postado em 04/08/2019 04:10
Não faltam cursos sobre como educar crianças, lidar melhor com birras, colocar limites com carinho, montar lancheiras saudáveis... Infelizmente, esses espaços são ocupados, principalmente, por mães. Não que os pais não tenham interesse em aprender e melhorar. Mas a situação é relativamente nova para a maioria. Para o educador parental Marlon Machado, eles ainda encontram pelo menos dois empecilhos: ;Os pais não conversam sobre (a criação dos filhos), não é assunto para eles, como as mães fazem. Além disso, os ambientes que falam sobre tais temas ainda são muito maternos;.
Desde a gestação, tudo é voltado para a mulher, e eles funcionam apenas como uma espécie de apoio. Mesmo precisando de apoio. ;Os pais também sentem medo, ansiedade;, afirma Machado. Por isso, muitos estão procurando espaços em que possam compartilhar sentimentos e aprender ferramentas para lidar melhor com os filhos e com o padrão mais moderno de paternidade.
Franco Gonçalves, constelador familiar e facilitador de um grupo terapêutico só para homens, explica que uma das maiores inquietações dos pais é saber lidar com a divisão de papéis dentro da família. ;Uma das questões mais delicadas é a mudança de contexto: essa pressão social e cultural para o homem não ser mais só provedor, mas também responsável pela educação, pelos exemplos e pelo cuidado emocional com os filhos. E eles pensam: eu venho de uma família tradicional e não sei fazer diferente;, descreve Gonçalves.
Nos grupos, os homens criam um espaço de segurança para falar sobre o universo masculino, suas fragilidades, dúvidas, problemas de relacionamento e, claro, paternidade. Para o psicólogo Alexandre Coimbra, ela é um dos eixos principais na construção de uma nova masculinidade. ;Hoje, tem um grupo de pais que não quer só comida. Quer comida, diversão e arte. Ou seja, não querem só ser provedores, querem participar da vida dos filhos. Infelizmente, ainda é minoritário, porque a maior parte dos pais ainda não se conecta o suficiente. Mas está havendo uma transformação;, garante.
Para Coimbra, uma das grandes contradições é que a única emoção permitida ao homem é a raiva, que gera uma porta aberta para comportamentos violentos. E eles são ensinados a reprimir todos os sentimentos que são constituídos como femininos, como expressar afetos positivos, falar que ama, que gosta, expressar tristeza. Mas quando têm filho, as coisas mudam. Eles querem demonstrar carinho, mas nem sempre conseguem.
;Isso tudo faz a biografia do homem ser uma trajetória de dor contida. Muitos pais de primeira viagem contam que dizem ;eu te amo; para os filhos, mas não dizem para os pais. E, com terapia, acabam conseguindo transformar também o relacionamento com os pais;, relata.
Outro relato frequente, de acordo com o psicólogo, é de homens que foram pais adolescentes, tiveram relação distante com o filho e, agora, com 30 anos, voltam a ser pai e procuram o filho que já está grande para fazer uma reparação afetiva, refazer a própria história. ;Muitos chegam arrependidos por não terem sido quem queriam com a mãe, com os filhos, com a companheira.;
"Estava pronto para seguir os padrões, e isso fez com que eu deixasse muito a cargo da minha esposa. Tive a sorte e a felicidade de perceber isso rápido, mas acredito que nunca é tarde para mudar o rumo da paternidade"
Carlos Augusto Monteiro, advogado
Ônus e muitos bônus
Carlos Augusto Monteiro, 42 anos, advogado, já repetiu muitos modelos antigos de educação. Pai de Laura, 5, e de Alice, 3, ele conta que, quando a primeira nasceu, não tinha muita noção do seu papel de pai. ;Estava pronto para seguir os padrões, e isso fez com que eu deixasse muito a cargo da minha esposa. Tive a sorte e a felicidade de perceber isso rápido, mas acredito que nunca é tarde para mudar o rumo da paternidade.;
Por incentivo da mulher, procurou conhecer a disciplina positiva, que, segundo a especialista em parentalidade positiva e educadora parental Ingrid Mello, é uma forma de educar os filhos com amor e respeito, sem violência, buscando não bater, não colocar de castigo. ;É colocar limite de forma respeitosa, para que a criança realmente aprenda com o erro. Ela pensa: não vou subir ali não porque vou apanhar do meu pai, mas porque eu posso cair e me machucar. Dessa forma, continua no caminho certo, mesmo sem a mãe ou o pai por perto para punir;, explica.
Depois, Carlos começou a fazer terapia. Queria discutir vários aspectos da vida dele, inclusive a paternidade. A partir daí, passou também a frequentar um grupo terapêutico só de homens. ;O grupo me fez refletir sobre coisas que até então nunca havia pensado e que tem colaborado muito para a forma como olho para minhas filhas. Ele me fez analisar, por exemplo, questões importantes que refletem na criação das minhas filhas. No machismo estrutural, que deságua na violência, no abuso e no feminicídio. A verdade é que as gerações vêm repetindo padrões sem refletir sobre as consequências disso.;
Para o advogado, a falta de conhecimento dos pais do passado fazia com que eles lidassem com as crianças de forma diferente. E Carlos admite que, se não tivesse conhecido a disciplina positiva, feito terapia e participado do grupo, ele provavelmente repetiria padrões equivocados do passado. ;A diferença é o tratamento dado à criança. A geração passada não levava em consideração os sentimentos delas. Criança não podia chorar, birra era encarada como provocação pessoal e por aí vai. Impor respeito pelo medo, pelo temor ao pai. Não é raro ouvirmos alguém dizer com orgulho que era temido pelo filho. Eu não quero que minhas filhas tenham medo de mim, mas, sim, carinho;, conta.
Carlos sempre quis ser pai de menina ; apenas por um desejo pessoal, não porque daria qualquer tipo de tratamento diferente a elas. ;Acho que essa ideia de tratar menino diferente de menina é a raiz do machismo. Criança tem que ser tratada como criança;, opina. Com elas, ele brinca de tudo que quiserem: casinha, bola, pega-pega, boneca. Só evita os eletrônicos.
Ser um pai mais participativo aumentou não só o vínculo dele com as filhas, mas também com a mulher. O diálogo ficou ainda mais aberto: ;Conversamos sobre os erros e acertos que cometemos com elas, debatemos como deveríamos ter procedido em um determinado episódio;. É também um esforço contínuo. ;Acompanhar de perto a evolução delas aumenta nossa conexão, o que sem dúvida é o grande bônus. O carinho que se recebe de volta é impagável. É cansativo, mas é aquele cansaço que vale a pena, que me torna uma pessoa melhor;, garante Carlos.