postado em 18/08/2019 04:16
A sociedade está em constante mudança, e a televisão acompanha tudo de perto ; mesmo que, algumas vezes, com uma velocidade menor do que a esperada. A inclusão dos transexuais em novelas e séries em papéis não marginalizados é um desses avanços. Ainda mais se interpretados por atores e atrizes trans, como pode ser visto nas novelas A dona do pedaço e Bom Sucesso, ambas na Globo, e nas séries Euphoria, da HBO, e Toda forma de amor, do Canal Brasil.
A brasiliense Gabrielle Joie tem motivo de sobra para comemorar. Ela dribla o preconceito e estrela Toda forma de amor, como Marcela. Na série, a atriz bombou na internet com uma polêmica cena de sexo ao lado de Rômulo Arantes Neto, Daniel, que vive um dos donos da boate Trans World, um dos principais cenários da minissérie, do Canal Brasil. A produção tem pitadas policiais, com o assassinato de vários trans em São Paulo, e traz discussões por meio de um grupo de terapia LGBTQI.
Em Bom Sucesso, novela das 19h da Globo, Gabrielle vive Michelle, uma das melhores amigas de Gabriela (Giovanna Coimbra), filha da protagonista Paloma (Grazi Massafera). Desta vez, o tom da personagem da atriz brasiliense é bem mais leve, o que não significa que questões importantes e polêmicas não serão levantadas. A escola é um dos cenários em que ela mais aparece e foi lá, por exemplo, que Michelle já teve que lutar para usar o banheiro feminino e enfrentou hostilidade na aula de educação física. Com personalidade forte, Michelle mostrou, em menos de um mês de novela, que conhece bem os direitos dela.
;O tema será tratado de forma mais lúdica. Como uma adolescente comum, com personalidade e que enfrentará, sim, a transfobia dentro e fora da escola. O foco, por enquanto, não é no sofrimento e nos dilemas da transexualidade. Ela é muito galanteadora e romântica, espero que em algum momento ela tenha um namoradinho", afirma Gabrielle, em entrevista ao Correio.
Leveza
Mais tarde, em horário nobre, é a vez da atriz Glamour Garcia brilhar como a Britney, de A dona do pedaço. É interessante notar que o público conheceu Britney antes da transição, ainda na primeira fase do folhetim de Walcyr Carrasco ; mesmo autor de Amor à vida, em que foi dado o primeiro beijo entre dois homens das novelas. Acompanhamos quando a família dela fica sabendo da transição, já que a personagem estava no interior de São Paulo e apenas o irmão dela, Zé Hélio (Bruno Bevan) acompanhava a vida dela. Tudo isso foi mostrado pelo autor com muito humor, mas também com diálogos esclarecedores.
;Toda a sociedade ganha quando personagens como esses aparecem. Tem, sim, um lado didático, uma preocupação em elucidar que está havendo uma restituição de direitos das pessoas trans. É interessante vermos essa temática, essa discussão numa novela, ainda mais de uma forma positiva e construtiva;, afirma Glamour, em entrevista ao Correio. ;Acho muito importante que tenha essa abordagem, principalmente neste momento em que o cenário político no Brasil está muito pesado, especialmente para a comunidade LGBT. E a comédia é uma das formas mais fortes de se criticar. A personagem da Britney é essencial;, completa.
Glamour ressalta a relevância de Britney ser vivida por uma atriz transexual, como ela: ;É mais do que importante. É super representativo. Não é só representação, é tornar as coisas concretas. A atuação é uma arte que extrapola as questões de gênero. Mas eu também acho que o audiovisual ; o cinema e a tevê ; tem um espaço de criação; então, é justo. Mas é mais produtivo quando as pessoas trans podem se representar na televisão.;
Naturalidade
Diante de tantos personagens marcantes em Euphoria, série da HBO, é difícil não se envolver com Jules, a transexual interpretada por Hunter Schafer. A menina acaba tomando para si o papel de protagonista da atração, posto que era para ser de Rue (Zandaya). Além de talentosa e carismática, Hunter confere a Jules uma naturalidade encantadora. Os dramas de Jules não são amenizados nem apresentados de forma leve ; nada em Euphoria é ;, mas fica natural. Assim, Hunter, Gabrielle e Glamour contribuem para que fique cada vez mais natural para a sociedade que os transexuais galguem caminhos, cada vez mais altos, tranquilamente.
Entrevistas com Glamour Garcia e Gabrielle Joie no Próximo Capítulo.
Duas perguntas // Glamour Garcia
Não tem 10 anos que tivemos o primeiro beijo entre dois homens em Amor à vida e a primeira cena de sexo entre homens em Liberdade liberdade. Estamos caminhando para um cenário com mais representatividade na tevê e na sociedade?
Eu, pessoalmente, espero que sim. Não somente pela representatividade no sentido de direitos iguais, mas pela profusão e pela representação do que é a própria sociedade brasileira, uma sociedade tão mista, tão ampla, tão cheia de possibilidades. Todos nós temos direito à cidadania. Se sentir representado também na arte é de extrema importância.
A Britney logo consegue um emprego quando volta a São Paulo. Qual é a importância de mostrar a meninos e meninas trans que é possível ingressar no mercado de trabalho?
É uma importância muito grande. Mas eu não sou hipócrita em dizer que é mais fácil ou igual. Não é. Para as pessoas trans é muito mais difícil a inclusão no mercado de trabalho. Por isso, essa temática está sendo abordada nesse momento: para que a gente possa forçar a compreensão da sociedade de que as pessoas trans, obviamente, têm direito de trabalhar, têm o direito de se manter e de se desenvolver como cidadão na sociedade sem ser dependente de qualquer forma familiar, de qualquer forma governamental. A pessoa tem que conseguir trabalhar, tem que conseguir se inserir na sociedade de uma forma digna, através da capacidade profissional dela.