Sibele Negromonte
postado em 07/07/2019 09:00
Arthur da Veiga se orgulha de ter um paladar excelente. Na infância, quando vivia na região de Trás-os-Montes, o português costumava provar a sopa para dar o veredito se ela tinha azedado. ;Quando eu era criança, não havia energia elétrica onde eu morava, logo, não tínhamos geladeira. Eu era o provador oficial da família para saber se o alimento estava estragado;, recorda-se.
Esperto, desde menino devorava os jornais em busca de notícias e sonhava em deixar a pequena Izeda, no norte de Portugal, onde nasceu, e ganhar o mundo. Não à toa, agarrou com unhas e dentes quando apareceu a oportunidade de viver em São Paulo. Chegou ao Brasil no fim da década de 1970, aos 22 anos, para visitar parentes, e por aqui ficou. E lá se vão mais de quatro décadas. ;Sempre quis morar em uma cidade grande;, resume.
Estabeleceu-se em São Paulo, onde começou a investir na carreira de cantor. Com o nome artístico de Domingos da Veiga, conheceu Luiz Gonzaga, que o apadrinhou. Chegou a gravar um compacto duplo com o Rei do Baião. Em 1981, quando no Brasil nem se ouvia falar em lambada, o português lançou uma música com o ritmo caribenho. ;O Kaoma (grupo de lambada de maior sucesso no Brasil) só surgiu em 1989. O meu agente era muito visionário;, comprova o pioneirismo.
Domingos da Veiga fez shows, gravou discos e alguns dos seus clipes ainda podem ser vistos no YouTube. Paralelamente, abriu um barzinho em Guarulhos. Em 2013, porém, decidiu voltar a fixar moradia em Portugal. Queria tentar a carreira de cantor também na terra natal. ;Eu visitava o país praticamente todos os anos, mas sempre voltava para São Paulo.;
Desta vez, Veiga passou dois anos. Percebeu que a música não era mais viável e aproveitou o tempo para se preparar para uma mudança total de rumo: decidiu trabalhar com gastronomia. O paladar aguçado ele já tinha. Também não era um leigo total com as panelas, afinal, cresceu vendo a avó e a mãe, exímias cozinheiras, no fogão. E até arriscava o preparo de um ou outro prato. Sem falar que a culinária portuguesa é, inegavelmente, uma das melhores do mundo.
Veiga tem um amigo que é dono de uma fábrica de pastel de nata e aprendeu com ele todos os segredos do preparo da tradicional iguaria lisboeta. Na mesma época, conheceu Lena Alves, uma brasileira de Montes Claros (MG), por quem se apaixonou. A mineira, coincidentemente, gerenciava um restaurante em Lisboa. E, com o incentivo do amado, também aprendeu a preparar o doce.
Mudança de rumos
Casados, Veiga e Lena, que já estava em Portugal havia quatro anos, decidiram voltar para o Brasil. O destino agora, porém, seria Brasília, cidade onde a mineira já tinha se estabelecido antes de se aventurar por terras estrangeiras. No fim de 2014, desembarcaram na capital com um projeto: abrir um restaurante.
Em abril de 2015, o Tá com fome? Entra e come abria as portas. No pequeno estabelecimento, em Taguatinga, Veiga e Lena preparam os deliciosos pastéis de nata. ;Os nossos são melhores do que os vendidos em Lisboa;, garante Veiga, sem modéstia. A receita, o casal não compartilha com ninguém ; nem com os funcionários.
Assim como ocorre com o original Pastel de Belém, localizado ao lado do Mosteiro dos Jerônimos, o modo de fazer a iguaria é guardado a sete chaves. ;Temos um espaço, que chamamos de quartinho do segredo, onde fazemos a massa e o recheio;, detalha Veiga. Enquanto estão sendo preparados, ninguém entra. E o sucesso é enorme. Não tem quem passe pela casa e resista ao pastel de Belém de Veiga e Lena ; seja comendo no próprio local, seja levando para viagem.
Quase tão popular quanto os pastéis são os bolinhos e as coxinhas de bacalhau. O primeiro é uma receita de família de Veiga, à qual ele não guarda tanto mistério. ;O segredo está em usar pouca batata e bastante bacalhau.; Já a coxinha, com a massa preparada à perfeição, é uma criação do casal. A empada de bacalhau completa o trio de delícias salgadas. Mas aí vai a dica para potencializar o sabor: ;É preciso comer com muito azeite;. E, nesse ponto, Veiga tem mais um motivo para se gabar. ;A região de Trás-os-Montes produz os melhores azeites do mundo;, garante.
O cardápio do Entra e come conta também com almoços executivos, incluindo o lombo de bacalhau à transmontana, cuja receita o português compartilha com os leitores da coluna. E aí vai mais uma dica: ;Bacalhau só precisa ser temperado com bastante azeite e alho;.
Além das iguarias portuguesas, Veiga fez questão de acrescentar ao menu algo que faz parte da sua dieta diária: sucos detox e vitaminas de frutas com leite. ;Eu já preparava sucos com verduras e legumes muito antes de eles virarem moda.; Para ele, inclusive, esse é um dos motivos de sua jovialidade: aos 63 anos, o português esbanja energia.
A casa de Taguatinga faz parte de um projeto maior de Veiga. Ele e Lena pretendem, ainda este ano, abrir um restaurante em Águas Claras, onde proporcionarão uma verdadeira viagem gastronômica e sensorial a Portugal. ;Estamos à procura de um bom ponto.;
Ele considera o Entra e come um laboratório, onde iniciou os testes para o grande projeto Portugal & seus sabores. ;Tudo o que faço eu busco a perfeição. Tenho uma preocupação imensa não apenas com o sabor, mas também com a estética. Todos os meus pratos não podem ser apenas gostosos, mas também bonitos.; Veiga costuma dizer que conquista a clientela pelo sabor: ;É a síndrome da primeira mordida;, brinca.
E, por sorte, o caminho desse português se cruzou com o de Lena. Formada em letras, a mineira trabalhou por muitos anos como secretária-executiva de uma faculdade em Brasília, até embarcar para Portugal, ondem moravam amigos, e trabalhar em um restaurante. ;Lá, eu também atuava na área administrativa, mas me encantei pela gastronomia e aprendi muito com as cozinheiras da casa.; E arremata: ;Tenho um paladar muito bom;. O casamento perfeito.
Bacalhau à transmontana
Ingredientes
180g de lombo de bacalhau dessalgado
150g de grão-de-bico
2 batatas médias
1 ovo
Brócolis e cenoura
Azeite
Alho
Modo de fazer
Coloque o lombo já dessalgado para cozinhar em pouca água e um fio de azeite por sete minutos. Em seguida, grelhe o lombo em uma chapa quente com azeite e pedaços de alho por três minutos em cada lado, até dourar.
Leve as batatas ao forno, com um pouco de alho. Quando a casca estiver dourada, esmague as batatas e regue com azeite. É a famosa batata ao murro.
Cozinhe o grão-de-bico, com um pouco de sal, alho, cebola e bacon, na panela de pressão, por aproximadamente 30 minutos.
Cozinhe o brócolis e a cenoura por cerca de quatro minutos e retire para que mantenha as vitaminas e fique al dente.
Monte o prato com o bacalhau, o grão-de-bico, um ovo cozido, as batatas ao murro e os legumes. Se preferir, pode colocar também arroz branco. ;Em Portugal, não costumamos comer com arroz. Mas, como o brasileiro gosta tanto, pode acrescentar;, explica Arthur da Veiga.