Revista

Além da clínica: psicólogos estão cada vez mais próximos da comunidade

Debatendo temas terapêuticos, profissionais saem dos consultórios e se aproximam da população em rodas de conversas

Ronayre Nunes
postado em 07/04/2019 07:00
A psicóloga Sandra Férrer (ao centro) com um grupo participante do Cafeterapia

;Psicólogo é coisa para doido.; ;Isso é frescura.; ;Não preciso, vou resolver sozinho.; Eventualmente, as opiniões relacionadas à procura por auxílio psicológico passam por preconceitos e tabus. Para piorar, serviços públicos pouco eficazes e dificuldade de parte da população em acessar ajuda privada são obstáculos para o enfrentamento de problemas que afetam cada vez mais pessoas no mundo, como a depressão.

Ações voltadas para quebrar essas barreiras e levar ajuda psicológica para perto da população ganham espaço, como as rodas de conversas e os encontros coletivos em locais públicos sob o comando de psicólogos, para debater temas terapêuticos.

[SAIBAMAIS]O Cafeterapia é um desses projetos: ;Não é uma terapia na prática. É uma tentativa de tirar os temas dolorosos do consultório e levar ao público com mais leveza e clareza. Os temas escolhidos vão desde os mais leves, como felicidade e relacionamento, até depressão e outros;, explica a idealizadora dos encontros, a psicóloga Sandra Férrer.

Formada há mais de 15 anos, ela conta que a ideia ocorreu de forma despretensiosa: ;Tudo começou quanto eu fui dar uma palestra no Dia da Mulher. Combinamos de fazer mais coisas no espaço e abrimos para essa nova vertente.; Sandra defende que, pelo fato de as rodas de conversa serem em um local público, trata-se de um momento de abertura. ;A minha proposta é justamente irmos ao encontro das pessoas para falar de temas que tocam os indivíduos. Não é uma terapia em grupo, não temos contrato. Eu não tenho dúvida de que a ciência precisa estar mais perto das pessoas, sair do consultório.;

Outro fator abordado por Sandra indica um conceito curioso, mas de extrema importância: a psicologia preventiva. De acordo com a profissional, o padrão tradicional do trabalho clínico envolve a solução para um problema que já se expressou. Entretanto, encontros junto à sociedade podem ter o poder de evitar adversidades. ;Normalmente, quando você olha para um público maior, mais pessoas se beneficiam disso. Uma forma de manter a sociedade mais saudável é falando com essas pessoas. Não basta o psicólogo se formar e esperar o cliente. A profissão precisa dessa ação.;

Graziela Furtado Scarpelli Ferreira, coordenadora do curso de psicologia do Iesb, concorda que a prevenção é um fator que precisa ser colocado em foco no cotidiano da profissão: ;Essa é uma área que, para nós, não é tão nova. A população mais carente sempre teve acesso à psicologia dentro dessa vertente (da saída clínica para espaços públicos);.

Para Sandra, existe outro contexto pouco discutido, mas fundamental para o acesso da população à ajuda psicológica: o preconceito. ;Ainda há muito preconceito de ir até o psicólogo, de visitar uma clínica. Talvez por isso existam tantos casos de suicídio: por esse obstáculo de chegar até a ajuda.; Para ela, há uma dificuldade da população em entender o quanto a depressão é perigosa e precisa ser discutida. ;Em 2020, provavelmente, se tornará a segunda doença que mais mata no mundo, e falar sobre isso só na clínica é muito pouco;, alerta.

Aprovação


Mesmo fazendo terapia individualmente, Tamara Magalhães, 26 anos, alega que a experiência coletiva agrega mais vantagens. ;Na terapia, eu sou a protagonista e encaro os problemas com essa perspectiva pessoal. Nas rodas de conversa, são pontos de vista diferentes sobre o mesmo assunto. Isso é o que mais me chama a atenção: ter várias pessoas falando sobre um assunto, com novas ideias. Vai abrindo a cabeça;, analisa.

