As mulheres contemporâneas vivem uma condição muito recente na sua história evolutiva que é o grande número de ciclos ovulatórios ao longo da vida, pois começam a ter seus filhos tardiamente, e poucos filhos. Essa frequência maior de ovulações faz com que a mulher seja muito mais exposta às elevações periódicas de estrogênio, o que já sabemos que aumenta o risco de doenças como o câncer de mama. A menopausa pode ser vista como uma resposta adaptativa evitando que a mulher chegue aos 80 anos de idade com o mesmo nível de exposição ao estrogênio.
Outra vantagem de as mulheres não continuarem férteis em idades mais avançadas é a de que assim os filhos poderão contar com suas mães vivas nos seus primeiros anos de vida, e pesquisas nos confirmam que isso aumenta a chance de uma criança chegar à idade adulta. Além disso, os óvulos de mulheres mais maduras têm mais chances de serem defeituosos, e caso fossem fertilizados, haveria maior risco de gerar anormalidades cromossômicas (ex: Síndrome de Down) e recém-nascidos de baixo peso ou prematuros.
Por essas e outras razões a natureza foi sábia em fazer com que as mulheres a partir de certa idade fossem mais úteis à perpetuação da espécie ao investir energia para a sobrevivência de filhos que não precisassem gerar: seus próprios netos. Esse conceito é bem conhecido pela ciência como "Hipótese Avó", onde a avó colabora não só com conhecimento, mas também colocando a mão na massa, aumentando a chance de seus netos sobreviverem. Na maior parte das espécies animais, em contraste, o mais comum é que os filhos em idades pré-reprodutivas colaborem com as mães, aumentando o sucesso de geração de novos irmãozinhos. Além de suporte aos netos, a ;Hipótese Avó; contempla também a menopausa como fator que evita a competição reprodutiva entre gerações na espécie humana.
Um dos estudos mais importantes sobre o tema foi publicado na respeitada revista científica Nature no ano de 2004. Os pesquisadores avaliaram dados históricos demográficos de populações canadenses e finlandesas do século XIX e evidenciaram que tanto mulheres como homens que tinham mães que viveram mais após os 50 anos de idade tiveram seus filhos mais precocemente, intervalos mais curtos entre o nascimento dos diferentes filhos e uma maior chance de que eles chegassem à idade adulta. Além disso, as mulheres que moravam longe das mães tinham menos filhos quando comparadas àquelas que moravam na mesma casa, no mesmo bairro, na mesma vila. O efeito positivo da avó foi mais pronunciado ainda quando a avó tinha menos de 60 anos de idade quando do nascimento de seu neto. Um dos resultados mais importantes do estudo foi o de que a presença da avó foi relevante na sobrevida dos netos entre os três e cinco anos de idade, mas não nos primeiros dois anos de vida (período da amamentação), reforçando a ideia de que o ;efeito avó; existe independentemente das peculiaridades genéticas dos netos ou do desempenho das mães. E os resultados não foram diferentes entre as duas populações estudadas: canadenses e finlandeses.
Dando continuação aos estudos das populações finlandesa e canadense, duas novas pesquisas foram publicadas na última semana pelo prestigiado periódico Current Biology, confirmando os dados prévios. Porém desta vez, os resultados mostraram que o ;Efeito Avó; tem seus limites. A partir dos 75 anos, o efeito positivo já não é percebido, e pode até ter o efeito contrário. Presume-se, nesse caso, que as avós já não gozam de boa saúde.
A ;Hipótese Avó; é bem reconhecida pela ciência como o meio pelo qual a evolução permitiu que as mulheres, ao amadurecerem, fossem avós e não mães de novas crianças. Hoje em dia cresce o papel de avós como tutores dos netos e, com bom senso, a chance de sucesso é grande: avó tem que ser avó e mãe tem que ser mãe.
* Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e Diretor Clínico do Instituto do Cérebro de Brasília