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Mães unidas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 21/07/2019 04:10
Um grupo de apoio no Facebook ajudou Michelle Cunha, 37,  a lidar com o diagnóstico de puberdade precoce da filha, Gabriela

Se tem um sentimento comum aos pais e às mães de crianças com puberdade precoce seria o desespero inicial ao receber o diagnóstico. Foi assim que Michelle Cunha, 37, administradora, ficou quando aconteceu com a filha, Gabriela. Ela nem sabia que isso existia. Notou o aparecimento do broto mamário de um lado dos seios da filha de 7 anos, agora com Michele aos 11, resolveu levá-la ao médico. ;Fui pega de surpresa, fiquei apavorada, procurei três médicos;, relembra.

Pesquisou muito e, além de informações valiosas, acabou encontrando uma rede de apoio: um grupo no Facebook só de mães que passavam pela mesma situação. De tão ativa, logo a fundadora a incluiu como moderadora. Chamado de Puberdade Precoce ; Brasil, o grupo serve, especialmente, para dividir informações e tranquilizar mães (homens são vetados) sobre diagnóstico e tratamento.

Um dos momentos em que o grupo foi importante para Michelle aconteceu quando ela e a família não conseguiram a medicação na farmácia de alto custo, pois estava em falta havia meses. ;Compramos as primeiras injeções, até que, no grupo, me disseram que eu poderia ser reembolsada pelo governo. Entrei na Justiça e eles me pagaram o valor;, relembra. Agora, Michelle consegue retirar o remédio diretamente com o governo.

Desde que começou o tratamento, há 4 anos, a filha de Michelle passou de 1,29 m para 1,45 m. As duas estão esgotadas com a frequência das injeções, mas seguem firme. Devem parar quando as idades cronológica e óssea da menina estiverem iguais.

A puberdade

Quando o corpo da criança está pronto para iniciar a puberdade, uma parte do cérebro chamada de hipotálamo libera um hormônio chamado de hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH).

Este hormônio faz com que a hipófise (uma pequena glândula na base do cérebro) libere dois outros hormônios: o Hormônio Luteinizante (LH) e o Hormônio Folículo Estimulante (FSH).

O LH e o FSH estimulam os ovários e os testículos a produzirem, principalmente, estrogênio nas meninas e testosterona nos meninos ; hormônios responsáveis pelas alterações que vivenciamos durante a puberdade.

No caso da puberdade precoce, se a desregulação for no eixo hipotálamo-hipófise, diz-se que a puberdade é central e, se estiver associada com os ovários e testículos, diz-se que a puberdade é periférica.

Disruptores endócrinos

Há um grupo de substâncias presentes em produtos industrializados, cosméticos, agrotóxicos e outros que são chamados de disruptores endócrinos (ou desreguladores endócrinos). São substâncias e compostos químicos que interferem em glândulas como pâncreas, tireoide, hipófise, suprarrenais, ovários e testículos.

O tema é tão importante que tanto a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) quanto a Sociedade Americana de Endocrinologia têm departamentos que tratam só disso. Segundo Tania Pacheco, membro da Comissão de Desreguladores Endócrinos da SBEM, há evidências de síndrome metabólica por conta dessas substâncias.

Entre os diversos efeitos desses desreguladores, um dele é justamente a puberdade precoce. No ano passado, pesquisadores da Universidade São Paulo (USP) descobriram altas taxas de diferentes desreguladores na urina de 300 crianças de cinco regiões do Brasil. Segundo a OMS, existem cerca de 800 compostos químicos suspeitos de interferir no sistema hormonal e ;apenas uma pequena fração; dessas substâncias foi investigada. A organização diz que a falta de dados traz ;incertezas sobre a extensão dos riscos;.

É importante sempre checar os rótulos do que se compra e, se possível, evitar algum dos disruptores endócrinos a seguir:
  • Tributilina: usada como fungicida e encontrada também na poeira doméstica. Mesmo em quantidades bem pequenas é capaz de reduzir a quantidade de massa muscular e aumentar a quantidade de tecido adiposo em animais.
  • Bisfenol A (BPA): encontrado frequentemente na composição de plásticos de uso doméstico (recipientes e copos plásticos, etc). Atua de forma semelhante ao estrogênio (principal hormônio feminino). Seu uso já foi proibido nos EUA e no Brasil também
  • Retardador de chamas: diversos compostos usados para retardar ou impedir a combustão/aquecimento. Amplamente empregados em eletroeletrônicos, materiais de construção e até mesmo na mobília de nossos lares. Estudos associam a exposição precoce a esses desreguladores endócrinos ao desenvolvimento de obesidade, ao baixo peso ao nascer e às alterações na função tireoideana.
  • Ptalatos: uso para conferir flexibilidade a produtos de plástico e também como carreadores de odor em cosméticos e produtos de higiene pessoal. A substância tem uma relação relativamente comprovada com a obesidade.
  • Arsênico: além de poder interferir no funcionamento normal dos hormônios que regulam como nosso corpo processa açúcares e carboidratos, pode causar câncer de pele, de bexiga e de pulmão.
  • Mercúrio: conhecido por se ligar diretamente a um hormônio que regula os ciclos menstrual e de ovulação da mulher, muito frutos do mar estão contaminados por ele. É especialmente ruim para mulheres grávidas, pois o metal é conhecido por se concentrar no cérebro fetal.
  • Chumbo: em animais em que o chumbo foi encontrado, notou-se a diminuição dos hormônios sexuais. Além disso, pesquisa mostrou que o metal desregula a sinalização hormonal do sistema de estresse do organismo.

Depoimento

;Tudo começou em janeiro de 2018, quando minha filha tinha 8 anos e 4 meses e os brotos mamários apareceram, além de pelinhos genitais, cravinhos no rosto e a irritabilidade dela era demais. Marquei com o pediatra, que pediu todos os exames, pois logo desconfiou que poderia ser puberdade precoce. Vieram os exames e ele logo me encaminhou para o endocrinologista, pois os hormônios estavam superalterados. O diagnóstico do endocrinologista foi de ;hiperplasia adrenal congênita; (a glândula suprarrenal não produz cortisol suficiente para que os hormônios fiquem normais) e isso ocasionou a puberdade precoce. Fizemos novamente os exames, raio-x do punho e a idade óssea estava em 11 anos, o útero superaumentado e a qualquer hora minha filha poderia menstruar. Chorei uma semana toda, mas pedi a Deus uma direção. Minha filha não tinha maturidade física e nem psicológica para menstruar aos 8 anos. Fui em três endocrinologistas e todos me deram o mesmo diagnóstico. Resolvemos iniciar o tratamento e hoje faz um ano e um mês. Ela está ótima. Ainda sofro nos dias da injeção, mas sei que esse tratamento será o melhor para minha filha;.

Camila Queiroz, 34, auxiliar de operações


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