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Plataformas online são redes de apoio valiosas para quem sofre com doenças

Receber ajuda, informações e uma palavra de conforto faz toda a diferença quando se está enfrentando uma adversidade. Por meio de diversas plataformas, a internet tem ajudado a conectar essas pessoas

Ailim Cabral
postado em 14/04/2019 08:00 / atualizado em 19/10/2020 11:20

Já são quase duas décadas em que vivemos em um mundo conectado. As redes sociais mudaram a forma como as pessoas se relacionam e, se por um lado trazem problemas e até dificuldades nas relações reais, por outro, podem ser um excelente canal de informações e ajuda. Os grupos e portais que tratam sobre saúde são uma prova disso.

Por meio do mundo virtual, pacientes de diversas síndromes, doenças e vírus, além de familiares que lidam com situações desafiadoras no dia a dia, se conectam e se tornam o maior apoio durante momentos difíceis. Conheça algumas histórias de pessoas que encontraram conforto a partir de relatos e trocas de experiências on-line. 

Mães de mãos dadas

 

Foi em um grupo de WhatsApp que a enfermeira Lívia Gomes de Almeida Lopes Chagas, 34 anos, encontrou compreensão e acolhimento para desabafar sobre o dia a dia com os dois filhos autistas, Arthur, 7, e Miguel Lopes de Almeida, 1 ano e 7 meses.

Na época em que Arthur nasceu, Lívia não conhecia muito sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e não enxergava os comportamentos do filho como sintomas. Muitos dos sinais eram percebidos como características de uma criança mais quieta. Apenas aos 5 anos ele recebeu o diagnóstico correto. Ao mesmo tempo em que lidava com a notícia, Lívia lamentava ter perdido muito tempo do que podia ter feito pelo filho se soubesse com mais antecedência. Além de se deparar com uma série de novos cuidados que precisaria ter com Arthur, ela lidava com a carga emocional trazida pelo diagnóstico.

Foi em meio ao momento de dificuldade que a enfermeira descobriu o Berçário de Mães Azuis, um grupo de WhatsApp para mães que descobriram o TEA dos filhos há pouco tempo e ainda estão aprendendo a lidar com a nova situação familiar.

Lá, as mães falam sobre os laudos dos filhos, fazem indicações de médicos, de tipos de terapias e de exercícios que podem ser realizados em casa com as crianças. Além desse lado mais técnico, há um forte suporte emocional, no qual sempre existe uma palavra amiga, até mesmo no meio da madrugada. “Às vezes, tem uma mãe com insônia, encontra outra on-line e as duas acabam se fazendo companhia”, conta Lívia.

Enviando vídeos, áudios, pedindo socorro, chorando e compartilhando os momentos de alegria e as peripécias das crianças, as mães se tornam íntimas e se compreendem como só iguais conseguem. Elas costumam se encontrar pessoalmente e se tornam grandes amigas, que se ajudam em todos os tipos de situações.

Como uma família

Quando Miguel, o segundo filho de Lívia, nasceu, além da experiência com Arthur, como ela participava ativamente do grupo, foi ali que conseguiu reunir informações para levar suas preocupações ao pediatra. Lívia descobriu que o caçula também tinha TEA quando o bebê tinha apenas 5 meses, e afirma que o Berçário de Mães Azuis foi fundamental nesse sentido. “Elas me ajudaram a perceber o autismo no meu bebê, me deram um norte e, além de tudo, recebi e recebo muito apoio.”

Lívia ressalta que, por mais que amigos e familiares ofereçam suporte, é diferente do que ocorre no grupo. Ali, as mães sabem que podem falar sobre suas experiências 24 horas por dia e serem compreendidas, além de receberem dicas e palavras de força de quem já viveu situações semelhantes. Lívia afirma que mais do que amigas próximas, elas se tornaram uma nova família.

“É como se morrêssemos e nascêssemos novamente com o diagnóstico dos nossos filhos. Por isso, o nome berçário é tão adequado ao grupo, ali nascemos novas mães para crianças com TEA.” A enfermeira acrescenta que se tornou mais forte, mais tolerante e aprendeu a lidar melhor com as dificuldades diárias dos filhos.

