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Ajuda mútua

postado em 15/12/2019 04:08
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Voluntária da Abrace desde os 15 anos, a estudante Bruna Perez, 17, visitava os pequenos pacientes oncológicos para ajudá-los, mas acabava mesmo sendo ajudada. Ela se lembra de uma semana em que estava especialmente estressada e cansada. Vinha de uma semana de provas decisivas. ;Eu achei que se eu fosse, talvez ficasse pior, porque, além de tudo, não conseguiria dar o meu melhor para as crianças, mas fui do mesmo jeito;, conta. Lá, uma menina, de repente, sem a estudante esperar, a abraçou forte e falou: ;Tia, eu te amo muito. Obrigada por vir brincar comigo;. Aquilo transformou o humor de Bruna.

Ela pretendia estudar medicina. Depois, se especializaria em oncologia. Também gostava muito de crianças e foi isso que a levou a ser voluntária na instituição. ;Vi propagandas e me interessei;, conta. A mãe ficou preocupada, porque sabia que a filha estaria em contato com bastante sofrimento, crianças doentes. Pediu para a garota pensar se tinha certeza daquilo. E Bruna tinha: ;Eu disse para ela que o meu objetivo era justamente aliviar as dificuldades das crianças;.

Bruna participou de um processo seletivo e começou a trabalhar na recreação dos pequenos. ;Era justamente onde eu mais queria, mas, desde o início, eu dizia que poderia ficar em qualquer área: limpeza, cozinha;, relembra. Ela conta que era só chegar lá, para os problemas dela sumirem. ;Eu aprendi que os meus problemas não são nada perto do que elas passam. Ver o sorriso das crianças era muito gratificante;, emociona-se.

Aprendendo

A maioria dos amigos de Bruna também achava o trabalho muito pesado emocionalmente, então, ela os convencia a, pelo menos, contribuírem em eventos como o do McDia Feliz, parceria do McDonalds com a Abrace. Ela, no entanto, sempre foi bem forte. Mesmo nas adversidades. ;Uma vez, um dos assistidos passou bem mal na minha frente, mas sempre mantive a calma. Em casa, mostrava para a minha mãe que conseguia lidar. Caso contrário, ela poderia falar pra eu parar.;

As despedidas eram agridoce. Bruna ficava feliz por as crianças irem embora saudáveis, mas estava apegada. Por dois anos, as manhãs de sábado da adolescente era no hospital. Como a Abrace recebe gente de todo o país, ela aprendia palavras e gírias que nem imaginava. Era uma parte interessante também de estar naquele ambiente. Se tinha festa na sexta-feira à noite, conciliava as duas coisas sem se importar. Nem a festa nem o voluntariado eram um peso na vida dela. ;Eu ia porque queria, porque me fazia bem;, conta.

Com a proximidade da conclusão do ensino médio, os compromissos escolares de Bruna ficaram mais intensos, algumas provas começaram a cair nos mesmos dias das visitas às crianças, e a estudante começou a faltar demais. Há poucos meses, precisou parar por um tempo. Também desistiu da medicina e, agora, se prepara para cursar comunicação. Sonha em entrar na faculdade para, em breve, voltar a dar e receber carinho das crianças.

Por onde começar

Diversas instituições têm atividades que também incentivam a caridade com o próximo, como igrejas, abrigos para pessoas em situações de rua, orfanatos, creches, lares de idosos e hospitais para crianças com câncer. Pode ser uma boa maneira de iniciar os trabalhos. Essas tarefas não costumam exigir qualificação e podem ser feitas por crianças e adolescentes.

Além de comprometimento com a causa, é preciso respeitar as orientações da instituição e prezar pelo sucesso das ações. E se a ideia for atuar como voluntário de forma independente, olhe ao redor! Certamente, há pessoas necessitadas por perto. De auxiliar alguém que precisa atravessar a rua a ajudar algumas pessoas com doações, certamente, existe uma tarefa em que você se encaixará.


Lidando com o luto e ajudando o próximo

A estudante Isabela Dias Machado Gonçalves, 18, tinha 11 anos quando perdeu o pai. Foi pouco depois disso que ela e as irmãs começaram a se envolver em trabalhos voluntários. Com a mãe, Jeane Gonçalves, 38, servidora pública, elas visitavam creches, abrigos de idosos, hospitais. ;Foi uma forma de nos fortalecermos. De eu mostrar pra elas que não é só a gente que sofre, que tem muita gente no mundo que passa por dificuldade;, relembra Jeane. A família viveu o luto ajudando os outros.

A servidora cresceu em uma região pobre de São Paulo. Já as filhas nasceram em condições mais privilegiadas. ;A gente não é rico, é classe média. E eu queria que elas vissem o que há por aí. Não queria que elas tivessem a futilidade de sofrer por coisas materiais. Queria colocá-las em contato com a realidade da vida;, justifica Jeane.

O esforço da mãe rendeu frutos. As filhas não só se encantaram por ajudar a quem precisa como nunca mais pararam. ;Eu acredito que um dos propósitos da nossa vida é servir aos outros;, diz Isabela. Nem mesmo com a carga de estudos imposta pelo último ano do ensino médio ; especialmente a uma adolescente como ela, que deseja cursar medicina ; Isabela deixou de trabalhar no grupo do qual faz parte, o Agentes da Alegria.

Só ganhos

Ela conta que, no início deste ano, passava por uma situação complicada: estava em uma escola nova, com muita cobrança, num ritmo intenso de estudo, estressada. Até cogitou não participar da visita a um abrigo de idosos, mas decidiu ir. ;Lá, um senhor estava na cadeira de rodas e começou a conversar comigo, contar sobre a vida dele e começou a chorar. Eu chorei junto. A gente vê outras realidades, mais difíceis do que a nossa. É gratificante, enriquecedor fazer a diferença na vida dessas pessoas;, acredita Isabela.

Mas as visitas preferidas da estudante são a crianças, por causa das brincadeiras. Ela se lembra com orgulho de uma vez em que levou baralho, jogos, esmaltes, secador de cabelo a um lar infantil. ;O pessoal pretendia improvisar quando chegasse lá e acabou que o que eu tinha levado salvou. Nós pintamos o gesso das crianças com esmalte, pintamos as unhas;, descreve.

Isabela já deixou de ir a muitos programas de adolescentes, como festas e encontros com as amigas, por conta do compromissos do voluntariado. Não vê, no entanto, como perdas. Além disso, sempre consegue incluir as amigas mais próximas nos eventos e acaba tendo uma vida social intensa, ao mesmo tempo em que ajuda todos. Agora, ela sonha em poder exercer a medicina em lugares que precisam de ajuda humanitária.

Incentivar é preciso

Os pais podem e devem incentivar a participação dos filhos em ações voluntárias ; em grupos ou individualmente. Para a psicóloga Lia Clerot, não existe uma idade certa para começar a se engajar em ações voluntárias. Vale o bom senso. ;Se são muito novas, elas geralmente não têm consciência do que estão fazendo, as crianças apenas repetem aquilo que os pais fazem;, afirma.

À medida que forem crescendo, é, sim, importante a vivência com outras realidades ; o exercício pleno da cidadania. De acordo com a especialista, o voluntariado impulsiona a autoestima, abre portas para novas amizades e ocupa a mente. E muitas dessas capacidades, inclusive, são importantes para os adultos ; e profissionais ; que serão no futuro.


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