A museóloga conheceu o encontro por acaso, por meio de um post na rede social da cafeteria que recebe os encontros na Asa Sul. ;Eu vi o anúncio e me pareceu interessante um espaço para botar para fora os assuntos que não colocamos no dia a dia.; Ela nunca tinha participado de outro encontro do gênero. ;Não é uma conversa com amigos, mas também não é uma terapia. A gente tem liberdade de falar sobre algo que incomoda, que traz dúvidas. O legal é tentar compartilhar e se ver na fala do outro, é perceber que você não está só. Acho que a única coisa que eu diria para quem quer participar é: experimente.;

Opinião parecida tem Márcia Romeu. A empresária de 42 anos frisa que um ponto importante é a participação do psicólogo nos encontros, o que diferencia a experiência de um grupo de conversa comum: ;Eu acho que o profissional tem uma carga educacional maior e um controle maior também. A gente consegue ser mais organizado, não há tantas interrupções nem julgamento. As ideias fluem.;

Para os que pretendem conhecer a experiência, Márcia alerta: ;A proposta é diferente e, no começo, você fica um pouco assustado, porque se expõe para outras pessoas. Mas o interessante é perceber que nosso dilema é o dilema de outras pessoas também. E essa situação de alívio é interessante porque, ao contrário do que eu imaginava, a gente fica mais à vontade de expor os problemas do dia dia.;


Diferenciando


Para Bruno Nogueira da Silva Costa, psicólogo do Centro de Antedimentos e Estudos Psicológicos do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador da Comissão dos Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia, antes de tudo, é importante diferenciar os encontros, as rodas de conversa e a terapia coletiva. ;É importante frisar que as rodas de conversa não são uma terapia de grupo. Nelas, há o aspecto temporal, porque é um trabalho de curtíssimo prazo, com um encontro em um lugar informal, que não demanda papéis definidos, onde o facilitador construirá um espaço para compartilhar o pensar.;

Costa explica que já existem estudos sobre o tema. ;Na própria UnB, promovemos essas rodas de conversa e encontros. Já fizemos, por exemplo, sobre suicídio, um tema recorrente na universidade. Eu gostaria de lembrar que não é uma ação sem referência. Mesmo que no Brasil elas sejam mais novas, lá fora já existe um conteúdo acadêmico forte e sólido em relação a isso.;

Por mais que o termo pareça complicado, o professor frisa que um dos pontos positivos dos encontros e rodas de conversam passam por uma ressignificação de acontecimentos. ;Esses espaços ajudam as pessoas a compartilharem um pouco suas histórias. Colocando outras pessoas para escutar e se escutando, elas terão a oportunidade de ressignificar tais histórias e ter um sentimento mais pacífico para aquilo que foi debatido. Por exemplo, se uma mulher que sofre violência e não quer procurar uma clínica participa de um encontro desses, ela vai ter uma chance de procurar uma ressignificação desses acontecimentos.;

Para Angela Batista, que trabalhou por 10 anos como psicóloga, os projetos de atendimento fora da clínica funcionam como uma complementação. ;Eles vão ajudar quem não tem condição de procurar ajuda. A clínica é importantíssima, mas os resultados dessas ações podem também ajudar as pessoas.;

Mais projetos


Ficou interessado no assunto? Confira alguns projetos que recebem o público:
Cafeterapia: A agenda dos encontros da psicóloga Sandra Férrer para abril pode ser acompanhada pela página do Gentil Café, no Facebook e no Instagram (@gentilcafe). Nesta segunda (8/4), será sobre relacionamento abusivo.
Acolhimento integrado: O Iesb promove, entre outras atividades, o Acolhimento Integrado, com apoio psicológico para a comunidade de Ceilândia. O próximo encontro será nesta terça-feira (9/4). Para mais informações, basta acessar o site da instituição no iesb.br/ServicoDePsicologia.
UnB: A universidade também promove atividades na vertente de rodas de conversa. Para acompanhar mais informações dos eventos, basta conferir a agenda de ações no noticias.unb.br/component/agenda.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação