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Moda além do quadradinho

Conheça marcas autorais brasilienses que carregam para as coleções valores como identidade, criatividade e sustentabilidade

Manuela Ferraz*, Marcella Freitas*
postado em 01/12/2019 04:19
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Na era tecnológica, a experiência de compra vai além de adquirir um item de necessidade ou desejo. As lojas precisam repensar a sua comunicação com os consumidores, além da divulgação e fidelização de determinado produto. O público, cada vez mais engajado, busca se relacionar com marcas que se posicionem e sejam transparentes em seus valores.

;A moda está intimamente ligada à identidade. E, mesmo que a identidade seja pessoal, ela também tem a sua relação social. As lojas começaram a celebrar a diversidade no Brasil, mas todos os aspectos que envolvem a compra devem cooperar para que pessoas de todos os tipos se sintam acolhidas e incluídas;, afirma Barbara Cador, líder global da Kantar, empresa especializada em dados, insights e consultoria.

Em relatório realizado pela empresa com marcas de varejo de moda, foi evidenciado que os ambientes de varejo ; on-line e presencial ; são locais onde as pessoas socializam, exploram, relaxam e se conectam. E os brasileiros, principalmente os mais jovens, valorizam esses pilares: cerca de 52% dos millennials entrevistados indicaram suas preferências em investir em experiências de qualidade.

Dentro da análise, a Kantar indicou que 81% dos consumidores consideram a experiência uma necessidade. ;Cada vez mais, as pessoas buscam por experiências e, no Brasil, esse aspecto é muito mais valorizado quando comparado com a média global. Portanto, é fundamental que as marcas sejam criativas em suas abordagens e ativações;, confirma Barbara.

Ideias boas para projetos que prezam pela qualidade de trabalho ; e consumo ; não faltam por aí. Nos últimos tempos, estilistas e demais empresários do ramo da moda têm firmado parcerias com outras marcas já estabelecidas em busca de colaborações com produtos repaginados para atrair um novo público.

O economista Alexandre Arci esclarece que a tendência de economia colaborativa é mundial. ;Isso não acontece só em Brasília, mas no mundo todo. A grande aceitação aqui está ligada às características da cidade, que recebe pessoas do Brasil inteiro e tem uma diversidade cultural muito forte. O brasiliense gosta de experimentar itens diferentes e o que está se popularizando no mundo.;

Para ele, os principais objetivos das colaborações é manter a qualidade do produto e, mesmo assim, baratear os custos que passam a ser divididos com outros empresários. ;Isso pode ser um grande diferencial para o empreendedor e impacta fortemente o mercado, pois empresas pequenas que não teriam capacidade financeira para ter sua loja própria passam a demonstrar sua marca por meio das colaborações. É uma nova porta aberta.;

A Revista convida o leitor a conhecer marcas autorais ; e collabs ; que andam movimentando o cenário brasiliense e mundial.

*Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte

Brasília no palco do Rock In Rio

;Quem tem boca vai a Roma;, diz o ditado popular. Adaptando a frase, a marca brasiliense Babalong provou que o duo talento %2b ousadia podem levar ao Palco Mundo do Rock In Rio e vestir nada mais nada menos que a cantora Anitta, em sua apresentação com o Black Eyed Peas. E acredite se quiser: a marca conseguiu esse ; e outros feitos ; com menos de um ano de atuação no mercado.

;A equipe dela nos procurou pelo direct do Instagram. Desse primeiro contato até a confecção das peças foi loucura total, a gente não parava! Eram modelagens que não estávamos acostumados e que nunca tínhamos feito antes. Foi um processo intenso;, relembra Débora Alencar Pinto, 26 anos, que está à frente da marca ao lado do irmão, Heitor Alencar Pinto, 24.

Inspirada em vivências dos co-criadores, a marca traz a visão desses baianos-brasilienses para o universo da moda por meio de estampas que carregam suas histórias ; ela, formada em arquitetura pela UnB; e ele, um cidadão do mundo. ;Ele morava em Xangai, na China, quando surgiu a ideia de montarmos a marca, e as roupas de gênero neutro já tinham um público grande por lá;, conta a empresária.

Além de se posicionar no mercado como uma marca agênera, em produções e editoriais, a Babalong, busca dar visibilidade a modelos trans, plus size, negros e não usam retoques nas fotos. O objetivo é mostrar pessoas reais e que estão bem com suas formas e estilo. O trabalho deles envolve a impressão de estampas autorais em tecido acetinado para confecção de camisas, kimonos, shorts, tops e peças diversas.
Marca registrada
Na produção usada pela cantora no Rock In Rio, os irmãos mantiveram a essência da label: confeccionaram o cropped e a pantalona com cetim parisi, que traz leveza e conforto à roupa. ;Fizemos tudo pensando nela, desde a escolha das cores até a modelagem. Mas se tratando de tecidos, não teria como deixar de adicionar a nossa marca registrada;, conta Heitor.
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Dos croquis aos ajustes, Anitta deu palpites e sugestões no outfit. E quando visualizaram o fruto do trabalho em um dos maiores festivais do mundo, a emoção foi certeira. Amigos, familiares e sócios se reuniram em frente à televisão como em dia do jogo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, relembram.

;Foi uma vitrine muito grande para a gente, especialmente porque entramos no mercado da moda no início deste ano. Do Rock In Rio para cá, já a vestimos mais três vezes, mas a emoção ; e adrenalina ; sempre é muito grande;, conta Débora. E sobre o futuro? Heitor dá uma palhinha dos projetos em andamento: ;Alguns artistas internacionais entraram em contato conosco. Por enquanto, é apenas um esboço, mas estamos animados para novas parcerias;.
Streetwear com influência artística
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Um estudante de música responsável pelos figurinos dos concertos de ópera que se apaixonou por confecção e passou a brincar de fazer as próprias jaquetas e camisetas. Foi assim que o jovem Bernardo Rostand, 25 anos, ingressou no mundo da moda e, em 2017, resolveu fazer sua primeira coleção, depois de tantos pedidos. ;As pessoas começaram a gostar das peças que fazia para mim, então resolvi começar a produzir.;

Nessa coleção experimental, era ele o responsável por todos os processos de corte, costuras e bordados. Dois anos depois, o time da marca Rostand cresceu devido à popularidade e à demanda e Bernardo conta com um responsável pela administração, uma costureira exclusiva e eventuais colaboradores do DF com maquinários específicos para algum acabamento da roupa.

O crescimento acelerado da marca se deve aos esforços empregados desde as primeiras peças e ao novo conceito que traz a Brasília de streetwear com qualidade técnica e aparência de alta moda. ;Minha ideia sempre foi fazer roupa-arte, roupa exclusiva e peças únicas. Em uma coleção, tem peças que são vendidas nas lojas, tem as de encomenda e as desenvolvidas exclusivamente no ateliê.;

As três frentes escolhidas para trabalhar apresentam diferenças de valor e público, apesar de manterem o rigor de confecção. As primeiras grandes vendas foram para clientes de São Paulo e do exterior. Porém, após os vestuários da Rostand passarem a serem vendidos na loja multimarca Q.U.A.D.R.A., os clientes candangos também se aproximaram do conceito. Segundo Bernardo, muitos consumidores das peças únicas chegaram ao ateliê a partir da loja.

Arte no DNA
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Como não poderia ser diferente para um amante de arte, as principais inspirações do estilista estão ligadas à teatralidade, à pintura e à fotografia. O DNA da coleção By the Pool Side está nas fotografias de Helmuth Newton e no luxo dos anos 1980. Por sugerir uma festa na piscina, a coleção traz referências às texturas da água e ao movimento dela ao redor do corpo.

;O sonho dourado da marca é ser o relativo à alta-costura francesa no Brasil. Não me limito a Brasília, mas meu ateliê e minha base sempre serão aqui;, assegura Bernardo Rostand, que, recentemente, foi responsável por vestir nomes da música como IZA e o DJ Alok.
Trabalho de collabs
O stylist Marcus Barozzi acumula diversas experiências de construção em colaboração, já que foi responsável por várias coleções de lojas de Brasília. Para ele, cada trabalho é único e exige a compreensão da marca. ;Eu adoro, acho desafiador, é um respiro novo sobre uma label que já tem um DNA e um público. Não podemos esquecer que ela já está ali! Mas óbvio que também quero gerar o desejo e atrair novos consumidores que não fariam um link direto com a marca.;

As colaborações tornam-se constantes uma vez que o profissional vira referência no meio. Uma parceria tem o poder de levar a outra nessa nova tendência do mercado de moda. Em sua recente parceria com a Avanzzo para criar uma linha de camisetas verdadeiramente brasilienses, Marcus abusou das cores do espaço e entregou um produto que encantou a marca. ;Acho que as cores de Brasília são as mais incríveis e vibrantes! O céu, a terra vermelha, os splashes de rosa, roxo, amarelo e branco dos ipês, o pôr do sol alucinante e o povo que tem as cores e misturas do mundo inteiro;, avalia Barozzi.
Para todos os corpos
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;Quando pensei em uma coleção para tamanhos maiores, queria abraçar e incluir mulheres que gostavam da identidade da minha loja e ainda não se viam representadas por completo;, afirma Nila Ataíde, estilista e proprietária da Bôh. A loja, que tem como valores o slow fashion e peças atemporais, lançará a coleção Corpo Afeto no dia 11 de dezembro em parceria com a jornalista e digital influencer Vanessa Campos, que tem como foco a moda inclusiva.

Há quase dois anos à frente da Bôh, Nila trabalha com peças sem ;prazo de validade;, tendo como carro-chefe da marca o slip dress Maria, a saia transpassada Pareô e a blusa Amarre, que possibilitam uma infinidade de maneiras de vestir. Entretanto, os tamanhos não atendiam à demanda que fugia do P ao G. E foi a partir dessa necessidade que surgiu a collab plus size.

;Nila me chamou para um café e lá me fez um convite irrecusável: além de lançar uma coleção que atendesse a mulheres com tamanhos maiores, ela estava genuinamente preocupada em ter como parceira alguém que estivesse em seu lugar de fala e entendesse o que é chegar em uma loja e não encontrar a peça que você gostaria;, conta Vanessa.

Em confecção desde outubro, as 10 peças da Corpo Afeto foram pensadas em mulheres diversas em formas e identidades. Um ponto levado em consideração foi de que nem todas estão completamente livres de se sentirem inseguras com uma parte ou outra do corpo. Mas com o toque fashionista de Vanessa, não faltaram brilho, lurex e saias com fendas para valorizar as curvas.

A dupla responsável manteve na coleção as peças que são sucesso da marca e incluíram modelagens com tecidos que atendam bem desde as mais ousadas até as mais clássicas. As roupas estão disponíveis nos tamanhos um, dois e três, e atendem desde o 46 ao 60.

;Foi uma parceria elaborada com muito carinho. Queremos que as mulheres se sintam representadas, confortáveis em suas próprias peles e que amem o que veem no espelho. Porque a roupa tem esse poder de transpor um pouquinho da nossa essência, da nossa história;, acredita Vanessa.


Conselhos de quem conhece
As peças de Bernardo Rostand têm inspiração artística e conceito de unir o clássico às modelagens modernas: na última coleção, o estilista fez uma festa na piscina no cenário de luxo dos anos 1980
Sarah e Patrícia Skaf alimentavam havia 16 anos o sonho da marca própria, incentivadas pelo pai, que via nas filhas o tino para negócios. Agora, as irmãs decidiram entrar de vez no mercado com a colaboração de uma velha conhecida do público brasiliense. ;A parceria com a Janaína Ortiga é uma junção do nosso desejo de ter uma etiqueta autoral com o know how de quem já teve uma marca autoral e conhece bem a consumidora daqui;, observa Sarah Skaf.

Janaína Ortiga fundou a loja Ortiga quando percebeu uma demanda de produtos que não encontrava em outras marcas, como uma simples camisa branca, e criou verdadeiros laços com as clientes de Brasília. Em 2017, vendeu a loja e se mudou de vez para Belo Horizonte, mas não pensou duas vezes ao receber o convite de parceria com Skaf. ;Eu amei fazer mais uma vez uma coleção pensada para as mulheres que, durante 23 anos, me acompanharam na Ortiga;, avalia.

A coleção Memórias foi construída em conjunto pelas empresárias, com mentoria especial de Janaína, e traz roupas para o alto-verão de 2020 com estamparias de folhagens e predominância de cores neutras. ;Os shapes foram pensados para a mulher brasiliense, que aposta em roupas práticas que vão da manhã à noite, do trabalho para um evento social, mas que tenham, sobretudo, personalidade e conforto.;

Sobre os desafios de desenvolver um trabalho em conjunto, Janaína enfrentou um dilema que não vivia havia alguns anos. ;É mais desafiador no intuito de acertar, porque cada loja tem um mix, e esse mix que precisa ser estudado para a criação da marca própria de forma que não gere competição.;

Além das dificuldades, as profissionais concordam que a experiência é enriquecedora e prazerosa. ;Essa foi a nossa primeira collab e posso dizer que tudo fluiu de uma forma bacana. A nossa energia se parece muito com a da Janaína. Uma experiência que queremos repetir;, atesta Sarah.

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