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Muito além da política

Entrevista / Ana Luiza Barreto Juíza titular da 1ª Vara Criminal do Paranoá

Correio Braziliense
postado em 06/10/2019 04:18 / atualizado em 14/10/2020 11:35

Entrevista / Ana Luiza Barreto  Juíza titular da 1ª Vara Criminal do Paranoá

IInúmeros crimes solucionados no Paranoá passam pelas mãos da juíza Ana Luiza Morato Barreto, titular da 1ª Vara Criminal daquela região. “Mas o que mais incomoda são os que envolvem as mulheres”, diz. Firme em suas decisões e tratada pelos colegas do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) como uma das magistradas mais polêmicas em exercício, Ana Luiza diz que o projeto de lei sobre Abuso de Autoridade dos juízes e integrantes do Ministério Público pode atrapalhar o desempenho do Judiciário na hora de ajudar as mulheres que são agredidas ou vítimas de feminicídio.

A juíza recebeu a reportagem em seu gabinete, no Fórum do Paranoá. Ao alcance das mãos, ela mantém três bebidas: uma lata de refrigerante, água e café. “Prazer, necessidade e ânimo”, brinca. Nos próximos meses, pretende desenvolver um projeto para auxiliar mulheres a dependerem menos do Estado. “Assim, deixamos esse verniz de proteção e poderemos tomar conta das nossas próprias vidas”. A magistrada defende a menor interferência da Justiça no cotidiano das mulheres, mas diz que, antes disso, é preciso haver um convencimento sobre a forma com que elas mesmas se enxergam.

O feminicídio não acontece de um dia para o outro. Há fases, xingamentos e ameaças, e, depois, o grau de violência aumenta. A mulher já não está emocionalmente abalada demais para reagir?
Essa é uma visão que a academia (estudiosos em geral) impõe, e que eu estou querendo derrubar. Existem dois tipos de relacionamento, hoje (a serem resolvidos nas varas criminais), básicos: os marcados pela subjugação feminina e pela dominação patriarcal, que geralmente culmina no feminicídio; e aqueles em que as relações são violentas de ambos os lados, em que a linguagem verbal é de violência. Elas estão em pé de igualdade em termos quantitativos. Você percebe onde tem o machismo e onde tem a violência trocada.

Como se percebe essa diferença?
A maneira de falar interfere muito. Quando uma mulher se coloca em situação de risco, de forma consciente e voluntária, tenta barganhar com a Lei Maria da Penha. Depois, volta atrás. Existem essas mulheres — e não é em número menor —, mas ninguém quer falar sobre isso, porque é um tabu. Eu não quero que ela se rebaixe a essa condição (de vítima), somos vulneráveis. Reforçamos a figura de vítima e não a vulnerabilidade. Somos vulneráveis, óbvio, porque crescemos em uma sociedade machista.

E quem seriam as vítimas?
São as mulheres que estão de fato numa relação de lesão de direito, as violentadas. Se houver uma violência, ali a mulher é vítima dessa situação. Mas ela vai manter esse status ou vai reagir? Elas precisam entender que, se continuarem em uma relação abusiva, a denúncia somente não vai resolver. Precisam saber que cuidado e autoproteção são exercícios diários. Mulheres são protagonistas. Eu, juíza, sou coadjuvante (nos processos envolvendo agressão à mulher). Temos que incentivar as mulheres a tomarem decisões nas vidas delas. Isso tem consequências boas e ruins.

Qual seria a forma mais assertiva de colocar as leis para funcionar?
Vou dar um exemplo: a Lei 11.340 (Lei Maria da Penha) diz que o tribunal precisa atuar junto a uma rede de apoio, se não as medidas protetivas não têm efeito. Eu tenho rede de apoio aqui? Faltam creches, e o atendimento de saúde é precário. Aí vem o Legislativo e cria uma lei sobre o pagamento do Sistema Único de Saúde (SUS) por parte do agressor. A mulher será indenizada no Código de Processo Penal (CPP) e não precisa dessa inovação. Isso é ilusão. A garantia de indenização estava anteriormente em artigo do CPP. Muitas vezes, o agressor sequer trabalha, então não vai ter dinheiro para o pagamento. E a União não cobra nada abaixo de R$ 20 mil. Então, o que essa lei mudou na vida da mulher?

Mas há rede de apoio à mulher em situação de violência no DF. Tanto pública quanto privada.
O cobertor é pequeno para essa demanda. Em quais horários (por exemplo)? Elas querem atendimento sábado, porque trabalham de segunda a sexta. Não podem receber o serviço, então não têm acesso a ele. Muitas mulheres que são vítimas de violência trabalham o dia todo e nem têm com quem deixar os filhos, porque, vale lembrar, a maior parte delas é de baixa renda. Elas não vão ser liberadas para comparecer à rede de apoio. E falta essa sensibilidade em tudo. Se houvesse tratamento para o homem agressor, porque ele pode ser alcoólatra, talvez a mulher não apanhasse.

