Revista

Gostinho de casa

postado em 22/12/2019 04:08
As irmãs Carla, Amélia e Sandra ainda hoje se reúnem no Natal para comer os bolinhos de bacalhau, receita da bisavó, que atravessa gerações

As primeiras lembranças dos natais em família das irmãs Carla Mendes, 48, Amélia Cristina, 47, e Sandra Mendes de Magalhães, 46, têm cheiro, gosto e um quê de saudade. Carla conta que em uma casa pequena de fundo, no interior de Praia Grande, no Espírito Santo, a bisavó Almerinda Neves ; carinhosamente chamada pelos netos de Vó Ita ; começava os preparos para a ceia ainda nas primeiras horas da manhã, sempre alegre e lúcida. O peixe era desfiado com calma, e o cuidado transparecia no gosto do seu famoso bolinho de bacalhau, que hoje é receita de família: ;Tinha gosto de afeto;, relembram.

O preparo da receita se repetia ano após ano, até que, devido ao avançar da idade, Almerinda não conseguiu mais cozinhá-lo sozinha. Era hora de passar o legado. ;Uma cena que nunca saiu da minha mente é da bisa, se locomovendo com dificuldade e auxiliada por andador, indo orientar minha avó Cissinha para ver se o ponto do bolinho estava certo, pois, se tivesse mais batata que bacalhau, não era o bolinho da família;, lembra Amélia.

Ela conta ainda que, quando o ponto estava aprovado e avó Cissinha era liberada para continuar a receita, a bisavó sentava e a ajudava a enrolar os bolinhos. ;Nós, crianças, também participávamos desse momento e, até hoje, eu deixo que minha filha me ajude a enrolar os bolinhos, quando faço a receita, para que, quando crescer, ela repita nossa tradição na casa dela;, diz.

Rituais mantidos

Como a passagem de tempo chega para todos, a infância das irmãs ficou para trás e, com ela, as lembranças dos tradicionais natais organizados por vó Cissinha e vó Ida, ambas já falecidas. O curso da vida também levou cada irmã para um canto do país: Carla se tornou cirurgiã em Brasília; Amélia Cristina mudou-se para Vitória da Conquista (BA), onde exerce a medicina; e Sandra achou seu recanto em Manaus, onde se casou e teve o filho, Heitor Augusto, hoje com 18 anos.

A saudade e a distância fizeram com que a volta ao Espírito Santo durante as celebrações de fim de ano se tornasse obrigatória, tanto para reviver o sabor do bolinho que hoje é preparado pela mãe, Ignez Maria, quanto para compartilhar com os filhos a essência e a tradição da família Magalhães Mendes.

Na ceia, que é sempre farta, outras receitas também ocupam seu lugar na memória afetiva da família, como o peru recheado do pai e a rabanada da mãe. Troca de presentes e ida à Missa do Galo também fazem parte do combo natalino. ;Fazemos questão de relembrar nossos laços nessa data. Na hora da troca de presente, sempre temos que fazer uma cartinha para a pessoa, e a Missa do Galo é programação obrigatória, pois na nossa família a data é religiosa;, conta Carla.

Para a cirurgiã, todos esses momentos representam a cultura e a história dos Magalhães Mendes. ;Por nossa família ter um forte apelo gastronômico, costumo falar que o Natal tem gostinho de família. As outras datas até passam, mas, nesta época do ano, a gente sempre dá um jeito de se encontrar e, mesmo que não dê para comemorar juntos no dia 25, repetimos todos as receitas que lembram nossa família.;


E o Oscar vai para... os Vieira Lima

A família de veia artística na qual nasceram as irmãs Alice Vieira Lima, 21, e Letícia Vieira Lima, 24, sempre buscou inovar quando assunto é Natal. Apesar de apresentações de dança, troca de presentes e shows ao vivo com os membros mais talentosos fazerem parte das noites natalinas, os Vieira Lima só encontraram uma tradição para chamar de sua em 2011, quando Alice e Letícia decidiram lançar o ;Oscar da Família;.

;Nós sempre vamos passar as festas de final de ano em São Luiz, no Maranhão, onde a maior parte da família mora. Certa vez, quando fomos decidir quais seriam as brincadeiras da noite, pensamos nesse Oscar, com categorias que se identificassem com a personalidade de cada um;, conta Letícia, que vê o prêmio como uma maneira de aproximar ainda mais a família.

A jovem conta que, no começo, as categorias eram mais genéricas. Aos poucos, o Oscar foi absorvendo as individualidades dos parentes. ;A brincadeira começou a ser uma forma de atualizar a família sobre o que aconteceu com cada integrante durante o ano, assim os prêmios são mais sobre as conquistas dos nossos tios e primas ao longo ao ano do que sobre como eles são no dia a dia;, explica Alice.

Nascidas em Brasília, mas moradoras do Rio de Janeiro, as irmãs são as responsáveis por apurar tudo que aconteceu com os familiares durante o ano, assim como definir qual será a estatueta ; um brinde ou algo do gênero ; e preparar os power points que anunciam os ganhadores da cerimônia que elas mesmo apresentam. ;Tentamos não deixar tão na cara quem ganhou o quê. Procuramos manter o suspense. E, nessa história, já passamos por várias categorias inusitadas, como ;Brilha uma estrela;, ;Anfitrivida; e o ;Rei do hambúrguer;;, conta Letícia.



Homenagens

Há alguns anos, a comemoração ocorre na casa da servidora pública Gisele Fernanda Vieira Lima, 46, que também é a responsável pela decoração da casa e da ceia ; tarefa que rendeu a ela os prêmios de ;Blogueira do ano; e ;Decoradora n; 1;. ;O último foi em um ano que minhas decorações começaram a chamar a atenção e algumas pessoas se interessaram no meu trabalho. Foi assim que montei uma pequena empresa de decoração;, relembra a tia.

Outra que faturou prêmios inusitados foi Letícia, que se orgulha de ter ganhado a categoria ;Julius; ; alusão ao personagem do seriado Todo mundo odeia o Chris, na qual o personagem Julius tem dois empregos ; no ano em que fez dois estágios simultâneos. ;Foi um época bem puxada, mas na qual ganhei muita experiência, o que foi muito importante, porque eu estava no final da minha graduação;, conta a designer.

De ;Oscar da Família;, o prêmio passou a se chamar ;Osmar Lima;, em homenagem ao avô que faleceu que era a alegria da família. ;Ele era um sujeito elegante e muito alegre, havia ganhado as categorias de ;Melhor dançarino; e ;Figurino mais elegante;, pois sempre estava bem-vestido, tinha aquele típico jeito de malandro carioca ; calça de linho, sapato combinando e chapéu. A homenagem é uma forma de entender melhor a saudade e manter viva a sua memória;, conta Alice com carinho.


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