O grupo tem pouco mais de 100 participantes e foi criado pela fonoaudióloga Sandra Bacelar, 50. Ela conta que conheceu outras mães nas salas de espera de terapias logo que recebeu o diagnóstico do filho, Onze Oliveira, 8 anos, que na época tinha 1 ano e meio, e ali surgiu um grupo no WhatsApp, chamado Anjos Azuis.

Logo já eram mais de 400 mulheres de todo o Brasil. Sandra percebeu que, como havia um grande número de mães com filhos em diferentes estágios e idades, muitas mulheres que tinham acabado de entrar no grupo e que ainda estavam processando o diagnóstico dos filhos acabavam ficando sem respostas. “Uma mãe postava que estava muito triste, logo outra mandava uma mensagem falando sobre um tipo de terapia e aquela mensagem pedindo ajuda emocional se perdia”, lembra.

Pensando nas mulheres que precisavam de acolhimento, ela criou o Berçário — um grupo menor e no qual elas ficam por um determinado período de tempo até migrarem para um maior. É como um tipo de assistência para novas mães de crianças com TEA, até que elas estejam mais seguras.

Sandra lembra que, quando descobriu que Onze tinha TEA, sofreu muito sozinha. A família morava longe e ela não conhecia grupos de apoio. “Foi um sofrimento calado, meu e do meu marido. Depois que saí desse luto, eu me senti na obrigação de ajudar outras mães, pois não quero que elas passem o que passei.”

 

Histórias que vêm do coração

 

A jornalista Zuleika Aparecida Lopes, 60 anos, está entre os primeiros brasilienses a gravar um vídeo para o Histórias do Coração, plataforma on-line criada pela Servier do Brasil com o intuito de informar os pacientes a partir das experiências de outras pessoas com insuficiência cardíaca.

Toda a família por parte de mãe de Zuleika teve problemas cardíacos. Por isso, desde os 50 anos, ela faz exames regularmente e monitora o coração. Em 2016, recebeu um prognóstico otimista de um médico, que afirmou que sua saúde coronária estava excelente. Porém, pouco tempo depois, no início de 2017, a jornalista se surpreendeu com a pressão alta e precisou começar a tomar remédios para controlá-la.

Depois de quatro meses de tratamento, dores no peito, cansaço excessivo ao caminhar e inchaço nas pernas e pés, um sinal vermelho se acendeu para Zuleika. Após uma bateria de exames, descobriu que uma infecção bacteriana havia diminuído sua capacidade cardíaca para apenas 40%. O coração estava tão fraco que o médico recomendou que ela começasse o tratamento imediatamente. O citomegalovírus foi o causador da insuficiência cardíaca de Zuleika e, desde a descoberta, ela segue as orientações médicas à risca.

Zuleika continuou o tratamento. Poucos meses depois, refez os exames e descobriu que seu coração operava a 100% novamente. “Foi incrível como eu fiquei bem seguindo a orientação. O fato de eu sempre fazer prevenção e me cuidar também foi fundamental. A equipe médica me disse que me curei em tempo recorde.”

Com um final feliz, que ela credita à prevenção, ao diagnóstico preciso e a seus cuidados com a saúde, Zuleika sente que precisa compartilhar sua história. Por isso, resolveu se candidatar para gravar o vídeo para o Histórias do Coração.

Ela conheceu o portal por acaso, enquanto pesquisava na internet, e se surpreendeu com o caráter mais humano do site, que traz clareza sobre as doenças cardíacas a partir da perspectiva dos pacientes. “Quando vemos o que acontece com os outros, é mais fácil criar consciência da importância da prevenção, fazer o checape anual, saber como está o coração e se cuidar.”

Ansiosa para gravar o vídeo e compartilhar sua vivência, ela se sente privilegiada por poder mostrar que sempre existem possibilidades de ser saudável. “A doença não é o fim. Você não pode se entregar e tem que seguir as orientações médicas. Se você for paciente, a cura é possível”, comenta, bem-humorada.

