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A cerva nossa de cada dia

Muitos começaram a fabricação no quintal de casa, outros expandiram os negócios. Mas todos mantiveram na essência o sabor artesanal da cerveja

postado em 08/09/2019 04:21
Rodrigo Santos e o pai, Marco Antonio Santos: a produção de cerveja em casa uniu ainda mais os dois

Cerveja. Certamente você tem alguma boa história com ela: a conquista de um título do time do coração, conversas jogadas fora após a faculdade, o ;fora; superado na mesa do bar, isso sem contar os inúmeros amigos de copo que deve ter ganhado ao longo dos anos. A bebida milenar é uma das mais consumidas do mundo e, apesar de poder ser encontrada em qualquer prateleira de mercado, os amantes têm embarcado mesmo é no universo das artesanais.

No Distrito Federal, o consumo e a produção das cervejas artesanais experimentam um boom. De acordo com a Associação da Cerveja Artesanal do DF (Abracerva), Brasília conta com 30 cervejarias locais cadastradas, que, juntas, são responsáveis pela produção de 150 mil litros da bebida. Destas, apenas cinco têm fábrica no DF. As demais funcionam como cervejarias ciganas ; com produção de forma terceirizada, que utiliza maquinário alugado de outras fábricas ; nos estados de Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro. Sem falar daquelas feitas no quintal de casa.

Conhecidas por terem uma produção em menor escala, as cervejas artesanais são caracteristicamente mais encorpadas e possuem sabor mais acentuado, devido ao processo de fabricação envolver uma escolha detalhada e criteriosa de insumos. ;Essa cerveja tem uma receita muito mais livre, que possibilita usar a criatividade. É a vantagem de poder brincar com os ingredientes, inovar na fórmula e criar uma imensa variedade de sabores que encanta quem bebe;, diz Paulo Borges, mestre cervejeiro e fundador da Hop Capital Beer.

A valorização de produtos locais e o respeito pelo processo natural de produção são o diferencial da cerveja artesanal. Trazem um sabor que dificilmente consegue ser copiado pelas grandes indústrias, mesmo nas linhas premium. ;É uma bebida

local, em que o cliente tem acesso ao mestre cervejeiro, à produção. É uma relação de criação e produção mais pessoal e que não se prende a um estilo ou a uma ideologia, existe todo um feeling sensorial que não pode ser copiado por um maquinário;, explica Rodrigo Braga, mestre cervejeiro da Cruls Cervejaria Artesanal.

Para Fábio Bakker, mestre cervejeiro da Criolina, a virada de interesse pela cerveja artesanal veio quando as pessoas descobriram que poderiam fazer cerveja em casa. ;Isso abriu um leque de possibilidades de sabores que as pessoas nunca haviam pensado antes.;

De pai para filho

Se cerveja é sinônimo de união, isso certamente se aplica à relação que Rodrigo Vieira Santos, 28 anos, e o pai, Marco Antônio Santos, 53, nutrem com a bebida. Morando em Brasília há pouco mais de dois anos, os capixabas garantem que a produção foi uma forma de fazer amigos e estabelecer uma conexão com a cidade.

O primeiro contato com o hobby, porém, veio quando a família ainda morava no Espírito Santo. Assim que Marco Antônio se aposentou, a vontade de embarcar em novos projetos o levou a um curso de produção de cervejas artesanais. ;O curso me fez sentir mais útil e bastante criativo. Descobri que fazer cerveja boa é uma ciência de sabores e aromas.;

A empolgação de Marco ultrapassou as barreiras da sala de aula e alcançou o filho, que logo estava fermentando cerveja no quintal de casa. O analista de marketing confessa que, por conta da rotina corrida, a produção de cerveja é um dos poucos momentos em que pode apreciar a companhia do pai. ;Comecei degustando e, quando vi, estava pensando em receitas e desenvolvendo afeição pelo processo, principalmente por dividi-lo com meu pai. A cerveja nos proporciona momentos divertidos em família.;

O que começou como um hobby hoje é uma renda extra para a família. A produção ainda é pequena e se restringe a festas de conhecidos e alguns poucos companheiros de copo que frequentam a casa nos fins de semana. ;O legal do negócio é essa possibilidade de reunião e, principalmente, de conhecer gente nova. Como não somos naturais daqui, é a cerveja que nos traz o sentimento de pertencimento à cidade;, relata Rodrigo.

O carro-chefe da produção dos dois é a ale ; cerveja de alta fermentação ; e as receitas variam entre as india pale ale (ipa), red ale, stout e belgian ale. ;Agora, estamos testando uma de trigo. E é assim que funciona nossa produção, vamos vendo que sabor que vai dando certo, o que os amigos gostam de beber e, aos poucos, vamos montando nossos rótulos.;

Apesar de fazer sucesso entre os amigos, Rodrigo diz que a ideia de fazer da cerveja um negócio ainda é tímida. ;Acho que todo produtor caseiro tem o desejo de um dia comercializar seu produto, mas a gente vai estudando com calma. O mercado é competitivo, mas acredito muito no nicho da cerveja artesanal.;

Para Marco, o que importa mesmo é o que o hobby trouxe à sua vida. ;A sensação de poder juntar a minha experiência com o domínio tecnológico do meu filho é espetacular. Depois que começamos essa iniciativa, nos reunimos muito mais e aprendemos, no dia a dia, um com o outro. Poder estar como meu filho é sempre muito satisfatório.;

*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

Desvendado a produção em casa
  • Balancear lúpulos, levedura, acidificação e fermentação é uma verdadeira arte. Fazer cerveja em casa não é um processo simples, mas pode ser muito divertido. Além disso, ao dominar o processo, as possibilidades de cerveja são praticamente infinitas. E, para quem quer se aventurar, a Revista conversou com a fundadora da Wonderland Brewery, Anna Lewis, que deu algumas dicas.

Ingredientes
  • A receita é quase básica: água, uma fonte de amido ; sendo a mais comum o malte ;, lúpulo e levedura, que age como fermento. A quantidade de cada um deles é o que garante a diversidade de sabores e aromas. ;É possível adicionar ainda diversos outros ingredientes, como cereais, aveia, trigo, frutas, ervas aromáticas e até mesmo produtos salgados.;
  • Os ingredientes frescos são mais indicados para a produção caseira. De acordo com Anna Lewis, é preferível usar fermento líquido e estar atento à vida útil de grãos secos ; malte, lúpulo e grãos triturados. ;Apesar de estarem secos, eles oxidam com o tempo e devem ser utilizados rapidamente. A pureza da água também é muito importante para o resultado final. De preferência, use água mineral.;

Utensílios
  • Para começar, é necessário ter pelo menos o básico: panela, fermentador de inox ou vidro, termômetro e coador. Na internet, muitas lojas vendem o kit completo. ;Para a fermentação, prefira recipientes de vidro ou aço inox. Os baldes de plástico são muito mais vulneráveis à contaminação e difíceis de higienizar. Além disso, o plástico pode ter microporosidades que permitem a passagem de oxigênio, o que compromete a fermentação;, alerta.

Mão na massa
  • A produção da cerveja consiste em duas grandes etapas: cozimento e resfriamento para fermentação. Em geral, é na fase de resfriamento que as temidas contaminações geralmente acontecem. ;Tome muito cuidado com todos os utensílios que usar nessa etapa. Para higienizá-los, você pode usar produtos que tem em casa, como uma solução de água sanitária; orienta.
  • Para facilitar o processo, existem softwares que ajudam a calcular a cor, a amargura e a gravidade da cerveja. Além disso, recorrer a livros, cursos e estudar, mesmo que pela internet, é primordial antes de começar a produção.
  • Outro fator importante na produção é o controle de temperatura, estritamente necessário para que a fermentação aconteça corretamente. ;Uma técnica caseira que funciona é embrulhar o fermentador em toalhas molhadas e colocar um ventilador na frente. Molhe as toalhas a cada 12 horas para manter a temperatura constante. Mesmo com esse truque, é indispensável acompanhar a temperatura do fermentador com um termômetro específico;, explica Anna Lewis.

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