A  derrubada dos vetos do presidente Jair Bolsonaro no PL de Abuso de Autoridade dos Juízes vai atrapalhar a atuação do Judiciário na defesa das mulheres?
Com certeza. Qualquer juízo criminal estará de mãos atadas daqui a 120 dias, inclusive de violência doméstica. Por quê? Porque eu posso prender de ofício aquele que descumpre a medida protetiva. Agora, vou pensar mil vezes, porque pode ser considerado abuso de autoridade, e eu acabarei presa. Aqui, recebo medida protetiva diariamente. Aí eu prendo esse cara,  mas posso sofrer algo amanhã. Mas se eu o deixar solto, a mulher pode morrer. Todo dia vou passar por isso. E como resolverei?

Mas a magistratura sempre foi tratada como inatingível. Juízes sequer são demitidos, exceto em raríssimos casos. Juiz não pode nem ser algemado...
A prisão de juiz só em flagrante delito em determinados crimes. Mas isso não é apenas uma retaliação histórica dos excessos que cometemos ao longo dos anos. A gente está sofrendo uma retaliação clara pelo que foi publicado pelo site The Intercept e pelo que dizem ter sido feito na Lava-Jato. É uma retaliação. Precisamos de uma nova lei? Não. As leis servem para fiscalizar, combater e punir eventualmente desvio de conduta dos juízes, mas isso existe. Os tribunais é que não aplicam.

Mas o PL de Abuso de Autoridade não ajuda a pressionar o cumprimento da lei, nesses casos? 
Não. Acho que envolve muito essa questão da Lava-Jato, mas não posso falar isso de forma clara, porque não posso comentar processos.  Isso é uma retaliação clara e vamos ter que lidar com isso. Agora, previsão para sermos punidos sempre existiu.

O Judiciário tem sido observado pelos outros poderes. Um projeto para colocar prazo para os pedidos de vista nos tribunais superiores é um exemplo de resposta que o Congresso busca dar para a sociedade.
Isso é conluio do governo com o Congresso. Para mim, é o cenário político. Ele (Jair Bolsonaro) sabia que, se vetasse o projeto de Abuso de Autoridade, o veto ia cair. Se quisesse investigação séria, não ia deixar haver a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) na Justiça do Rio de Janeiro, durante aquela investigação do filho (senador Flávio Bolsonaro, do PSL do Rio, acusado de cometer irregularidades enquanto vereador). A esperança do Judiciário é que a voz do povo sensibilize o Congresso e o Supremo, porque não temos força política para resolver isso sozinhos.

A senhora acha que corre o risco de haver, citando a época da ditadura, situações em que o juiz perde o cargo por motivações políticas?
É possível, porque estamos em retrocesso. A Lava-Jato não tem mais fôlego. Sabemos que, nos bastidores, os alvos daqui para frente são muito mais poderosos e atuantes do que os que já foram (presos). Paralelamente a isso, temos um governo que despreza as questões de gênero, despreza minorias sociais, um governo que é extremamente conservador... Quer mais retrocesso social que isso?

Puxão de orelha
Em conversas privadas, o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), pediu à bancada governista que “evite animosidades” e “busque pela discrição” no Congresso Nacional. O gesto vem após diversos quiproquós envolvendo a legenda, como o recente embate entre um deputado pesselista e seu assessor, que trocaram murros no plenário da Câmara dos Deputados.

Assédio moral
As confusões envolvendo integrantes do partido, que chegam aos absurdos casos de assédio moral, diminuíram a influência do PSL, ainda que o partido seja o mais numeroso da Câmara e tenha grande representação no Senado Federal. Um dos grandes problemas é a falta de experiência dos eleitos, cujo discurso envolvia a mudança clichê de “deixar a velha política” sem apresentar uma nova política.


Seria rejeição?
Outro problema é que o partido se sente relegado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. A turma do PSL achou que teria tratamento especial no Palácio do Planalto, mas encontrou um presidente afastado do Congresso Nacional. Só está bom para quem se articula em outros ares, como a líder do governo, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), presença cativa nas reuniões ministeriais e encontros com o primeiro escalão da Esplanada dos Ministérios.

Sem cafezinho
Responsáveis pelo serviço e pela limpeza dos restaurantes do Senac no Congresso fizeram reunião informal para reclamar da falta de empregados, todos terceirizados, e do acúmulo de trabalho. Quando alguém adoece, fica ainda pior. Se a situação não melhorar, dizem, vem greve por aí.

Soraya ataca
A deputada Soraya Santos (PL-RJ) reclamou da viagem de parlamentares à Suíça, durante evento das Nações Unidas, afirmando que os colegas “foram lá apresentar notícias falsas que não representam essa Casa Legislativa e gastar dinheiro público”. A parlamentar qualificou a agenda como “atividade corriqueira graças às ideias mirabolantes de deputados da oposição”.

Segredinhos...

Agenda
Quando está livre dos compromissos oficiais, o governador do DF, Ibaneis Rocha, gosta de almoçar no Lake’s, da Asa Sul, às quartas.

Sem festa
O casamento da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) com o diretor da Força Nacional de Segurança, coronel Aginaldo de Oliveira, será numa loja maçônica de Brasília. E não terá festa.

Especial
Um ano após a morte de Albano Ribeiro, sócio do Bier Fass do Pontão, a família e os amigos inauguraram uma ampla mesa no restaurante com o nome dele.
 

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