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postado em 02/06/2019 04:30
Cenas de sangue marcaram o início de A dona do pedaço

A novela da vida real

Há quem torça o nariz para as novelas, acusando nossos folhetins de serem vazios, apenas preparação para o beijo açucarado dos mocinhos e a morte dos vilões. Convido essas pessoas a assistir a algumas das atuais produções e perceber que dali pode sair muita reflexão. Isso sem falar de clássicos como O bem amado, Saramandaia, Vale tudo e por aí vai. Ouso dizer que as novelas, muitas vezes, soam como espelho da nossa sociedade.

Curiosamente as duas novelas que mais dialogam com a atualidade entre as que estão no ar estrearam na mesma semana, há cerca de 15 dias: A dona do pedaço (Globo), de Walcyr Carrasco; e Topíssima (Record), de Cristianne Fridman.

O prólogo (é; a novela das 21h teve prólogo) e a primeira fase trouxeram de A dona do pedaço dois assuntos que poderiam muito bem ter saído das páginas escritas pelos meus colegas de política: armamento e valores familiares. O início parecia e muito o faroeste previsto por Silvio Santos, com duas famílias se dizimando por rixas daquelas que ninguém sabe como começaram.

E não tinha idade para pegar em armas, não! As cenas de crianças aprendendo a atirar em latas e frutas para que pudessem ;se defender; no futuro foram, no mínimo, chocantes. E Fernanda Montenegro quebrou a internet na cena em que a personagem dela, Dulce, protagoniza uma verdadeira chacina, matando pai, filha e filho e tocando fogo numa casa antes de morrer. Os internautas se dividiram. Eu, particularmente, achei desnecessária e exagerada a matança promovida pela atriz de 89 anos.

No dia seguinte da estreia de A dona do pedaço foi a vez de a Record estrear Topíssima. A trama contemporânea é um respiro entre as histórias bíblicas apresentadas pela emissora. A surpresa não foi só pelo texto, bem-escrito e com direção ágil, mas também pela atualidade dos temas abordados.

Um dos principais motes de Topíssima está no tráfico da droga sintética veludo azul. As festas em que ela é traficada e os efeitos provocados, com a irmã do mocinho ficando em coma após uma overdose, foram bem retratadas.

A questão abre espaço para Topíssima pisar em outro calo da sociedade moderna: a corrupção dentro da Polícia. Um policial infiltrado no Vidigal se disfarça de peixeiro para surpreender os traficantes. Mas, na verdade, ele é o grande comandante do tráfico no local e está ali para escolher as vítimas, além, é claro, de incriminar o herói do folhetim. A novela da Record ainda promete tratar de aborto, outro tema em que pouca gente tem coragem de tocar no Brasil.

As séries brasileiras da TV aberta também não passam despercebidas nessas questões. O maior exemplo disso talvez seja Sob pressão. A excelente série médica da Globo está na terceira (e última) temporada e tem como marca discutir e expor a ferida aberta da saúde pública no Brasil. Falta de estrutura de médicos, material improvisado e profissionais sobrecarregados são constância no seriado e nos hospitais públicos do país. De quebra, a atração ainda discute temas de suma importância, como violência contra a mulher e preconceito contra soropositivos e termina sempre com mensagens que podem ajudar quem está em casa, como o número de telefone para denúncias de locais de contágio da dengue.

Verdadeiros cronistas da nossa sociedade, nossos novelistas têm se esmerado em levar para a ficção um pouco da realidade. Ou será que é a realidade que está tão louca que mais parece ficção?




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