Revista

Mudança pela educação

postado em 16/06/2019 04:22
O grupo Homens em Conexão, liderado por Fernando Aguiar (detalhe) promove constelações familiares, workshops e movimentos de consciência corporal

Depois de um encontro terapêutico no qual foi visto um documentário que instigou alguns participantes a um debate maior, o psicólogo Fernando Aguiar, 34 anos, teve a ideia de criar o Homens em Conexão. Nove amigos iniciaram o grupo, que teve a primeira reunião em outubro de 2018 e contou com a participação de 97 homens para uma programação com constelações familiares, workshops e movimentos de consciência corporal. O objetivo é questionar o homem estereotipado e abrir possibilidades para outras expressões do masculino.

Para Fernando, há uma necessidade muito grande desse tipo de iniciativa. ;Vi senhores de 50 anos falando que esperaram a vida toda por isso, de poder discutir o que é ser homem de uma forma mais saudável, e de pensar que o masculino que a gente tem vivido machuca muita gente.;

O psicólogo defende o diálogo sincero e o espaço seguro para debate como uma das armas para vencer o machismo estrutural. ;O machismo é como uma armadura. Se eu combater a armadura, o homem vai se segurar mais ainda nela; mas, se estiver em um local seguro, ele mesmo vai querer tirar essa armadura ao perceber o quanto machuca e pesa;, acredita.

Um aspecto abordado tanto por Paolo quanto por Fernando diz respeito às relações com os próprios pais e sobre como a masculinidade tóxica e o machismo estrutural é passado de geração em geração de forma quase natural, e de que como é necessário parar esse ciclo a partir da educação.

;A mudança é lenta. Eu mudei e, quando tiver filhos, isso vai se expandir. Mas a gente tem uma sociedade que reproduz comportamentos tóxicos, perpetuando essa lógica. Os meninos são criados para viverem em armaduras, e as meninas para aceitar essa realidade;, lamenta Fernando.

O psicoterapeuta Paolo Cirola defende que é necessário abandonar a masculinidade tóxica que foi ensinada. ;Podemos cortar essa corrente. É necessário pegar o pacote do que aprendemos com nossos pais, abrir e olhar o que tem dentro. Saber tirar as coisas boas, largar as ruins e seguir em frente. Digerir o material emocional e passar para o filho um pacote mais limpo.;

Autoconhecimento

Já o grupo terapêutico criado pelo psicólogo Rafael Gonçalves consiste em promover o autoconhecimento de homens, o que permite que eles se modifiquem e abandonem o que há de tóxico em suas masculinidades.

Rafael ressalta que é importante colocar o cuidado de si mesmos nas mãos dos próprios homens. ;Tenho a impressão de que esse cuidado foi muito jogado para as mulheres, que elas deveriam cuidar dos homens. Mas elas estão no processo delas, e isso deixa para a gente compreender melhor como devemos nos cuidar.;

O psicólogo acredita, ainda, que muitas pessoas estão perdidas no processo de desconstrução dos papéis de gênero que a sociedade vive e que isso apenas reafirma a necessidade de se conhecer. Rafael conta que existem homens que participam de um único encontro e ficam encantados com a possibilidade de partilhar. ;Não quer dizer que é uma coisa milagrosa, ou com o certificado de solução, mas ele vai ter acesso a uma consciência de quem é ele para lidar melhor com os próprios sentimentos.;

Saiba mais sobre o tema

Documentário no Youtube
  • Do we need to talk to men? (Precisamos falar com os homens?)
  • The mask you live in

Livros
  • Pluralidade masculina ; Contribuições para pesquisa em saúde do homem, de Jeferson Santos Araújo e Marcia Maria Fontão Zagol Gênero em termos reais, de Raewyn Connell

Podcast
  • The evryman (em https://evrymanpodcast.libsyn.com)

Série
  • The Queer eye: de forma leve, a série da Netflix, na qual cinco homens gays fazem makeovers em homens héteros, acaba tocando no assunto naturalmente.

Uma visão feminina

Uma das escritoras do site Blogueiras Feministas, Bia Cardoso explica que uma das formas que a masculinidade tóxica se apresenta ; e dificulta o debate conjunto entre os gêneros ; é quando um homem tem a necessidade de se provar superior e, para isso, diminui o valor da mulher.

;A sociedade cobra deles uma masculinidade que nem todos conseguirão alcançar. E, quando a pessoa se vê em uma situação em que ela não consegue alcançar esses objetivos quase irreais, ela vai atacar mulheres e movimentos que estão conseguindo se destacar;, acredita.

Apesar de perceber a dificuldade no debate, a escritora acredita na desconstrução como um caminho para modificar o machismo estrutural. ;Tudo começa pela escola. Os jovens precisam pensar nessa ideia e sair dessa restrição. Mudar uma realidade ou uma cultura pode ser difícil, mas é possível.;

Para Bia, a desconstrução é mais uma entre muitas das estratégias necessárias em todo o processo de mudança social. ;Tem gente que acha que a mulher precisa ser mais assertiva, mais de enfrentamento, e faz parte. Eu acho que o caminho tende mais para fazer grupos de consciência e debater o assunto.;

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