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Economia consciente

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 06/10/2019 04:18
Lucas e Isabela aprendem desde cedo com a mãe, Ana Carolina, que é preciso abrir mão de algumas coisas para realizar as viagens de que tanto gostam

O ano de 2019 começou com mais endividados, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. De dezembro de 2018 para janeiro deste ano, a porcentagem de inadimplentes aumentou de 59,8% para 60,1%. Pesquisa de 2018 do Serasa Experian mostrou que 29% dos servidores públicos em todo o país, tanto federais quanto estaduais ou distritais, estavam inadimplentes, provando que o desemprego e a crise não são os únicos culpados pelos problemas com dívidas, e que um salário certo no fim do mês não é sinônimo de segurança financeira sem uma boa administração.

Tendo como enfoque a facilidade dos pequenos em aprender e colocar em prática hábitos e ensinamentos, a servidora pública Emanuela Oliveira de Azevedo, graduada em matemática, teve a ideia de moldar um curso de educação financeira voltado para o público infantil, no qual instruiria também sobre a relação existente entre ética, trabalho e dinheiro. Assim, foi criado o Impulso financeiro.

;Bem ou mal, todos nós lidamos com o dinheiro durante a nossa vida. E vendo exemplos de várias pessoas na minha família que estavam endividadas, enxerguei a oportunidade de mudar aquela realidade de forma definitiva: começando pelas crianças, com abordagem e linguagem que elas sejam capazes de entender e internalizar;, conta.

O curso funciona em dois formatos: colônia de férias e aulas no contraturno. Numa espécie de laboratório financeiro, os pequenos são expostos a situações que simulam realidades enfrentadas pelos adultos, nas quais são instigados a pensar estrategicamente e a tomar decisões mais assertivas com as economias. Além disso, é ensinada a funcionalidade da poupança, dos juros e dos lucro, da oportunidade e dos investimentos.

;Tudo é feito moldado para a realidade deles, para que consigam compreender quais são as consequências das ações. No primeiro módulo, por exemplo, trabalhamos com a ideia do tesouro pirata. Passamos todo o curso tentando achar a recompensa para, no final, eles descobrirem que não somos piratas, mas só capazes de construir o nosso próprio tesouro.;

Na prática

Os irmãos Isabela, 10 anos, e Lucas, 8, participaram do curso de férias. Os pequenos já estudam educação financeira na escola que frequentam desde o primeiro ano do ensino fundamental. A mãe, a farmacêutica e produtora de eventos Ana Carolina Navarro Mamede John, conta que sempre achou importante trabalhar com eles a educação financeira, para que pudessem diferenciar o que era deles e o que era dos pais.

;Busco manter um diálogo aberto e verdadeiro com os dois sobre as questões financeiras da nossa casa. Eu e meu marido amamos viajar com as crianças e, para que isso aconteça, há contenção de gastos e diminuímos as saídas para restaurantes e passeios a lazer. Lucas e Isabela superentendem os sacrifícios e até nos cobram quando passamos do orçamento;, conta a mãe.

O curso foi muito importante para ampliar a visão deles, não somente sobre controle das finanças, como também para compreender a funcionalidade dos juros e das aplicações. Todos os dias eram realizadas atividades em grupo que reforçaram o valor do trabalho, da organização e da responsabilidade.

;Todos os dias, nós recebíamos dinheiro pelo trabalho, mas não era tão simples assim. Nós tínhamos que trabalhar em equipe e obedecer às regras. Podíamos comprar o que quiséssemos ou poupar. Depois de um tempo, aprendi a não comprar por impulso e a colocar no banco para render. É muito melhor pensar na compra e esperar para comprar na liquidação, de preferência;, compartilha o pequeno Lucas.

Com o mesmo pensamento voltado para lucrar com as economias, Isabela criou uma espécie de manual em seu site para ensinar outras crianças a conseguirem trocar o trabalho por recompensas ou dinheiro dos pais. Para isso, ela e o irmão auxiliam a mãe na organização das festinhas da família, fazem brigadeiro, realizam bazares com brinquedos e roupas que não usam mais, lavam o carro do pai, entre outras atividades que os ajudam a compreender o valor do trabalho e o esforço necessário.