Zuleika também ressalta que ouvir certos conselhos de uma pessoa que passa por um problema semelhante ao seu é diferente de ouvir do médico, e pode trazer uma nova e melhor perspectiva. Além de ser mais compreensível para muitas pessoas que se assustam ou não conseguem assimilar o que os profissionais de saúde explicam.

 

Superando um câncer aos 20

Em julho de 2017, aos 20 anos, a universitária Isabel Cristina Cunha Costa foi surpreendida com a notícia de que tinha câncer de mama. Assustada e com dificuldades para lidar com a situação, começou a pesquisar na internet e entrou em diversos grupos on-line sobre a patologia. “Eu precisava saber como as pessoas se sentiam, como lidavam com aquilo, o que falavam sobre o tratamento e sobre a vida depois da doença”, lembra.

Isabel conta que lia muito o que era dito e que encontrou conforto em ver tantas mulheres vencendo o câncer de mama e retomando suas vidas, mas não achou muito conteúdo sobre mulheres da sua idade, e isso a incomodou. “Nunca consegui conversar com alguém da minha idade que tivesse tido o mesmo que eu. E isso fez falta.”

Quando começou o tratamento, teve a ideia de ser para alguém o que ela não havia encontrado. Assim, criou um blog Câncer aos 20. No portal, compartilhava o dia a dia, as dificuldades e os sentimentos durante o processo. “Dividindo tudo, eu me sentia mais leve. Eu me ajudava e ajudava os outros.”

O blog teve muita repercussão na época. A estudante acredita que o fato de ter câncer de mama tão nova era o que mais atraía os leitores. Para Isabel, isso se tornou extremamente positivo, pois uma rede de apoio se formou e durante o tratamento e ela pôde contar com muitas mulheres que passavam por situações semelhantes.

Entre os três grupos que participava no Facebook , os mais de 70 perfis relacionados ao tema que segue no Instagram e o blog, Isabel percebeu que existem muitas notícias falsas sobre câncer na internet e se comprometeu a compartilhar notícias confiáveis para os amigos e seguidores.

A jovem reconhece a importância das redes e de todas as suas ramificações no que diz respeito ao apoio, mas ressalta que é importante ter cuidado com as notícias e as informações médicas contidas nessas plataformas. Além disso, Isabel alerta que há muitas histórias tristes e imagens fortes. Logo, cada pessoa deve avaliar o tipo de conteúdo que pode ajudar e o que pode deprimir.

Superação

Hoje, aos 22 anos e cursando direito, a jovem transformou a doença em força criadora e se tornou um ponto de apoio para quem luta contra o câncer. Além do auxílio on-line, ela faz trabalho voluntário uma vez por mês na ala de câncer do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Ela teve câncer de mama receptor hormonal, fez mastectomia radical bilateral, quimioterapia venosa por seis meses e quimioterapia oral por mais seis meses. O tratamento se encerrou em setembro de 2018, mas Isabel faz uso de um medicamento diário, que precisará tomar por 10 anos, além de outro mensal. “Não tenho mais a doença no meu corpo, os médicos dizem que só podem considerar a cura depois de 10 anos, mas confesso me sentir curada.”

Isabel afirma que ter câncer, e tão nova, foi uma experiência transformadora. “Ao mesmo tempo que foi a coisa mais difícil, me ensinou muito. Cresci como pessoa e superei.”

Sem neura

Criadora do grupo Câncer Sem Neura, do Facebook, do qual Isabel também faz parte, Patrícia Adriana de Almeida, 44 anos, afirma que seu objetivo sempre foi dar esperança para as pessoas. Apesar de ter começado na cidade de Patrícia, Mogi das Cruzes (MG), a comunidade on-line reúne dezenas de brasilienses.

A professora de inglês teve câncer de mama em 2014 e criou um grupo para informar amigos e familiares sobre seu tratamento por um único canal. Aos poucos, algumas pessoas pediram para incluir parentes que passavam por algo semelhante e o grupo foi tomando forma por conta própria. O que era fechado e particular se tornou uma rede de apoio de mais de 6 mil pessoas por todo o Brasil.

Depois de passar por rádio e quimioterapia e três cirurgias, Patrícia acredita que dividir sua experiência é uma forma de tranquilizá-las, mostrar que existe vida após o câncer e que, eventualmente, a vida vai voltando ao normal. “Era uma forma de chegar até as pessoas e conversar, poder trazer uma palavra de conforto. O câncer não anula a vida e é importante focar nisso.”

