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Perfeição na medida

Mesmo com a cultura do fast fashion, a arte da alfaiataria atravessa séculos de atuação e se reinventa nos dias de hoje

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 28/07/2019 04:10
Gilson, Nicson, Jean e João há três gerações seguem o ofício de alfaiate: paixão pelo que fazem

Em tempos de produção industrial e expansão do fast fashion ; padrão que preza pela rapidez de consumo e pelo descarte quase imediato ;, ter uma peça personalizada, com qualidade superior e acabamento especializado é a definição do luxo. O artesanal dialoga com os pilares da alta-costura e promove qualificação e excelência nas peças produzidas sob medida ; características primordiais da produção dos alfaiates.

Quando o assunto é moda, deve-se muito aos profissionais do ramo. E há quem diga que os especialistas da área estão em extinção. No entanto, ainda existem por todos os cantos do país ; e do mundo ; profissionais que trazem o que há de melhor da alfaiataria personalizada ao consumidor.

Para Fernando Demarchi, professor, editor de moda e consultor de imagem, é possível manter uma visão otimista com o futuro da profissão: ;Eu penso que ela será ressignificada. A busca pela excelência está intrínseca no DNA humano, e um terno ou costume com excelente corte e acabamento sempre fascinará o olhar masculino, no âmbito de estar elegante na sociedade e despertar admiração em todos à sua volta;.

O especialista pondera, então, que o ofício pode encontrar novas formas de se estabelecer na era da instantaneidade e da informação, mas não será substituída. ;A profissão sobrevive há séculos, pois em cada um de nós existe o desejo de exclusividade, de pertencimento. Sendo assim, ter alguém que faça suas peças é, ainda hoje, um ;luxo;, e que o distingue da massa;, reflete.

Com a experiência, os alfaiates têm um olhar peculiar e treinado para compreender as proporções do corpo humano, garantindo, assim, um sucesso ainda maior com a confecção das peças. A sustentabilidade também é uma pauta desses artesãos, pois um terno bem-feito e de qualidade tem uma vida útil bem maior. Conheça a história de alguns desses profissionais, que exercem o ofício há décadas.

*Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte

"Por meio do meu trabalho, pude conhecer de perto deputados, desembargadores, pessoas influentes da mídia e, mais recentemente, tive o prazer de ser o alfaiate que realizou os ajustes dos ternos da seleção de futebol dos Estados Unidos, durante a Copa de 2014"
Gilson Vaz Monteiro, alfaiate

De geração em geração

Com o tradicionalismo que caracteriza a profissão, o ofício de alfaiate costuma ser ensinado primeiramente por algum membro da família, seja o pai, seja o tio, seja um irmão. E, antes mesmo de colocar a mão na massa, há um período de muita observação e aprendizado com os veteranos.

Foi assim que, aos 14 anos, o goiano Gilson Vaz Monteiro, hoje com 60, iniciou a trajetória como alfaiate. O primeiro contato foi observando o pai. Depois, ele começou a se arriscar com pequenos ajustes em calças e camisas. Pela facilidade de aprender, não demorou até que estivesse voando solo e confeccionando os primeiros ternos. Aos 16, Gilson já era dono do próprio estabelecimento.

Ao longo de quatro décadas, trabalhou em diversas alfaiatarias de Brasília, colecionando nomes importantes da política em seu portfólio de clientes, como o ex-presidente Fernando Collor de Melo. ;Por meio do meu trabalho, pude conhecer de perto deputados, desembargadores, pessoas influentes da mídia e, mais recentemente, tive o prazer de ser o alfaiate que realizou os ajustes dos ternos da seleção de futebol dos Estados Unidos, durante a Copa de 2014;, orgulha-se.

Com tanta habilidade e dedicação à profissão, ainda no início da carreira, Gilson acabou influenciando os irmãos João Vaz Monteiro, 60, e Nicson Vaz Monteiro, 47, a compartilhar com ele o trabalho no ateliê. O gosto pela coisa já estava no sangue ; foi herdado do pai e da mãe, ambos profissionais no ramo. E a influência não parou por aí. O talento para a alfaiataria alcançou, também, Jean Alves Rabelo, 43, filho de Gilson.

O segredo para o sucesso da família? A busca incessante por atualização e aperfeiçoamento. ;Acima de qualquer dom ou vocação, é necessário ter amor pelo que se faz. É a chave para o sucesso;, afirma João.

Não há dúvidas do privilégio que é poder trabalhar cercado da família. Mas, para se organizar, cada um tem os clientes, a agenda e as funções preestabelecidos dentro da alfaiataria. Sem dúvidas, um trabalho em equipe. ;Eu conquistei tudo o que queria por meio da minha profissão: a minha casa, o meu carro e a estabilidade financeira. Se você estiver disposto a aprender, é possível viver bem e ter sucesso como alfaiate;, destaca Gilson.

O gerente administrativo Aldo Ribeiro, 53, é cliente do ateliê dos irmãos Vaz Monteiro há mais de 10 anos. Um dos serviços a que mais recorre é o de ajustes em calças e camisas para o trabalho e eventos sociais. ;Acho importante repaginar as peças que você já tem em casa e dar uma cara nova. Os alfaiates do ateliê prezam pela inovação e estão sempre estudando e trazendo novas referências para os clientes;, conta.

Atualização constante

Para Maísa de Oliveira Abranches, professora coordenadora do curso design de moda do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), o segredo para garantir espaço no mercado de trabalho é estar sempre se atualizando. Ainda que seja uma área tradicional, como a alfaiataria, nascem inovações tecnológicas todos os dias. ;Um profissional estagnado, que se limita às paredes do ateliê, tem grandes chances de ser deixado para trás;, pondera a especialista.

A professora considera que algumas atitudes, como fazer cursos de atualização, estar ligado às tendências de mercado ; especialmente para conquistar o público mais jovem ; e saber aproveitar as facilidades que a tecnologia tem a oferecer sem perder o zelo e o requinte da produção artesanal, podem garantir que o alfaiate consiga se manter no futuro.

;A profissão não está acabando. Muito pelo contrário. Ela pede atualização. E a nova era da informação, o que chamamos de indústria 4.0, facilita ainda mais a produção dos alfaiates, para que possam se dedicar ao perfeccionismo que o trabalho exige;, reitera Maísa.

Ser um profissional versátil e antenado é muito do que o mercado demanda. Além disso, o público deixou de ser exclusivamente masculino. As mulheres também estão valorizando a beleza de uma boa alfaiataria. Estar ciente dessas atualizações e novas demandas de mercado é um ótimo passo rumo à preservação ; e ao crescimento ; da profissão.


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