postado em 10/11/2019 04:10
[FOTO1]Com duas mães, a história de Marcela Coelho, 35 anos, produtora cultural, é parecida com a de muitas mulheres negras. A mãe biológica tinha pouco estudo e era doméstica. A patroa dela, então, obteve a tutela da criança. Mas ela manteve o vínculo com ambas as famílias. ;Eu cresci em dois mundos totalmente diferentes.; Na faculdade, era a única negra.
Para ela, o universo da mulher negra é o de estar na rua trabalhando, sem uma base familiar estável. Mulheres que saem de manhã e chegam ao final do dia, numa situação de vulnerabilidade social. ;E os jovens e os filhos dessas pessoas ficam na rua, justamente nos lugares com mais criminalidade;, critica.
O jovens negros são a parcela mais vulnerável em relação à violência, como demonstrou o relatório Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial de 2017. Portanto, o cuidado para que esses jovens não se tornem uma estatística é ;uma luta constante;, como define Marcela, também coordenadora do Ponto de Cultura PALCO.
O espaço foi fundado em 2015, no Varjão, em memória do artista e diretor brasiliense Robson Gaia, e usa a arte e a cultura como ferramenta política de transformação social. ;Uma grande parcela da população jovem do Varjão é negra. São filhos e filhas de mulheres que passam o dia fora, trabalhando, e só retornam para casa no fim do dia. E onde eles ficam? O projeto busca justamente aproximar essa juventude de causas e apresentar caminhos para que eles não acabem à mercê da violência e da criminalidade.;
O PALCO conta com biblioteca comunitária, pista de skate e oferece diversas oportunidades, como aulas de capoeira, saraus e também rodas de conversa. ;Por meio das atividades, nós também buscamos mapear esses jovens, sondar quais frequentam a escola, e, se não frequentam, buscamos inseri-los em alguma monitoria, plantando, por meio das atividades, a ideia de que eles podem ser professores, advogados e ; por que não? ; artista. É um trabalho de formiguinha.;
O local é mantido com doações, dinheiro arrecadado por meio de eventos e também por meio da parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômico (Inesc). ;Além das atividades tradicionais, o jovem tem acesso a rodas de conversa, em que ele aprende sobre o direito à cidade, à educação, formando pessoas consciente e acima de tudo cidadãs.;
Militância racial
Mas a luta da produtora com a causa vai além do Ponto de Cultura PALCO. Marcela produz também diversos eventos de música, como o Hip-hop versus Ragga e o Batidão Sonoro, nos quais, inclusive, conheceu o marido, Roberto Peçanha, conhecido como DJ Bola. ;Nunca fui atrelada a um movimento específico, sempre me atrelei à cena, contribuindo para festivais que traduziam a minha identidade. Talvez, até mesmo por isso, demorei a me reconhecer como uma ativista social. Minha linguagem é crua.;
Marcela conta que, quando trabalhou no Festival Latinidades, ela se entendeu pela primeira vez como um militante racial. A partir dessa tomada de consciência, a vontade de fazer a diferença na comunidade onde estava inserida ganhou ainda mais sentido.
Para ela, mostrar oportunidade aos jovens é uma forma de valorizar também as oportunidades que teve ao longo da vida. ;Nasci em Brasília, mas a minha família vem de Cabeceira do Vão, no município de Cavalcante (GO). Fui adotada pelos patrões da minha mãe e, por isso, tive a oportunidade de acessar privilégio, tive acesso à educação. Sou pós-graduada em turismo e enxergo a diferença que a educação teve na minha vida. E se hoje temos aumentado os índices de acesso à universidade, é porque houve luta e projetos que buscaram inserir essa população nesse meio.;
Para Marcela, a conquista de espaço em universidades e cargos de lideranças, como o que ocupa na comunidade, mostram que a luta travada pelo feminismo negro é válida e contribui para que essa mulher saia do ciclo vicioso ; nascimento, falta de oportunidade, subempregos, filhos sem perspectivas ;, no qual esteve por muito tempo. ;Eu tenho uma filha de 7 anos, e a educação dela é totalmente diferente das minhas gerações anteriores. Ela já nasce em um contexto social diferente, justamente pelos conquistas que eu tive. É uma mulher negra, que não é filha de uma doméstica, mas de uma pessoa que teve acesso ao ensino superior, e isso já é uma quebra de ciclo.;
Para ler
Sejamos todos feministas
Chimamanda Ngozi Adichie
A escritora nigeriana, de 41 anos, Chimamanda Ngozi Adichie já fez duas palestras TED com mais de 20 milhões de views, virou música da Beyoncé, que incluiu algumas de suas frases à canção Flawless e tema de coleção da Dior com a frase ;We should all be feminists;, nome em inglês do livro dela.
Quem tem medo do feminismo negro?
Djamila Ribeiro
Além de contar sua história permeada pelo racismo, a filósofa Djamila Ribeiro reúne alguns dos textos publicados na revista Carta Capital e aborda conceitos, como empoderamento feminino e limites da mobilização nas redes sociais. Também discute a obra de autoras de referência para o feminismo, como Simone de Beauvoir.
Mulheres, raça e classe
Angela Davis
Um clássico sobre a relação entre gênero, raça e classe, é uma das obras mais importantes da professora e filósofa norte-americana Angela Davis. Ele traça um panorama histórico e crítico das lutas anticapitalista, feminista, antirracista e antiescravagista, passando pelos dilemas contemporâneos da mulher.
Pensamento feminista negro
Patricia Hill Collins
A autora, socióloga, mapeia os principais temas e ideias tratados por intelectuais e ativistas negras norte-americanas, como Angela Davis, Bell Hooks, Alice Walker e Audre Lorde, e, assim, constrói um panorama do feminismo negro com referências de dentro e de fora da academia.
Não sou eu uma mulher?
Bell Hooks
Ao examinar o impacto do sexismo nas mulheres negras durante a escravidão, a desvalorização e os estereótipos atribuídos a ela, o racismo entre as feministas, o imperialismo do patriarcado e o envolvimento da mulher negra com o feminismo, Hooks pretende levar nosso pensamento além das suposições racistas e sexistas.