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Retribuindo o carinho materno

Elas receberam colo e cuidado durante toda a vida. Agora, não medem esforços para recompensar o carinho da mãe

Juliana Andrade, Renata Rusky
postado em 05/05/2019 08:00
Cláudia sempre morou com a mãe, Sebastiana: cumplicidade
Elas cuidaram dos filhos, deram comida, trocaram roupas e estavam ao lado deles quando ficavam doentes. Também davam broncas, quando necessário. Não há dúvida de que a maternidade é rodeada de amor e de cuidados. Porém, chega um momento na vida em que os papéis se invertem. O filho crescido já não depende tanto dos cuidados da mãe, enquanto ela, não só precisa, como merece todo o apoio dos rebentos.

A professora Cláudia Cristina Innocencio, 47, e a mãe, Sebastiana Innocencio, 72, são a prova de que muitos filhos são contagiados pelos cuidados da mãe. Se antes era dona Sebastiana que tomava conta das coisas da casa, agora é a vez de Cláudia. A professora faz as compras, agenda médico para a matriarca, fica atenta aos horários dos remédios e até marca cabeleireiro e manicure. Um cuidado recíproco, que reflete o amor e a amizade entre mãe e filha.

As duas têm uma energia contagiante. Dona Sebastiana, com energia de sobra, brinca com o comportamento da Cláudia. ;Ela toma conta de tudo;, diz. Mas também não deixa de demonstrar a gratidão. ;Eu amo demais a minha filha e todos os outros. Essa aqui fica no meu pé direto;, conta.

Para Cláudia, o cuidado com a mãe é o mínimo que ela pode fazer. Ao lado de dona Sebastiana e com um sorriso no rosto, ela se lembra da atenção que Sebastiana sempre teve com ela e com os irmãos. ;Ela sempre foi uma mãezona. A gente acordava de manhã e a pasta de dente já estava nas escovas, tudo arrumadinho;, recorda-se.

A professora ressalta que o cuidado não chega a ser uma retribuição, mas, acima de tudo, um ato de amor. ;A nossa relação é muito boa. O povo fala que eu a mimo demais. A gente é grato, mas acaba que você dá o que recebe. É uma retribuição com amor;, garante.

Cláudia e Sebastiana moraram juntas a vida toda. E a filha sempre foi muito apegada à mãe. Durante a infância, quando combinava de dormir na casa de alguma amiga, inventava uma dor de ouvido para voltar para a casa e para os braços maternos. O apego da duas permanece e as pessoas que convivem com elas reconhecem. ;Quando a manicure dela troca a cor do esmalte, ela fala para minha mãe ver se a ;mamãe Cláudia; vai gostar;, comenta.

Os irmãos também são atenciosos com a mãe. De acordo com Cláudia, antes de o irmão da professora sair da casa de Dona Sebastiana, os dois saíam muito para tomar cerveja. ;Eu sou caseira e minha mãe, farrista. Quando eles saíam, eu falava: ;juízo;. E ela voltava lá da escada só para me dizer que ela é que era a minha mãe e não o contrário;, brinca.


;Sei que ela faria o mesmo por mim;


Débora largou tudo para cuidar de Maria do Socorro quando a mãe ficou doenteDúvidas de que a filha a amava, a aposentada Maria do Socorro Santos, 59, nunca teve. E para isso não precisa de provas, pois o amor é manifestado no dia a dia da médica Débora Santos, 40. Ela é um exemplo de filha dedicada. Em um dos momentos mais difíceis na vida de Maria do Socorro, não hesitou em largar tudo para ficar ao lado da matriarca.

A aposentada teve um câncer de pâncreas em 2000, época em que Débora estava cursando a tão sonhada faculdade de medicina. Porém, as idas ao hospital já não davam mais espaço para os estudos. A decisão não parecia fácil para muitos, mas Débora estava decidida e trancou o curso para se dedicar ao tratamento. ;Para mim, não fazia sentido cursar uma faculdade de medicina sem ter a minha mãe;, lembra. Débora largou também o trabalho e se dedicou a cuidar de Socorro, até o estado de saúde dela melhorar.

Essa não foi a única vez que a médica abdicou de tudo pela mãe. Em junho do ano passado, a aposentada teve um novo câncer ; desta vez, ginecológico. ;Com filho e trabalhando, eu larguei tudo de novo. Dessa vez, ela fez a cirurgia. No pós-cirúrgico eu larguei mesmo, mas, durante a quimio eu revezava entre o tratamento dela e o meu trabalho;, conta.

Hoje, o câncer está sob controle, mas Débora não deixa de cuidar da mãe e sempre vai visitá-la. Para Socorro, ter uma filha tão atenciosa é um privilégio. ;Eu sabia que ela era muito cuidadosa, mas me surpreendeu com a série de coisas que fez. Ela sabia exatamente como eu reagiria em algumas situações, até mais do que eu. Parecia que tinha se especializado em mim;, ressalta.

Socorro conta que a filha foi seu porto seguro durante o tratamento. Débora sempre fez o possível para amenizar as dores da mãe. Antes de iniciar a radioterapia, a filha visitou o local e conversou com os médicos para saber as reações que a mãe poderia ter. A aposentada lembra que a médica nunca chegava de mãos vazias em casa. Sempre trazia algo diferente para comer ou alguma medicação.

Para Débora, as atitudes dela como filha não significam nenhum esforço. É motivada pelo carinho da mãe. ;Ela faria o mesmo por mim em qualquer momento da vida. Não faço mais que minha obrigação. É uma oportunidade de poder retribuir o que ela fez por nós;, garante.

