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Entrevista sobre moda e tendência com a consultora de moda Silvia Scigliano

Nesta semana, ela traz a Brasília o curso Movimentos que Influenciam a Moda, que será ministrado em 23 e 24 de novembro

Renata Rusky
postado em 18/11/2018 11:00
Nesta semana, ela traz a Brasília o curso Movimentos que Influenciam a Moda, que será ministrado em 23 e 24 de novembro
Consultora de tendências e negócios da moda há mais de 15 anos e certificada pelo Fashion Institute of Technology, Silvia Scigliano conversou com a Revista do Correio sobre os movimentos da moda e da sociedade e sobre como um interfere no outro. ;Às vezes, a moda é tratada como algo fútil e material apenas, mas existe um grande valor simbólico nas nossas escolhas, que podem ser muito inspiradoras. Historicamente, o que foi ;moda; em uma determinada década tem sempre a ver com algum movimento social da época;, explica.

Silvia oferece cursos tanto no Brasil quanto em Nova York, com o NY Fashion Tour. Nesta semana, traz a Brasília o Movimentos que Influenciam a Moda, que será ministrado em 23 e 24 de novembro. Criado para a universidade Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), de São Paulo, o curso tem o objetivo de discutir quais foram os fatores culturais e sociais nas últimas décadas e como esses influenciaram a moda e o consumo de tendências de uma maneira geral.

Além de dar aulas e de prestar consultoria para quem quer se comunicar melhor por meio das roupas, Silvia presta consultoria em tendências para empresas. E não só de moda. Por exemplo, o Grupo Boticário é um dos clientes. ;Eu as ajudo a se alinharem com os novos comportamentos para ajudá-las a sobreviver em um momento de mudança de era que estamos vivendo, seja nas áreas de desenvolvimento de produto, marketing, inovação, seja estratégia;, explica. Ela define quatro macrotendências. Para Silvia, quem deseja ter sucesso deve se alinhar com alguma ou com todas elas.

Qual é a diferença entre moda e tendência? Qual a relação entre elas?
Existem três tipos de tendências: fad (mania ou novidade em português) é a tendência rápida e passageira, como o Pokémon Go. A tendência é mais duradoura e normalmente baseada em algum comportamento, em algo que as pessoas queiram comunicar naquele momento. É sobre isso que foco meu trabalho. Clássico é a tendência tão boa que nunca mais foi embora, como o trench coat e a calça jeans.

De onde vêm as tendências? Qual é o processo do estudo ao lançamento?
Normalmente as tendências são lançadas por uma camada da população chamada de inovadores ou vanguarda (cerca de 2,5% da população). Isso não tem a ver com posições econômicas ou sociais. Inovadores existem em qualquer parte. Depois vêm os tastemakers, os influenciadores e a grande massa, que é importantíssima, pois, se eles não aderem, não é uma tendência.

A população também lança tendências e influencia a moda? De que forma isso acontece?
Sim. Existe o movimento chamado trickle up, quando a massa influencia a elite, como a calça jeans rasgada que era usada nas minas de carvão nos anos 1950 e virou cool quando o movimento greaser a adotou, dando origem à era do rock and roll.

Tem algum exemplo da população pautando estilistas?
Sim. Um exemplo recente foi o gorro rosa (pussyhat) usado como símbolo feminista na marcha pelas mulheres em janeiro de 2017, logo após a vitória do presidente norte-americano Donald Trump. Os gorros foram parar na passarela do desfile da Missoni, em Milão, no mês seguinte, assim como a cor rosa viralizou por toda a parte, representando o movimento feminista.

Como comportamento e moda se relacionam?
Moda tem um grande potencial de comunicação. Sempre estamos comunicando algo ao nos vestir, mesmo que inconscientemente, e jamais devemos desprezar isso. Esse é o foco do meu trabalho como pesquisadora de tendências de comportamento e consultora de imagem. Moda representa o zeitgeist ou ;espírito do tempo;, assim com as artes, a música, o cinema. Se olharmos para trás, fica mais fácil de entender como o comportamento influenciou o vestir ; ler o presente e tentar prever o futuro por meio do comportamento das novas gerações. Segundo o filósofo alemão Hegel, ;a arte reflete a cultura da época em que esta foi feita. O artista é um produto de sua época e no mundo moderno não seria possível recriar arte clássica;.

Como as tendências se encaixam nessa forma de consumo mais sustentável que está crescendo?
De diversas maneiras, como maior preocupação com o bem-estar, a boa alimentação e a prática de exercício, o que se reflete no crescimento da moda athleisure; de novos modelos de varejo, como os brechós e resales no mundo todo, que deve bater a venda das fast fashions em 10 anos, segundo pesquisas; o sucesso de diversas marcas sustentáveis, seja na transparência, no melhor uso e na escolha de materiais, seja valorizando os funcionários. Muitas delas vêm da Califórnia, unindo sustentabilidade e tecnologia, agradando às novas gerações.

A relação dos homens com as tendências e com a moda é diferente da das mulheres? De que forma?
Em geral, os homens são mais clássicos, têm menos peças, que vão durar mais tempo. Mas é impossível não se influenciar pelo ;espírito do tempo;. Uma calça jeans com camiseta branca nos anos 1980 é diferente dos anos 1990, que é diferente de hoje. E tudo tem um porquê.

Atualmente, as tendências são influenciadas por uma variedade maior de mídias do que antigamente. Qual o peso disso no mercado da moda e no comportamento das pessoas em relação a ela?
A revolução da comunicação com a internet e as redes sociais mudou muita coisa. Ao mesmo tempo em que democratizou a moda, dando mais acesso a conteúdos para pessoas que antigamente não tinham, também aumentou o número de cópias dos grandes estilistas, potencializando as vendas das fast fashion. Também surgiu um movimento chamado outside in, em que as minorias começaram a influenciar as maiorias, pois hoje todos têm ;voz; na internet e viraram influenciadores, tirando esse poder das revistas e das celebridades apenas. A consequência é muito mais representatividade nas passarelas, como o último New York Fashion Week, que aumentou em 40% o número de modelos negros, plus size e ageless (sem idade).

"Moda tem um grande potencial de comunicação. Sempre estamos comunicando algo ao nos vestir, mesmo que inconscientemente, e jamais devemos desprezar isso;

;Normalmente as tendências são lançadas por uma camada da população chamada de inovadores ou vanguarda (cerca de 2,5% da população). Isso não tem a ver com posições econômicas ou socais. Inovadores existem em qualquer parte"

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