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Mexer na terra melhora a saúde física e mental

Especialistas são unânimes em afirmar que o cultivo de plantas traz ganhos emocionais e até físicos

Giovanna Fischborn*, Silvana Sousa*
postado em 07/07/2019 09:30

Conheça a história de pessoas, como Nathalia Muguet, que não abrem mão de estar junto à natureza

Quando o assunto é natureza, vale pensar além do ar fresco, do sol, das árvores e das cachoeiras. Mexer na terra ; e, por que não, se sujar ; faz muito bem à saúde. Andar de pés descalços, semear com as próprias mãos, sentir o cheirinho da terra molhada, enfim, manter contato direto com o solo são pequenos gestos que proporcionam benefícios para o corpo e a mente. A jardinagem está aí para recarregar as vibrações.

;O solo é a nossa ligação direta com o planeta e com a vida;, acredita a engenheira agrônoma Cláudia Petry. Para ela, degustar produtos de cultivo próprio, utilizar elementos da terra na sua forma mais natural ; como a argila ; para construir cerâmicas e buscar na natureza soluções estéticas para o rosto e o corpo levam ao resgate das raízes cósmicas e ao sentimento de pertencimento.

Acredite ou não, os efeitos de tais atividades são considerados antidepressivos naturais. ;O contato com os elementos da natureza tanto aumenta a disposição como promove relaxamento. Desestressa. No momento em que mexe na terra, a pessoa está canalizando a atenção para algo que dá prazer;, explica a psicóloga Sâmia Simurro, vice-presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV).

Ela garante que são muitas as habilidades desenvolvidas e aperfeiçoadas a partir do contato com a terra. ;Além de melhorar o senso de responsabilidade com a vida, plantar é um trabalho de paciência, de esperar a germinação, o florescimento e, ainda assim, entender que nem sempre haverá sucesso ao cultivar o solo.;

Para a engenheira agrônoma Carmen Correia, o envolvimento na jardinagem valoriza o momento presente e incorpora o mindfulness ; a mente presente no agora. ;Há uma troca prazerosa. E há ainda a grande mágica que é a vida que brota da terra quando semeamos.;

Habilidades motoras e físicas também são fortalecidas com a prática. A delicadeza nas mãos, a apuração do olhar e do tato e a capacidade de planejamento ; como fazer, quanto usar, quando molhar, quando colher ; são apenas alguns dos benefícios. Conheça a história de pessoas que encontraram na terra um novo sentido para a vida.

Mudança de vida

;A terra é a nossa mãe. Carrega muito o poder do feminino;, resume Nathalia Muguet, 28 anos. Nascida e criada em Belo Horizonte, ela sentiu que precisava repensar o modo de vida que levava em uma cidade grande, considerada por ela insustentável. Decidiu, então, tornar-se agricultora. Para ela, a profissão mais importante de todas: ;Ela sustenta toda uma sociedade e o que se compreende das sociedades;, justifica.

Nathalia se mudou, então, para a área rural do Distrito Federal. Passou a tirar da terra não só um novo estilo de vida, mas o próprio sustento. O que é plantado no sítio colaborativo onde mora serve para consumo dos colaboradores e também é vendido em feirinhas orgânicas da cidade. Em contato com comunidades da agricultura familiar, aprendeu muito. ;Agricultor ganha pouco, mas essa profissão me proporciona saúde de verdade. A certeza de que o alimento que estou comendo e vendendo é totalmente natural e tem uma energia boa por trás é algo impagável;, aponta.

;Enxergo a terra como uma extensão do meu corpo;, resume. É no solo e nessa relação harmoniosa com a natureza que Nathalia tem ; além do que precisa para sobreviver e se alimentar ; o sustento emocional. Com jeito de quem respira o ar do campo e tudo o que ele oferece, orgulha-se do caminho que trilhou. Em meio à nova rotina, Nathalia também formou uma família. E é com o pequeno Iuri, de apenas 3 meses, que a agricultora familiar se abaixa e toca a terra, brinca com o filho, passeia pelo sol.

