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A juventude que quebra barreiras

postado em 24/11/2019 04:10
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Bernardo Clavelin, 13 anos, a amiga Priscila Barreto, 13, e as duas primas dela, as irmãs Helena e Ana Luiza Barreto, 12 e 11, já tiveram a oportunidade de brincar com bonecos da cor deles ; embora Priscila nem se interessasse muito por tais brinquedos. As irmãs tinham Barbies loiras e negras. O menino não se esquece de um boneco que a mãe lhe deu e que ele apelidou de Obama, já que o ganhou bem na época em que os Estados Unidos elegiam o primeiro negro presidente. ;Era um boneco praiano, tinha uma toalha;, conta, aos risos.

Mesmo assim, vira e mexe, os adolescentes ainda ouvem alguém chamar o lápis rosa claro de ;cor de pele;. Eles não consertam as pessoas, se abstêm de chamar a atenção delas por tal racismo, mas não deixam de se incomodar.

Algumas situações são menos óbvias que essa, como a que Bernardo viveu. Um dia, esperando, do lado de fora da sala, a mãe terminar de dar aula em uma faculdade particular, um segurança lhe perguntou se ele era o garoto que vendia bala no semáforo. Respondeu que não, que a mãe dele era professora ali e ele a aguardava. O profissional apenas emitiu um grunhido desconfiado e foi embora. Depois, ao contar para a mãe o ocorrido, ela lhe explicou que aquilo havia sido racismo. ;Ela disse que o funcionário não teria vindo me perguntar aquilo se eu fosse branco;, relembra.

A mãe de Bernardo, Izabel Clavelin, jornalista, é muito envolvida com a militância negra e conta que sempre conversa sobre o tema com o filho. Fez questão de colocá-lo em uma escola em que houvesse vários colegas negros e que também abordasse o assunto com os alunos. ;Fico muito satisfeita em saber que não sou só eu que estou falando sobre isso em casa, mas a escola também. Até porque é o local de socialização dele e onde ele passa mais tempo;, afirma.

Para Renísia Cristina Garcia Filice, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e pós-doutora em sociologia, a escola pode reproduzir desigualdades, preconceitos e estigmas ou desconstruí-los com a intervenção do professor. ;Se tem uma preocupação com a transformação social, de uma perspectiva de cidadania, de inclusão, de respeito à diversidade e às diferenças e potenciais, a escola vai reconhecer a questão da diversidade racial, do racismo, e vai colocar isso em debate. Se não, não vai contribuir para a autoestima da criança negra;, afirma.

Na vida escolar, os amigos Bernardo, Priscila, Helena e Ana Luiza se sentem realmente acolhidos. Helena se lembra de uma aula de filosofia em que a professora citou um filme que mostrava o racismo. ;Era sobre um negro que não foi à polícia depois de uma coisa que aconteceu com a filha dele porque sabia que iam culpá-lo. E, depois, precisava de um advogado e escolheu um branco, porque não iam ouvir um advogado negro;, resume. A prima ajuda com alguns detalhes: ;Chegam até a ameaçar a família do advogado por defendê-lo;.

Todos muito interessados por esportes ; jogam futebol, vôlei e basquete ;, também se recordam de um longa a que assistiram na aula de educação física ;sobre um jogador de beisebol negro, numa época em que só brancos podiam jogar;, detalha Bernardo. Trata-se da biografia de Jackie Robinson, um grande ídolo do esporte nos Estados Unidos.

Izabel sempre fez questão de comprar livros com personagens negros para o filho. E um que Bernardo conta que gostava muito e que fez a mãe reler várias vezes foi Minha mãe é preta sim. ;Um menininho vai para a escola e a professora pede para ele desenhar a família dele. Quando ele vai pintar, ela fala para pintar de amarelo, e ele fica triste;, relembra. Amigas de Bernardo há cerca de 10 anos, Helena e Ana Luiza também já ganharam livros de Izabel. ;Tem um que era muito infantil e doamos recentemente, mas ainda temos outros;, conta Helena.

Cores de peles

Para Renísia Cristina, o debate sobre o ;lápis cor de pele; já deveria ter sido superado, mas, infelizmente, não foi. Segundo ela, todo o conjunto de representações negativas da população negra faz com que as crianças não se percebam como parte dessa etnia.

;Quando uma criança negra se pinta de rosa ou de branco, é muito grave, porque mostra que ela não tem uma representação positiva da população negra. Os livros didáticos ainda não passaram por uma ressignificação necessária sobre o conteúdo da história do Brasil, também recuperando a resistência negra. A história da África aparece só pós-colonial, e isso faz com que as crianças não se percebam;, afirma.

Segundo a educadora, já existe um rol grande de materiais paradidáticos de qualidade que desconstroem tudo isso. ;Mas ainda são exceções quem vão atrás deles. São profissionais que chamamos de gestores proativos;, lamenta.

Atualmente, várias marcas de materiais escolares contam com diversos tons de pele. No ano passado, a alemã Faber-Castell lançou a linha ;Caras e Cores;, com seis nudes diferentes. Em alguns sites, também é possível comprar uma caixa de giz de cera com 24 peles, da marca nacional Pintkor, em parceria com a Uniafro ; Política de Promoção da Igualdade Racial na Escola, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Tris também já lançou a dela. É só ver qual cabe no seu bolso.

A mulher negra em poema

Maria Clara França, 17, precisava fazer um trabalho em grupo na escola, com tema livre, para a aula de literatura. Mesmo com uma maioria branca, todos concordaram em preparar um vídeo baseado no TedX da filósofa Djamila Ribeiro: Precisamos romper com os silêncios. ;Ela fala sobre como o silêncio é, historicamente, imposto às mulheres negras. O racismo é um dos assuntos que eu mais gosto de discutir e é muito bom poder usar minha voz para isso;, conta.

A jovem se aproximou do tema por conta do irmão mais velho, sempre muito engajado na questão racial. Ficou curiosa e passou a devorar livros a respeito. Um dos preferidos dela é O perigo de uma história única, de Chimamanda Ngozi. Diferentemente dos mais novos, ela conta que só foi ganhar uma boneca da cor dela quando já era mais velha e não brincava mais: ;Nunca tirei da caixa. Ficou de enfeite;.

Brinquedos com representatividade


Barbie Fashionistas, da Mattel (R$ 79,99, cada)


Lápis de cor Mega Soft Color Tons de Pele, da Tris (R$ 21,90)


Lápis de cor Caras e Cores, da Faber-Castell (R$ 18)


L.O.L. Under Wraps Eye Spy, da Candide (R$ 179,99)


Giz de cera 24 tons de pele, da PintKor (R$ 27)


L.O.L. Surprise! Boys, da Candide (R$ 129,99)


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