Revista

Excesso de açúcar

Com dois tipos de incidência, o diabetes afeta cerca de 13 milhões de brasileiros. A do tipo 2, geralmente adquirida na fase adulta e ligada a problemas de alimentação, é a que mais cresce

Por Marcella Freitas*
postado em 23/08/2019 17:12

Jaqueline Correia precisou levar Levi a vários médicos antes de descobrir que o filho tinha diabetes tipo 1


Em 10 anos, o número de brasileiros com diabetes tipo 2 cresceu 61,8% no Brasil ; índice que, acreditam especialistas, deva ser bem maior. Estima-se que, hoje, 9% da população tenha a doença, na maioria das vezes adquiridas por conta de maus hábitos alimentares e sedentarismo. Os dados são de pesquisa realizada pela Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, e comparou o período entre 2006 e 2016.

Caracterizada pela elevação da glicose no sangue (hiperglicemia), a diabetes pode ocorrer devido a defeitos na secreção ou na ação do hormônio insulina, que é produzido no pâncreas, pelas chamadas células beta. Essa pode ser manifestada de duas maneiras. Na tipo 1, o paciente é incapaz de produzir insulina ; hormônio essencial para o controle da glicose ; e se apresenta ainda nos primeiros dias de vida do paciente. Já na tipo 2, há uma disfunção que impede o organismo de usar a substância de forma adequada, consequência, na maioria dos casos, por má alimentação e sedentarismo. E esse tipo que mais afeta o brasileiro.

Tanto por conta da faixa etária e de doenças relacionadas, as consequências do diabetes tipo 2 podem ser mais sérias quando descobertas. E, na maior parte dos casos, está ligada à obesidade. Para o enfermeiro militar Paulo Ricardo Pajeú, 28 anos, a busca pela cirurgia bariátrica foi inicialmente por estética. Mesmo da área da saúde, só se deu conta do risco que corria quando estava prestes a realizar o procedimento.
;Além de todas as comorbidades (doenças ligadas à obesidade), estava com a predisposição ao diabetes tipo 2 e já havia iniciado medição hipoglicemiantes. Quando vi os resultados dos exames pré-cirúrgico, em 2015, fiquei com medo de não conseguir. Vi que estava morrendo aos poucos;, relembra. Hoje, após a cirurgia, Paulo Ricardo se alimenta melhor, pratica atividade física diariamente e recuperou a qualidade de vida. ;Eu me descobri como nunca;, conta.

A perda de peso é considerada apenas um dos efeitos colaterais da cirurgia bariátrica para os diabéticos. Para o médio Luiz Fernando Córdova, representante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica em Brasília, o procedimento é indicado a partir do grau, tempo e insucesso do paciente obeso com outros tratamentos clínicos.

A legislação brasileira prevê que pacientes com índice de massa corporal (IMC) superior a 35% ; considerada a obesidade grau II;associada a alguma doença já tem a indicação cirúrgica. E, recentemente, pacientes com obesidade grau I e IMC acima de 30% também foram incluídos na recomendação do procedimento pelo Conselho Federal de Medicina. ;A sugestão não é baseada no quanto se pesa, mas diretamente relacionada ao número de doenças do paciente, como apneia do sono, gordura no fígado, hipertensão, alteração de colesterol e o próprio diabetes;, explica.

Controle por toda a vida

Apesar de ser enfermeiro, Paulo Ricardo só percebeu que estava pré-diabético quando se preparava para fazer uma cirurgia bariátrica


A falta de campanhas educacionais sobre a doença é um dos principais fatores que influenciam o aumento de casos e fazem com que o diagnóstico, em especial do tipo 2, seja tardios e resulte em casos extremos, como a amputação de membros e a ocorrência de óbitos por doenças cardiovasculares, que representam 80% dos casos dos acometimentos, como explica o cardiologista José Francisco Kerr Saraiva.

;A sociedade tem conhecimento das complicações ditas microvasculares do diabetes. Por isso, o controle adequado da doença, aliando estilo de vida saudável e tratamento com medicamentos apropriados, permite, hoje, que o paciente viva não apenas melhor, com mais qualidade de vida, mas também por mais tempo;, destaca. Ainda há uma grande parcela da população que não teve diagnóstico, não procurou o profissional certo nem fez os exames adequados.

O diagnóstico é simples e indolor, podendo ser tanto por meio de exames laboratoriais, que vão desde o teste de glicemia na ponta do dedo até o exame de sangue normalmente feito em laboratório. Esse foi o caso do pequeno Levi, de apenas 2 anos. Após apresentar fadiga e perder muitos quilos em pouco tempo, Jaqueline Correia, mãe de Levi, resolveu levar o filho ao hospital e investigar o que poderia estar acontecendo.

;Levi sempre foi uma criança brincalhona e agitada, mas, depois de um tempo, começou a querer ficar deitado, não interagia tanto. Meu coração dizia que havia algo de errado com ele;, lembra. A representante comercial procurou ajuda médica na rede pública por várias vezes sem que fosse diagnosticado o real problema do filho. Alguns pediatras atestaram ser verminose, outros indicaram que Levi estava apenas de ;frescura;. Mas, no fim das contas, o quadro de saúde do menino apenas piorava.

Após muitas tentativas, foi solicitado um exame de sangue no menino, que constatou que a glicemia estava em 1.034 ; a taxa normal é de até 110. O diagnóstico? Levi estava com diabetes tipo 1. ;Até o momento, nenhuma pessoa da minha família tinha diabetes, e eu nem entendia muito bem como era a doença. Quando recebi a notícia, foi um baque muito grande e cheguei a me culpar;, comenta.


Alimentação regrada e contagem de carboidratos se tornaram a rotina da família. E, para cuidar melhor da saúde do pequeno, Jaqueline pediu demissão do emprego. Pelas dificuldades financeiras, dependia 100% das agulhas e canetas oferecido pela rede pública para controle e checagem de insulina, mas nem sempre conseguia o material necessário.


Por meio de eventos e grupos de mães que têm filhos com diabetes, Jaqueline encontrou o instituto Doce Desafio, no qual se associou e possibilitou que o pequeno Levi recebesse a bombinha de insulina, que custa em torno de R$ 13 mil. Para isso, foi necessário um laudo da endocrinologista que acompanhava o quadro de Levi e muita persuasão da mãe.

;Ter um filho diabético me fez perceber que a doença exige muito emocionalmente e financeiramente. Se trata de uma doença cara. E as famílias de baixa renda precisam se esforçar muito mais para garantir o mínimo, que é a insulina. Para o diabético, a insulina significa vida;, afirma.

Segundo a endocrinologista, Fernanda Lopes, do Laboratório Exame, há carência de instrução para os pais que têm filhos com diabetes e fazem uso de insulinoterapia. ;A adesão ao tratamento pelas crianças é um processo doloroso, e tanto os pais quanto os pequenos sofrem. O desafio é fazer o controle de insulina e adequar a alimentação, cuidar do cotidiano.;

*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação