postado em 22/09/2019 04:09
Bobo é quem não acredita que o mundo para. Mas ainda bem que esse fenômeno que desafia todas as leis da física acontece, ainda que não seja para alertar o planeta para a necessidade da paz como no filme de Robert Wise. Serve muito mais para que não sejamos engolidos pela máquina de moer gente que é o dia a dia.
Cada um que descubra sua forma de escapar. Há quem beba, há quem saia para passear, outros preferem jogar dominó, ler um livro ou ver um filme. No meu caso, o mais comum é o desligamento puro e simples; é a hora em que uma espécie de relé mental interrompe os circuitos normais e aciona os sobressalentes, bem mais azeitados.
Foi num desses momentos que outro dia me peguei observando uma mosca pousada sobre a mesa. Ela parecia satisfeita, tanto que esfregava as patas insistentemente; e eu acreditei que ela até lambia os beiços de prazer. Não era nada disso. Na verdade, ela estava mesmo se limpando.
Pensar que uma mosca pode ser asseada nos distrai de qualquer problema. Quem é que vai pensar nos boletos a pagar diante de um mistério desses? Eu não sou muito de conversar com moscas ; no máximo, troco umas palavras com a Bagunça, que é cachorra, mas com quem tenho alguma intimidade. E confesso que sou incapaz de extrair fábulas de bichos.
Mas a mosca precisa mesmo estar com as patas limpinhas para que ela possa perceber o sabor do que está à frente dela, função principal dos sensores ; os quimiorreceptores ; que ficam na ponta das patas. E há um método no banho seco desses insetos: primeiro, limpam as patas dianteiras; depois, limpam as asas com as patas intermediárias; por fim, esfregam as traseiras.
Claro que eu não sabia nada disso. Não sou entomologista. Mas ainda sei consultar a velha Barsa, uma dessas maravilhas que não existem mais ; dias desses vi alguns volumes da enciclopédia desprezados entre os livros inservíveis de um sebo (o dono me disse que ninguém mais quer saber de grandes enciclopédias em casa; dizem que não há espaço, mas ninguém me tira da cabeça que falta mesmo é interesse ; como diria minha avó ; em se ilustrar).
Por algum motivo eu já sabia que as moscas têm uma noção de tempo quatro vezes mais acelerada que nós, humanos. É como se a vida passasse em câmera lenta por elas. Para formar as imagens no cérebro, a tal frequência crítica de fusão de luz vacilante, os homens recebem 60 flashes por segundo; as moscas recebem 250 flashes ; e, por isso, elas são tão difíceis de serem pegas.
Mas foi no verbete da Barsa que eu fiquei sabendo que a gente quase não vê as moscas caseiras à noite, não porque elas dormem, mas porque morrem. O ciclo de vida delas, muitas vezes, não passa de 24 horas ; normalmente nascem de madrugada, vivem durante o dia, quando aproveitam para transar e se reproduzir, e morrem na noite seguinte.
Que vida besta. Voltei a trabalhar.