No Sítio Semente, onde vive, a jovem trabalha a agrofloresta, ou seja, os cultivos ocorrem em meio a árvores e à vegetação nativa. O solo sempre tem cobertura vegetal e nunca ocorre produção em monocultura. Segundo ela, essa é uma forma de preservar toda a cadeia de harmonização que a natureza já tem. ;Procuramos respeitar os elementos que nos são dados. Nosso espaço é ecológico, pois enxergo a terra e a natureza como uma extensão do meu corpo.;

Na estufa, Nathalia trata plantas medicinais, além de ervas e flores, que viram óleos essenciais e perfumes. Ela garante que o poder de cura é muito mais que físico. ;Trabalhar com a terra é o meu sustento emocional, porque, quando a gente procura uma forma de se curar dessas doenças que a sociedade enfrenta, muitas vezes, também estamos desconectados da nossa essência. E essas plantas medicinais, dentro da forma que a gente trabalha, respeitando a natureza e seu ciclo, têm um poder tão grande que só o contato já é uma forma de cura.;

Troca de energia

Especialistas são unânimes em afirmar que o cultivo de plantas traz ganhos emocionais e até físicos

A estudante Rafaela Borges, 17 anos, acredita que mexer com a terra e com a natureza é um caminho de conexão consigo mesma. ;Sempre encarei como uma terapia, uma forma de diminuir o estresse. É o momento que tenho para refletir sobre mim, minhas decisões e meus problemas. Mexer com a terra é o que me traz para dentro da minha relação como o meu eu;, reflete.

Apesar de ter aprendido algumas técnicas de jardinagem com amigos e familiares, Rafaela se considera uma autodidata ; a maioria dos conhecimentos veio de tentativa e erro. ;Tenho muito isso de colocar a cara para fazer. Fui pegando as plantas e testando o que funcionava com cada uma, um processo de intuição.;

Por acreditar que terra é um elemento de muitas energias, a estudante faz questão de manter a prática na rotina. ;Todo dia estou mexendo com plantas. A partir do momento que você se envolver com a complexidade de outros seres vivos, você também acaba admitindo suas complexidades.; E ela garante: a jardinagem não é apenas pelo gostar. ;É pela sensação de bem-estar, sentir minhas complexidades aflorando e se intensificando, me dando um tempo de conhecer melhor quem sou.;

Sem medo de se sujar

Especialistas são unânimes em afirmar que o cultivo de plantas traz ganhos emocionais e até físicos

Isabela Bittencourt, 47, é educadora ambiental há 24 anos. Em 1999, formou a Cia da Horta, que promove oficinas ao ar livre para crianças e ensina a mexer no solo e com as plantinhas. Com muito amor pelo que faz, tem pela terra um olhar emocionado. ;O que eu mais gosto é de poder sentir o cheiro e perceber a textura da terra, e me sujar mesmo. Sem nojo e sem medo.;

Respeitar e dar valor à terra são os maiores valores que Isabela passa para os alunos. ;Evito usar luvas! O interessante é enxergar que esse contato, tão importante, envolve os cinco sentidos.; Ela conta que muitas crianças ficam receosas no início, mas logo já se acostumam e querem pegar, brincar e se sujar.

Quando sai um pouco da rotina, o contato diário com as plantinhas já começa a fazer falta. Isabela conta que, no período de férias, logo arranja um vaso de alguém para reformar, procura um parente que possa ajudar na jardinagem. ;É maravilhoso ver como a terra se transforma com o cuidado certo;, acredita.

O retorno que a educadora recebe dos pais é sempre muito positivo. O contato com a terra proporciona um aprendizado lúdico e leva muitos dos alunos a explorarem novos hábitos alimentares, em especial verdinhos, que antes não experimentariam. É a educação alimentar na prática.

Alface, cenoura, tomate, rúcula e até as Pancs (plantas alimentícias não convencionais) têm espaço nas hortas que Isabela cria com os pequenos. Os ganhos para o futuro dos alunos são enormes. ;Se a criança não tem vivência com a natureza, plantas e animais, certamente não será um adulto que protegerá nosso planeta;, acredita.

Com uma experiência vasta como educadora ambiental, ela já contemplou história emocionantes. ;Uma pedagoga amiga minha passou por um câncer. Depois disso, abriu mão da vida em sala de aula para trabalhar na horta comigo. Isso por amor às plantas;, conta. Para Isabela, essa é uma das possibilidades que a terra oferece de criar conexões com os ciclos do ambiente e com a teia da vida.