Cuidado de volta

O jeito atencioso e cuidadoso vem passando de geração em geração. Socorro até brinca que não sabe se faria o mesmo, mas a médica garante que sim. Débora lembra que quando a filha, Laura, hoje com 7 anos, sofreu um acidente, no qual um box de vidro caiu sobre a pequena, a avó da garota entrou em desespero, mesmo com Débora ressaltando que a menina estava bem.

;Ela queria vir para cá, mas já passava das 11 horas da noite e eu não a deixei vir. No dia seguinte, quando amanheceu, eu acendi minha luz, por volta das seis horas da manhã, para ir trabalhar, e recebi uma mensagem dela falando que estava na porta da minha casa. Simplesmente, ela ficou sentada no chão, esperando qualquer movimento na casa para avisar que estava na porta;, relata.

As duas ainda destacam que Laura também já se mostra supercuidadosa e faz companhia para a avó diariamente. ;Eu a vejo passando para a filha a importância que é esse vínculo afetivo de mãe para filha e de filha para avó, que é muito forte. Eu fico pensando em que momento eu mereci ter a Débora como filha;, destaca Socorro, agradecida.


Invertendo as convenções

Maria Rosinalde veio morar com a filha, Luana, quando se separouEsqueça as situações mais comuns, em que os filhos que se divorciam vão, nem que seja por um tempo, morar com os pais. A professora e modelo Luana Lima, 35 anos, e a cuidadora de idosos Maria Rosinalde Ferreira Lima, 55, inverteram as convenções. Luana já morava em Brasília com a filha quando acolheu a mãe e o irmão, vindos de Tocantins, após um término de relacionamento difícil. O drama acabou unindo a família ainda mais e os quatro moram juntos até hoje.

Maria, a mãe, é cuidadora por profissão e por instinto. Mas, embora todos se esforcem para cuidar uns dos outros, é Luana quem mais se destaca na função. ;Aqui, os papéis, às vezes, se invertem. Ela me dá bronca, me faz ir ao médico, coisa que eu não gosto;, cita a mãe. ;Tem hora em que eu sou filha, tem hora em que sou mãe. Ela também me dá uns perdidos, vai para a casa das amigas e eu tenho que me responsabilizar;, emenda a filha.

A relação não é só de mãe e filha. É também de amizade. Elas fazem quase tudo juntas: exercícios, compras e até vão a festas e bares. Mas sem cobrança: também há liberdade para saírem sozinhas. ;Cada uma com seus rolos;, brinca Luana. E, para se arrumar, Maria sempre conta com Luana. ;Ela me maquia;, lembra a mãe.

Mesmo habilitada para dirigir, Maria gosta de ser buscada pela filha. Assim, pode tomar uma taça de vinho ou um chope com as amigas sem perigo nem preocupação. Luana gosta da função, mas também comemora o fato de o irmão estar a postos e poder dirigir e dividir a responsabilidade com ela.

Mesmo com a fama de cuidar muito da mãe, Luana, obviamente, se sente cuidada. ;Minha mãe tem visão para as coisas. A principal lição que veio dela foi não se acomodar com nada, ir atrás de cursos, trabalhar;, conta.

A vida de Maria se baseia nisto: ela veio para Brasília sem nada e ainda deixou um concurso público para trás, mas não ficou parada. E se reinventou em outra ocupação. ;As mulheres da nossa família são guerreiras, fortes;, orgulha-se Luana. A avó dela foi largada pelo marido com cinco filhos e trabalhou para alimentá-los e dar a todos a melhor criação.

Papéis trocados


Heloísa e Maria mais parecem irmãs: filha cuida e até dá bronca na mãePela aparência, qualquer um diz que são irmãs. E as personalidades também enganam. Heloísa Ribeiro, 21 anos, a filha, é quieta e reservada. Sempre foi assim e, agora, com duas filhas pequenas, de 2 anos e de 4 meses, acaba ficando mais em casa. Maria Ribeiro, 41, a mãe, é extrovertida, gosta de sair e de festas. ;Ela é bem calma, eu sou mais agitada;, reforça a mãe.

;Eu trabalhava e ela acaba ficando em casa cuidando dos irmãos; então, ela criou muito cedo esse senso de responsabilidade;, orgulha-se Maria. Atualmente, a pedagoga até se questiona como Heloísa consegue fazer tudo nas condições atuais de mãe. ;Ela toma conta dos meus gastos, ela paga as minhas contas;, enumera. Desempregada, Maria teve uma entrevista de emprego recentemente e Heloísa se encarregou de levá-la. Também dá carona a baladas e resolve alguns problemas nas escolas dos irmãos.

;Também chamo a atenção dela;, conta a filha. O principal tema das broncas são os irmãos: para Heloísa, a mãe tem a tendência de ser muito rigorosa ou muito leve com eles em situações que deveriam ser o oposto. ;Eu gosto de ajudar. Sempre vi minha mãe se esforçando muito por nós;, afirma a filha.

Heloísa também teve muito cuidado materno: a mãe costumava ir até aos passeios da escola com ela. ;Quando eu comecei a ir a shows e festas, ela ia com meus amigos, e todo mundo se divertia;, relembra. Com as filhas, ela quer ter a mesma relação ; talvez um pouco menos rígida, segundo ela. A liberdade de comunicação entre elas é completa. ;Conversamos sobre tudo, inclusive sexo. Eu a levava para tomar injeção contraceptiva;, conta a mãe.

E Maria também ajuda com as netas. Elas vão à casa dela para brincar e, quando a filha está doente, ela se encarrega dos cuidados. ;Teve uma vez que estávamos, eu e meu marido, com caxumba e ela ficou com as meninas;, agradece Heloísa. ;É muito bom: a gente bajula, mas não tem tanta responsabilidade;, admite a mãe e avó.


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