Fique atento!

Antes de se abrir e compartilhar informações pessoais, verifique a confiabilidade do grupo ou do portal.
Ao fazer amigos por meio das redes, verifique se o perfil é legítimo.
Cuidado com tudo o que lê sobre as doenças ou síndromes. Existem muitas notícias falsas e estas são facilmente compartilhadas em grupos on-line.
Caso alguma notícia referente à sua doença ou ao tratamento parecer legítima, compartilhe suas dúvidas e preocupações com seu médico.
Nunca tome medicamentos de acordo com a receita de outros pacientes. Sempre procure seu médico.
Não faça tratamentos ou qualquer tipo de intervenção sem orientação médica.

Sem julgamento e preconceito

O estilista Paulo Antunes, 44 anos, descobriu por acaso o grupo Vida & Amor Positivo%2b.Brasil & Mundo e viu o espaço on-line se tornar um dos maiores aliados enquanto aprendia a conviver com a presença do vírus HIV no corpo. Além de reunir informações sobre tratamentos e funcionar como um canal em que as pessoas tiram dúvidas sobre sintomas a situações diárias, a comunidade no Facebook é um lugar onde soropositivos se sentem seguros para fazer novas amizades.

Para Paulo, o grupo é um suporte diário. É ali, em meio aos cerca de 3 mil integrantes, que o estilista se sente à vontade para conversar e se abrir um pouco mais. Quando se descobriu portador do vírus HIV, contou para algumas pessoas mais próximas e percebeu, pela primeira vez, o grande preconceito que ainda cerca a doença.

“Descobri que muitas pessoas que eu considerava amigas não eram de verdade. Elas se afastaram de mim quando souberam. Até alguns familiares. O comportamento das pessoas muda com você, e me senti excluído e marginalizado”, desabafa.

Paulo afirma que as grandes amizades que tem hoje são as do grupo, no qual entra todos os dias para ler e interagir. Ele explica que os problemas e as vivências semelhantes permitem que as pessoas se aproximem mais e sem o estigma do preconceito, uma vez que estão todos na mesma situação. “O grupo tem me fortalecido e ajudado muito. Além de amizade, é companheirismo.”

O estilista ressalta, ainda, que certos assuntos são mais fáceis de conversar com os amigos virtuais. Ele explica que sempre tem alguém disposto a tirar dúvidas de quem está iniciando o tratamento ou de quem acabou de ser diagnosticado. Para ele, o apoio e a ausência de críticas e julgamentos são fundamentais.

Relacionamentos

Na comunidade virtual, surgem também muitos relacionamentos amorosos, mas Paulo conta que a última experiência o deixou tão magoado a ponto de não se ver mais vivendo um romance. Há quatro anos, ele descobriu ser portador do vírus depois de se relacionar sexualmente sem camisinha com um homem com quem estava namorando.

Antes, ele se cuidava e fazia exames de rotina todos os anos. “Sempre me cuidei. As pessoas têm muito preconceito com a comunidade gay nesse sentido, dizendo que somos irresponsáveis. E eu sempre fui muito centrado com relação à proteção”, conta.

Depois de seis meses juntos, o então namorado do estilista disse ter o vírus e confessou já saber disso havia cinco anos. Mesmo com a quebra de confiança, por já estar com o vírus, Paulo resolveu continuar no relacionamento. Pouco tempo depois, o homem passou a negar que o tinha infectado e terminou o namoro. “Isso me deixou marcas profundas, foi muito difícil. Confiei nele e, além de me tornar portador do HIV, eu me prejudiquei nos negócios”, lembra.

Muito abalado psicologicamente, o estilista precisou recomeçar. Depois da experiência, Paulo conta que não conseguiu mais se conectar com ninguém no nível amoroso, criando um bloqueio. “Pode ser que um dia isso mude, mas não faz parte dos meus propósitos. Quero me reerguer profissionalmente, voltei a estudar e estou mudando de profissão. Correndo atrás dos meus sonhos.”
 

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