Plantando as diferenças

Os alunos especiais e professores do Centro de Ensino Fundamental 1 do Cruzeiro comem o que plantam

No Centro de Ensino Fundamental 1 do Cruzeiro, o que antes era um lixão, nos fundos da escola, virou uma horta destinada a crianças especiais. Participam do projeto Plantando as Diferenças estudantes com síndrome de Down, autismo e atraso intelectual, na faixa dos 15 aos 22 anos.

A iniciativa tem o propósito de fazer esses jovens socializarem, desenvolverem a coordenação motora, além de terem contato com a natureza e o entendimento do que é uma alimentação saudável, como explica a coordenadora do colégio, Thaís Lírio. Na horta escolar, todas as manhãs, os jovens cultivam frutas, hortaliças e ervas.

No período da tarde, eles levam o que colheram para a cozinha experimental e colocam a mão na massa. Os jovens preparam o próprio café da manhã: tem banana, mamão, chá feito das ervas cultivadas, cana-de-açúcar, bolos de casca de banana, de abacaxi e de mandioca, tudo produzido com produtos da hortinha orgânica que cuidam.

É um caminho de limitações, mas também de grandes conquistas. Com o auxílio da professora Silvanira de Araújo e dos educadores sociais voluntários do projeto, Alexandre Daher, Angélica Frota e Sandra Alves, os estudantes do ensino especial também usam da experiência de mexer na terra para se prepararem para o mercado de trabalho.

Aquilo que é cultivado é, posteriormente, vendido. Quase toda semana, a turma monta uma vendinha nos arredores da escola e até no posto de saúde do Cruzeiro, que fica pertinho do colégio. O dinheiro arrecadado serve para complementar a renda da turma com investimentos na educação, passeios e projetos orientados a jovens nessas condições.

A dedicação à terra já rendeu até prêmio. A turma do ensino especial ficou em primeiro lugar na etapa regional do concurso Diálogos com a Ciência, de 2018.

Inspire-se!

Os paisagistas João Jadão e Catê Poli dão dicas para quem deseja montar uma área verde em casa e se beneficiar do manuseio com a terra, dos alimentos fresquinhos e da alegria das folhagens e flores. Confira:

Onde plantar?

A falta de quintal não é desculpa para não se ter uma horta em casa ou apostar em uma composição completa de folhagens, espécies tropicais, arbustos e árvores. Segundo os paisagistas, a plantação pode ser feita em qualquer cantinho, desde que tenha uma boa iluminação natural.
Na hora de plantar, os vasos precisam ter, no mínimo, 30cm x 30cm. ;Os vasos pequenos não têm terra, nutrientes nem umidade suficientes e, por isso, não duram muito;, explicam. Diferentemente de ervas e plantinhas menores, os arbustos, a exemplo do hibisco, requerem vasos maiores. Já árvores de grande porte ficam melhor em canteiros com bastante espaço disponível. Assim, as raízes se acomodam melhor.

O que plantar?
Temperos como manjericão, alecrim, sálvia, capim-limão, orégano e tomilho são uma boa opção para quem deseja iniciar uma horta. Já legumes e hortaliças são de difícil cultivo.
No caso do manjericão, por exemplo, é possível plantar a semente ou pegar ramos de plantas adultas, sendo ideal plantá-lo em temperaturas quentes. ;A irrigação deve ser feita todos os dias para que o solo esteja sempre úmido, e as folhas podem ser colhidas em cerca de dois meses;, indica Cauê.
Quem deseja cultivar plantas e é iniciante pode apostar em cactos e suculentas ; tipos resistentes e que se adaptam bem em vasinhos e espaços menores de cultivo, apesar de exigirem bastante luz natural. Outra escolha pode ser o lírio-da-paz, muito usado na decoração de ambientes internos e que se adéqua bem a vasos.
As begônias e as violetas são boas opções de flores para se cultivar em casa e dar vida ao ambiente. Além de charmosas e coloridas, são espécies práticas e que exigem cuidados simples.

Outros cuidados

Para que o plantio e a colheita sejam satisfatórios, os paisagistas alertam que a terra deve estar bem adubada. ;A terra precisa estar solta e não pode ser argilosa ou arenosa para que as plantas nasçam bonitas e bem desenvolvidas;, explica João.
Além disso, o tempo de colher depende de cada espécie, mas não se esqueça de regar e afofar. Folhas que estiverem com aspecto de mofo, amareladas ou com pontinhos escuros, precisam ser podadas e cortadas. Se houver um problema persistente, vale usar defensivos naturais para tratar e evitar pragas.


*Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte

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