;Aprendi que a vida não é só ganhar, é necessário trabalhar e correr atrás do que você quer e precisa. É preciso se esforçar! Por isso, uma das minhas metas, quando completar 14 anos, é poder ter a minha primeira experiência como estagiária e conseguir ter o meu próprio dinheiro;, planeja a garota.

A chave do sucesso
No ano de 1972, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, foi realizado um estudo com o intuito de testar a capacidade de crianças em adiar uma vontade. O objetivo era simples: resistir a um marshmallow por 15 minutos e, em troca, após o período, a quantidade do doce seria dobrada. Com isso, os cientistas queriam testar não somente o impulso de comer o doce, como também se era possível relacionar esse comportamento com o sucesso pessoal e profissional no futuro de cada participante. O resultado? Anos após o teste, foi comprovado que as crianças que conseguiram controlar o impulso da sua satisfação imediata haviam se tornado adultos com mais sucesso tanto no âmbito profissional quanto pessoal.


O poder da comunicação

Para as crianças mais tímidas, falar em público na escola é um dos maiores pesadelos. Seja para pedir para ir ao banheiro, seja para apresentar um trabalho em grupo. Imagine, então, no caso de uma criança gaga. Por 20 anos, essa foi a realidade do neurocoach Pedro Helou. Apenas na faculdade, ele resolveu investir em um curso de oratória para superar o problema, despertando, assim, interesse pela área da comunicação verbal ; fator determinante para a fundação do instituto Verbalize, especializado em oratória. Mais que isso, encontrou o propósito de ajudar outras pessoas que passaram por bloqueios similares.

Junto com a psicóloga Mariana Pinto e a nutricionista comportamental Rebecca Boubli, ambas ex-alunas do curso do Verbalize, Pedro iniciou turmas que promovem o desenvolvimento das habilidades de comunicação para o público infantil. ;Estudando e me aprofundando no tema, pude perceber que a dificuldade de falar em público era multifatorial e, em alguns casos, começava ainda na infância.;

Medo de se expor

Ainda na primeira turma, os resultados foram surpreendentes: as próprias escolas das crianças começaram a apontar melhorias no comportamento. Mariana Pinto afirma que um dos objetivos do curso é realizar uma imersão em parceria com as instituições de ensino, porque é justamente neste período escolar que se iniciam os julgamentos, os medos de exposição e os bloqueios para pedir ajuda.

;Queremos ampliar o olhar dos educadores, tanto para as crianças que são mais ativas na aula quanto para as que são mais quietas e retraídas. É preciso compreender e trabalhar as habilidades de comunicação para que eles possam se expressar melhor com pais e professores;, reitera Rebecca Boubli.

Melhorar a comunicação com a filha foi o fator que atraiu a servidora pública Mara Queiroz Oliveira para o curso Verbalize Kids. A mãe da Maria Clara, 13 anos, queria compreender como poderia ajudar a filha, que havia se distanciado consideravelmente após entrar na fase da adolescência.

;Percebi a Maria Clara mais distante e muito ausente. Como toda mãe que se preocupa com a saúde mental do filho, tive a consciência de que seria necessário ajudá-la e me ajudar a me reaproximar dela. Para a minha surpresa, ela topou;, comenta.

Durante o curso, Mara percebeu que a receptividade para o diálogo sobre sentimentos e pensamentos deve ser iniciado pelos adultos responsáveis. E na maior parte dos casos, o nível de abertura dada pelos pais será proporcional à confiança dos filhos para compartilhar os acontecimentos em suas vidas.

A servidora pública percebeu a raiz do distanciamento com a sua filha quando Maria Clara perguntou a razão pela qual a mãe nunca compartilhava as próprias frustrações. ;Para conseguir me aproximar, percebi que era necessário ser mais aberta com ela. Queremos proteger os nossos filhos das coisas negativas, mas é preciso ter uma conversa franca sobre os seus medos, tristezas e decepções, porque eles passam por isso também.;

Falar sobre a vida real e validar os sentimentos foi a chave para a mudança e o fortalecimento do relacionamento de mãe e filha. E as expectativas para o futuro de Maria Clara não poderiam ser diferentes. ;Meu desejo é que ela se torne uma mulher que saiba lidar com as frustrações da melhor forma possível, saiba se impor no mercado de trabalho e se sinta à vontade para colocar o que sente;, confessa.


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