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Mudança com responsabilidade

Correio Braziliense
postado em 12/01/2020 04:09
O processo de transição tem etapas. A primeira delas é o bloqueio puberal ou hormonal, feito nos pré-adolescentes e adolescentes. O ideal é que seja realizado antes de a puberdade se iniciar, impedindo, assim, o aparecimento dos caracteres sexuais secundários do sexo biológico do jovem, como a barba ou o crescimento dos seios.

Quanto mais tarde é feito o bloqueio, mais chances a pessoa tem de desenvolver características físicas típicas do gênero no qual nasceu e não se identifica. “Quanto mais velha a pessoa, mais difícil é a transição em termos de passabilidade. Quanto antes interferir, melhor”, explica Luiz Fernando Marques.

Tanto Luiz quanto o psiquiatra Alexandre Saadeh deixam claro que, em nenhum momento, duvidam da criança ou do jovem que se identifica como transgênero, mas existe uma avaliação multidisciplinar para que se tenha certeza do diagnóstico, garantindo, assim, mais segurança ao processo ao qual o jovem se propõe a passar.

Alexandre esclarece que é necessário estar atento e acompanhar a criança, observando como e com o que ela se identifica e deixá-la seguir o próprio curso de autodescoberta. “É importante acompanhar e estimular que a criança revele o que se passa dentro dela, mas não podemos ir na frente da criança e definir se ela é cis, trans, homo ou heterossexual”, completa.

Algo que comumente acontece, tanto por parte das famílias quanto das próprias crianças e jovens, é achar que é homossexual, antes de se perceber trans. Quando começa a chegar à puberdade e o corpo inicia a mudança, o jovem tende a experimentar um sofrimento intenso com suas características físicas. “Quando entramos com o bloqueio, damos um tempo a mais para que aquele jovem se descubra e se conheça.”

Entre as vantagens do processo de transição iniciado na adolescência, está, justamente, o fato de que o bloqueio hormonal é reversível e não causa danos ao desenvolvimento. Alexandre explica que, caso a criança ou o jovem desista durante o processo, não haverá danos. Parando com o bloqueio, ele passará pelo processo de puberdade do corpo em que nasceu, sem prejuízo ao desenvolvimento ou ao crescimento.

Facilitadores
No Amtigos, a hormonização, ou seja, a administração de hormônios do gênero no qual a pessoa se identifica, inicia-se a partir dos 16 anos. No Brasil, apenas três lugares começam o processo antes dos 18 anos — além do ambulatório da USP, um projeto vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul e outro à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Os atendimentos realizados são baseados em projetos de pesquisa, de acordo com determinações do Conselho Federal de Medicina. Atualmente, no Amtigos, são atendidas 85 crianças e quase 300 adolescentes.

Além de auxiliar e atender essas crianças e jovens, os projetos permitem coleta de dados e a fundamentação e publicação de trabalhos que facilitarão cada vez mais a vida das pessoas trans. “Precisamos mostrar que essas crianças existem, sempre existiram, mas, agora, elas são vistas. Isso vai dar um significado muito grande na história dessas pessoas, para que elas possam ser quem são e não quem a sociedade gostaria que elas fossem”, completa Alexandre.

O acompanhamento inclui as especialidades de psiquiatria, psicologia, endocrinologia, pediatria generalista, fonoaudiologia, enfermagem e serviço social. Os protocolos se baseiam em pareceres do CFM e de pesquisas feitas em outros países, como Canadá, Holanda, Estados Unidos e Inglaterra.




Aparência
É o termo usado para se referir a homens e mulheres trans que não têm características do gênero em que nasceram e contam com aparência semelhante a pessoas cis. Ou seja, pessoas trans que “se passariam” por pessoas cis. Controversa, para algumas pessoas trans, a característica é uma vantagem; para outras, não, pois elas desejam ser vistas e percebidas como trans, apesar de todas as dificuldades e preconceitos que isso pode ocasionar.




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