Revista

O mundo novo

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 14/07/2019 04:31

Faz tempo que o ser humano ficou obsoleto; não se precisa do bicho homem para muita coisa mais e quase tudo pode ser resolvido por máquinas, numa escalada só prevista pela literatura de Philip K. Dick e outros bambas da ficção científica. Mas vai piorar, diz o pessoal ligado em alta tecnologia.

O novo mundo está começando pela Coreia do Sul, primeiro país a explorar as novas facilidades oferecidas pela tal banda 5G de telefonia. Ainda é apenas um arranhão na redoma da sociedade, uma vez que a chamada internet das coisas, que interliga funções de aparelhos diversos e abusa da inteligência artificial, está só começando, mas já deixa o mundo robótico previsto por Isaac Asimov no chinelo.

O importante é que o 5G já está mudando a cultura do povo. Os coreanos estão trocando o karaokê, uma espécie de preferência nacional, por jogos eletrônicos interativos que já estão disponíveis nos espaços iluminados pela nova rede. É como se os brasileiros deixassem de ir ao boteco para conversar fiado para ficar o tempo todo no celular.

Mas, como aqui estamos sempre à frente da tecnologia, é o que já acontece com frequência cada vez mais assustadora. Amigos se encontram para falar da semana, mas há sempre quem substitua a resenha para mergulhar nas redes sociais do celular; baixa a cabeça, estica o indicador e se isola do ambiente, teclando. É um comportamento estranho: deixar de falar com quem está perto para papear com quem está longe.

É mais ou menos como aquela atendente que pede um minutinho para falar com quem está ao telefone, que ganha preferência sobre quem está na frente dela.

A única coisa boa que pode advir dessa automação total é a extinção do karaokê. No Brasil, já andam fora de moda, e o desfile dos desafinados diminuiu bem, mas já houve tempos de glória, quando Ivon Cury ; aquele cantor do ;oi tava na peneira, oi tava peneirando; ; chegou a se mudar para Brasília para administrar o Canja.

Antes, havia um karaokê no Núcleo Bandeirante, mais para atender à colônia japonesa que ainda vivia nas cercanias ; isso antes de Vicente Pires se transformar no pesadelo urbanístico de hoje ;, mas que atraía uma grande clientela de todos os cantos da cidade. Mas o Canja, no Setor Hoteleiro Norte, foi que consolidou a onda.

Os karaokês persistem em Brasília, caso do Yes, na Asa Norte, e do Querosene, em Águas Claras. Mas não têm o mesmo charme do Canja, onde a bebida descontraía e os artistas apareciam, tropicando no pequeno palco ou nas letras das canções projetadas à frente.

O estabelecimento chamava todo tipo de cantor; uns pouco talentosos, outros menos ainda, todos querendo espantar os males com seu canto. Mas era um ambiente de amigos, descontraído, e, vez por outra, ainda se esbarrava com Ivon Cury ajeitando sua peruca no banheiro. E havia uma salutar competição de dom artístico, mas, pensando bem, desde esse tempo a automação intervinha no karaokê: quem dava a nota para os humanos era a máquina.

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