as de pano, que são muito mais ambientalmente corretas”, completa a jornalista.
Clarissa fez diversas pesquisas, desde a melhor marca para comprar até a quantidade de água usada para a lavagem das fraldas. “No começo, achava que gastaríamos muita água para lavar as fraldas, e que não compensaria. Mas, pesquisando a respeito, descobri que o processo de produção das descartáveis gastava muito mais água.”
O gasto de água também era uma preocupação de Anna Karolina. A servidora pública garante que não sentiu diferença na contas de luz e água. “As fraldas são muito práticas e podem ser lavadas tanto à mão quanto na máquina.” Anna entende que as fraldas de algodão são mais trabalhosas que as descartáveis, mas assegura serem muito melhores, tanto pelo custo-benefício quanto pelo conforto do bebê. “Quando eu colocava as descartáveis na minha filha, ela pedia as ‘fraldas boas’” conta a mãe.
Como começar?
Devido à grande variedade de produtos disponíveis para auxiliar na redução de lixo no dia a dia, algumas pessoas podem ficar perdidas sobre por onde começar. Para a engenheira ambiental Gabriella Guimarães, a dica principal é se planejar. “Entender sua rotina e ver onde você gera mais lixo é o primeiro passo para se programar”, ensina.
Quem passa muito tempo fora de casa e come na rua, o copo reutilizável, os talheres e a ecobag são as melhores pedidas. Gabriella reitera que não é necessário comprar vários acessórios novos para começar a jornada lixo zero. “Você pode começar levando seus talheres de casa na bolsa, se quiser.” Alguns acessórios, como os copos retráteis, são mais práticos de carregar no dia a dia.
Em casa, a prática de separação de lixo é outra maneira essencial para reduzir o número de rejeitos enviados para os aterros e facilitar o trabalho das cooperativas na hora de recolher os materiais recicláveis. “Basta separar o lixo orgânico em uma lixeira diferente, para a compostagem. Em outra lixeira, coloque vidros, metais, plásticos e papéis”, explica a professora da UnB Izabel Zanetti. Os papéis não podem estar amassados ou misturados com orgânicos, pois perdem valor nas cooperativas.
O óleo pode ser colocado em garrafas pet e entregue a cooperativas que o usam para produzir sabão. É uma boa forma também de armazenar pilhas para levar em centros de coleta específicos.
*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte