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Cabeças vazias

postado em 08/12/2019 04:19
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Não dá para entender essa polêmica toda criada por um funcionário do governo federal que afirmou que o rock leva ao satanismo. Desde que Raul Seixas cantou que o ;diabo é o pai do rock; a gente sabe disso.

Aliás, antes; pelo menos desde que Robert Johnson, um dos pioneiros do blues (que daria origem ao rock) cantou: ;Eu e o capeta andávamos lado a lado, eu vou bater na minha mulher até ficar satisfeito; (Me and the Devil;s Blues).

E isso foi no dia 20 de junho de 1937. De lá para cá, a influência do tinhoso cresceu ao ponto de exorcistas de terno e gravata ou batina serem convocados para tentar acabar com o rock. Pelo jeito falharam. E sempre que um garoto pira, botam culpa na música.

O fato é que o cão é um personagem presente em muitas canções. Algumas vezes nem é preciso invocar o nome: ;Prazer em conhecer, espero que saiba meu nome/ O que te confunde é a natureza do meu jogo; (Sympathy for the Devil, Rolling Stones).

Em outras, apresenta-se o cartão de visitas: ;Olhe em meus olhos, você verá quem sou/ Meu nome é Lúcifer, segure a minha mão; (N.I.B., Black Sabbath).

Em muitas ocasiões, a ligação é direta: ;Ei, Satã, já paguei minhas dívidas/ Tocando numa banda de rock; (Highway to Hell, AC/DC). Ou: ;Não quero me libertar, eu quero ser seu escravo/ Eu nasci para viver rock, luxúria e diabo; (Os Replicantes).

Não há a menor dúvida, portanto, que o anjo caído desceu à Terra, ocupou os corpos de Chuck Berry, Elvis e mais meia dúzia para inventar o ritmo infernal. Não se sabe por que ele esperou tanto, desde a aurora dos tempos. Talvez porque estivesse ocupado atentando os compositores de ópera para buscar as almas dos bacanas de golas e punhos de renda.

O funcionário gosta de ópera. Deve saber que Gounod contou a história de Fausto, que invocou o poder infernal de Mephistopheles para ganhar juventude e seduzir a tolinha Marguerite; a história, baseada no livro de Goethe, também serviu de inspiração para Berlioz compor A Danação de Fausto. Mas o beiçudo também perturbou Arrigo Boito para compor Mefistofele.

Há outros personagens demoníacos no mundo operístico, como a feiticeira Alcina, de H;ndel, as fúrias e capetas de Orfeu e Eurídice, de Gluck, e até mesmo os gigantes Fafner e Fasolt em O Anel dos Nibelungos, de Wagner.

O belzebu aparece inteiro em Robert le Diable, de Meyerbeer. O personagem-título é filho do chavelhudo ; na ópera, Bertram ; com uma mortal, e resiste à luxúria até que chega ao limiar de assinar um pacto.

A culpa de tudo parece ser mesmo do trítono, dissonância que teria sido proibida pela Igreja Católica porque, contam, foi criada pelo demo em pessoa. Trata-se de um intervalo capaz de dividir uma oitava ; que tem sete notas ; em duas partes exatamente iguais e que causaria distúrbios musicais.

Por isso dizem que cabeça vazia é oficina do diabo. E parece ter muita cabeça vazia no governo federal.

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