Ronayre Nunes
postado em 25/08/2019 07:00
A verdadeira selva que é o mundo da moda tem muitos desafios. Entre eles, um ideal de beleza, por vezes, é o que mais afeta quem busca um espacinho nas passarelas e nos estúdios do mundo fashion. Na contramão dessa regra, a modelo brasileira Valentina Sampaio conseguiu um grande feito para a diversidade ao se tornar a primeira ;angel; ; tradicional nome dado às modelos da marca de lingerie norte-americana Victoria;s Secret ; transgênero.
Um dos maiores ideais de sensualidade feminina no imaginário publicitário, a marca foi uma das que mais resistiram em sair do considerado ;padrão de beleza; europeu, a duras penas. Entre denúncias de assédio por parte de executivos, demissões de e até rumores de um possível cancelamento do desfile mágico deste ano, a empresa parece ter aberto a primeira porta para o novo mundo ao ter no casting a cearense na campanha Pink de 2019.
Hoje com 22 anos, Valentina saiu da pequena Aquiraz, município litorâneo da grande Fortaleza, no Ceará, para as maiores passarelas da moda mundial. Filha de um pescador e de uma professora, a grande estreia da jovem foi na icônica capa da Vogue Paris, em 2017, que discutia a transexualidade. A cearense foi a primeira transgênero na capa da publicação.
Entre outros trabalhos de destaque, estrelou campanhas da L;Oréal, da Balmain, de Alexandre Herchcovitch, desfilou para grifes como À La Garçonne e foi capa de tantas outras revistas mundo afora. Na mais recente aposta profissional, agora como atriz, a cearense protagonizou o longa-metragem Berenice procura (2017), ao lado de nomes como Vera Holtz, Eduardo Moscovis e Claudia Abreu.
;Cercada pela natureza; e bem ligada à família de sete irmãos, o trabalho nas passarelas começou com um despretensioso empurrãozinho dos amigos, enquanto a cearense ainda cursava a graduação de arquitetura. A juventude de Valentina foi o encaixe perfeito para cultura Millennium conectada.
Isso porque a L;Oréal encontrou a modelo brasileira pelo Instagram, e o resultado foi a catapulta ideal para o mundo fora das telinhas de celulares. Óbvio que o processo para a Victoria;s foi muito mais longo e demorado, mas nada que a cearense não tenha tirado de letra.
Agora, ao lado de Gisele Bündchen, Adriana Lima e outras icônicas angels, Valentina percebeu o segredo das modelos brasileiras no mundo da moda e pretende se agarrar nesse ;grande diferencial; com todas as forças. Já para o futuro, a garota demonstra um misto de lucidez e maturidade, entendendo que existe muito mais além das campanhas e passarelas.
Como era sua vida pré-passarela e como foi o primeiro contato com a modelagem?
Eu fazia faculdade de moda e também de arquitetura. O trabalho como modelo foi o primeiro que eu exerci. Alguns amigos da faculdade que trabalhavam nesse mercado me convidaram para fazer alguns desfiles no meu estado, e foi assim que comecei a trabalhar como modelo. Eu morava com minha família em Aquiraz. Somos em sete irmãos, então eu levava uma vida calma, bem conectada com minha família e cercada pela natureza.
Como foi esse processo de chegada até as grandes marcas, como a L;Oréal e até mesmo a Victoria Secret;s?
A L;Oréal me encontrou pelas redes sociais. Eu sempre fui muito ativa no Instagram, e foi onde me encontraram. Era também um momento de mudanças, então tudo foi se conectando naturalmente, já que era um momento que pedia mais inclusão. Para chegar até a Victoria;s Secret, é um processo, são anos de trabalho e testes para marcas diversas, até que a tão esperada confirmação aconteceu.
Você ainda se espanta que a 1; modelo transexual de uma das mais famosas marcas de lingeries do mundo só tenha ocorrido em 2019?
Eu acho que é um processo de evolução. As marcas vêm aprendendo muito sobre a importância de abraçarem a diversidade. Hoje, estamos nas capas de revista, na TV e agora também na Victoria;s Secret. Então, enxergo como um momento de celebração pela diversidade estar sendo cada vez mais abraçada e respeitada.
Qual a sensação de estar no mesmo patamar que lendas como Gisele Bündchen e Adriana Lima? Por que as modelos brasileiras conseguem se destacar lá fora?
É muito gratificante, sempre foi um sonho. São mulheres que admiro muito. As brasileiras têm bastante atitude, acho que isso é um grande diferencial. Personalidade conta muito!
E em relação ao futuro, tem o sonho de fazer algum trabalho em específico, ou talvez migrar para outras profissões, além da modelagem?
Sou muito apaixonada pelos animais, tenho vontade de fazer algo voltado à biologia ou à zoologia, mas no momento estou focada na minha carreira como modelo e sigo neste mercado. Também gosto muito de atuação. Tive uma experiência recentemente que foi muito especial, no filme Berenice Procura.
Sem armário
A presença de personalidades transgêneros não é mais sinônimo de singularidade e exceção à regra. No mundo da moda, em especial, a diversidade está cada vez mais nas campanhas e passarelas de destaque. Confira alguns nomes que ajudaram nesta mudança de paradigma:
Roberta Close
Primeira modelo transgênero a posar nua para a edição nacional da revista Playboy ; na edição de maio de 1984 ;, Roberta foi uma das pioneiras a colocar o tema em pauta, e especialmente permear o imaginário masculino perante a sexualidade e a beleza transexual.
Lea T
Responsável por expor marcas como Givenchy e Redken para o mundo em campanhas publicitárias, a modelo (filha do jogador Toninho Cerezo) já deu entrevista para Oprah e foi um dos rostos mais famosos da seleta casta de modelos brasileiras a brilhar na indústria internacional. Leandra Cerezo tem atualmente 39 anos.
Andreja Pejic
A modelo australiana, de etnia bosniana, começou a chamar a atenção ainda aos 17 anos, quando, após ser descoberta durante o trabalho em uma popular rede de fast-food, desembarcou na Paris Fashion desfilando em roupas masculinas (pela Gaultier) e em peças femininas (pela Marc Jacobs). A ;androginia; de Andreja é até hoje uma das grandes marcas da modelo.
Isis King
Quando um dos reality shows de modelos mais famosos do mundo engloba uma participante transgênero no elenco, é um grande sinal de mudanças para a diversidade. E foi isso o que ocorreu com a modelo norte-americana Isis King, ainda em 2008, no programa America;s next top model. A participação, naturalmente, rendeu muita discussão sobre transexualidade e diversidade no mundo da moda.