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A escolha da paternidade

Nesta data especial, conheça a história de pais que decidiram adotar os filhos e criar uma família cheia de amor e afeto

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 11/08/2019 04:09
Ricardo Trevisan (de barba) e Jair Gonçalves com as filhas Ranara e Raira
A adoção é um ato de amor incondicional. É sobre ajudar a reescrever a história de uma pessoa, sem apagar as raízes e o passado dela. Mais do que isso. Escolher se tornar um pai de coração é acreditar que a vocação para a paternidade vai além de rótulos e terminologias.

Seja junto, seja separado, a missão da paternidade exige disposição, paciência, resiliência e, claro, muito amor. ;O melhor pai é quem estabelece uma boa relação com o filho. E, apesar das dificuldades, não tem medo de expor suas vulnerabilidades, de ser verdadeiro;, afirma a psicóloga Maria da Penha Oliveira da Silva, do Instituto Aconchego.

O papel da família é essencial para compreender e validar os dilemas e os sentimentos do filho. Sem contar a maturidade necessária para guiar e educar uma criança. ;O apoio da família será essencial para escrever os passos dela de agora em diante, para que seja uma relação autêntica;, observa a professora Miriam Pondaag, doutora em psicologia e professora do Centro Universitário Iesb.

Neste Dia dos Pais, a Revista convida o leitor a conhecer a história de alguns homens que encontraram na adoção o caminho para realização do sonho da paternidade.

*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

Pais que nascem da alma

Pai Jair e pai Ricardo. É assim que as irmãs Ranara Gonçalves Trevisan, 8 anos, e Raira Gonçalves Trevisan, 6, diferenciam os dois pais, o professor universitário Ricardo Trevisan, 43, e o aposentado e estudante Jair Gonçalves, 49. Amorosas, enquanto posam para as fotos, não perdem a oportunidade de encher os pais de beijos ou apenas de segurar suas mãos com olhares de ternura. ;Sem sombra de dúvidas, receber um carinho delas é uma das melhores coisas sobre ser pai;, diz Ricardo.

Jair e Ricardo não fazem questão de presentes ou homenagens neste Dia dos Pais ; apenas de estar com as filhas. Mas Ranara e Raira têm outros planos e querem aproveitar a data para mostrar a alegria que sentem com a família que ganharam há cerca de dois anos. Elas preparam uma surpresa. ;A gente quer fazer uma festa, com bolo e muitos docinhos;, entrega Ranara. E a irmã completa com um sorriso no rosto: ;E muitos brigadeiros;.

A paternidade sempre fez parte do imaginário de Ricardo. Porém, durante a descoberta da orientação sexual, o sonho acabou adormecido. ;Romper com os preconceitos sociais e familiares e me assumir perante eles já me pareceu um desafio e tanto. A ideia de formar uma família ficou escondida em algum canto;, lembra. Jair, apesar de nunca ter se imaginado pai, sempre teve ligação forte com crianças, e a adoção despertou sua atenção.

Realizado profissionalmente, Ricardo sentiu que faltava algo em sua vida. Em 2014, surgiu a ideia de adotar uma criança. Ele estava solteiro e encontrou apoio na família, que incentivou o processo. O professor passaria um ano morando fora, e o período seria de amadurecimento e preparação para o desafio.

No meio do caminho, conheceu Jair. Os dois começaram a namorar a distância e, ciente do processo, Jair topou participar da formação da nova família. ;Percebi rapidamente que ele seria um grande pai;, elogia Ricardo.

O casal nunca considerou alternativas além da adoção. ;Meu entendimento da complexidade e das mazelas sociais do nosso país deixou claro que o caminho a ser seguido seria abraçar e aconchegar uma criança de um abrigo;, diz Ricardo. Jair completa: ;Nunca achei que filho fosse somente consanguíneo. Hoje tenho certeza disso;.

Segundo o casal, o maior desafio é ter pequenos seres que dependem de você, e contribuir para a formação do caráter das crianças. Mas, para eles, ser pai compensa todas as dificuldades que a paternidade pode trazer. ;Só sou pai porque elas existem. Só sou pai porque nelas me reconheço. Só sou pai porque o Jair está ao meu lado. Só sou pai porque, com elas, planejo o meu, ou melhor, o nosso futuro. Só sou pai porque deixarei na memória de ambas a imagem de um pai;, declara-se Ricardo.

Jair também não perde a oportunidade de declarar o amor pela família: ;Ser pai é algo maior que apenas questões biológicas. É um encontro de almas, as meninas não são sangue do meu sangue, mas são alma da minha alma;.


Amor que nem a distância separa

A paternidade é transformadora. As prioridades são reajustadas, as horas ao lado do filho se tornam preciosas e os desafios contribuem para o amadurecimento. O professor e administrador Jefferson Alcântara, 45, resume o que é ser pai em uma palavra: empatia. O administrador e a ex-mulher sonhavam em ser pais, mas devido à retirada do útero dela, a adoção passou a ser a única opção.

A espera pelo filho levou três anos. E a forma como William veio ao mundo já provava que ele seria um vencedor: o menino foi deixado em uma caixa de sapatos com poucos dias de vida. Após ser encontrado pelos bombeiros na cidade de Uberaba, onde Jefferson morava, foi levado ao lar de adoção.

;Recebemos uma ligação do orfanato dizendo que haviam encontrado esse menininho e nos perguntaram se queríamos conhecê-lo. Agendamos a entrevista, e fomos. Quando o vimos, sabíamos que era pra ser ele. É engraçado porque foi um sentimento instantâneo: eu olhei e soube;, conta.

Ao contrário da maioria dos pais que têm tempo para decorar o quarto do bebê e se preparar financeira e emocionalmente, o casal teve o prazo de uma semana para organizar a vida e o enxoval para a chegada de William. Jefferson define: ;Um dia, acordei sendo apenas eu, e dormi sendo pai;.

Com as novas responsabilidades e o amor incondicional, os pais tiveram de encarar uma notícia desafiadora, William tinha uma isquemia do lado esquerdo do cérebro, o que dificultaria o processo motor, a fala, a aprendizagem, e poderia contribuir para que ele tivesse autismo. ;Eu tinha acabado de perder o emprego e ainda estava na faculdade. O baque foi muito grande, mas foi nesse momento que mais cresci como pessoa e percebi que ser pai é se doar e se preocupar com a vida do filho antes da sua;, conta.

Após um ano desempregado, Jefferson conseguiu um novo trabalho e começou a investir no que podia para a melhora do filho. William fazia fisioterapia, foi colocado em uma escola especial e realizava atividades que ajudavam a desenvolver as habilidades de fala e relacionamento. Para a alegria dos pais, o menino, pouco a pouco, apresentou melhoras.

A separação do casal aconteceu quando William estava com sete anos. Foi um período difícil, por conta da mudança de Jefferson para Brasília, e William não entendia muito bem o que estava acontecendo. ;Meu coração partia todas as vezes que ia visitá-lo e ele pedia para ficar.;

Para driblar a saudade e os 148km de distância entre Brasília e Anápolis, onde o filho reside com a mãe, Jefferson aproveita os fins de semana para estar com ele, viajar, jogar, e usa as redes sociais para manter o diálogo sempre em dia. ;Mesmo ele tendo uma percepção diferente, busco reforçar que ele faz parte da minha vida. E, por mais que hoje eu tenha uma nova esposa e filha, ele continua sendo o meu filho e nada mudou entre nós.;


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