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A transição depois da puberdade

Correio Braziliense
postado em 12/01/2020 04:09

"Eu comecei a ajudar as pessoas mostrando quem eu era, e isso foi maravilhoso: poder fazer minha parte pela comunidade LGBTQ"
Samantha Carvalho Gregório


Assim como grande parte das crianças transgênero, antes de se descobrirem e se identificarem como pessoas trans, dois dos jovens que aceitaram dividir suas histórias, Lucas Miguel Epaminondas Silva, 19 anos, e Samantha Carvalho Gregório, 17, achavam que eram cis homossexuais.

Desde pequena, a estudante Samantha se identificava com temas e objetos relacionados ao universo feminino. Sentia-se livre e feliz quando podia brincar de boneca com as amigas. Gostava de observar a mãe se maquiando e sonhava em ser como ela. Mas, desde os 8 anos, sentia que não podia querer tudo o que queria porque eram “coisas de menina”, e ela nasceu em um corpo masculino.

“Eu era muito reprimida em tudo que tinha de mais feminino, e passei a enxergar esse lado meu como algo muito negativo”, lembra. Aos 12 anos, sentia que precisava se reafirmar como “homem de verdade”. Fez uma lista das meninas da sala para eleger de quem “ia gostar” e tentar namorar para “provar que era macho”.

Com muita dificuldade de autoaceitação, aos 13 anos, Samantha se assumiu aos amigos mais próximos como bissexual; aos 15, se disse gay. Mas algo ainda não se encaixava. A jovem não se sentia bem com o próprio corpo, não gostava de ser tratada com pronomes e nomes masculinos, mas não conseguia entender direito o que a incomodava.

A autoaceitação
Em uma conversa com uma amiga, expressou a possibilidade de talvez ser trans. “Ela, que já tinha perguntado uma vez se eu achava que era trans, só perguntou como eu queria ser chamada. Dois dias depois disso, eu não tinha dúvidas de que eu era uma mulher e queria viver como tal”, lembra.

Samantha morava com o pai, que sempre a aceitou como era, mas o processo, desde a autodescoberta, foi difícil para a jovem, que lutou contra crises constantes de ansiedade e depressão. Entre 15 e 16 anos, começou a usar maquiagem e a modificar as roupas que ainda eram masculinas, deixou os cabelos e as unhas crescerem. No segundo semestre do segundo ano do ensino médio, mudou o nome na escola, e ali tudo melhorou. “Eu me sentia mais livre”.

No terceiro ano, mais segura de si, fortalecida e madura, Samantha ia de salto para escola e  ajudava pessoas que também lutavam com questões semelhantes. “Eu comecei a ajudar as pessoas mostrando quem eu era, e isso foi maravilhoso: poder fazer minha parte pela comunidade LGBTQ.”

Samantha faz questão de se apresentar como “uma mulher trans, travesti”. E assume a militância, lutando contra o assédio e reafirmando seu lugar de direito na sociedade. “Acho necessário. Pessoas morrem por isso, e preciso fazer a minha parte, lutar para que o mundo seja melhor.”

Ela tem acompanhamento psicológico desde nova e, com a ajuda do pai, o corretor de imóveis Lázaro Gregório, 56 anos, tem todos os documentos retificados, inclusive a certidão de nascimento. “Resolvi entrar na Justiça logo. Com essa onda conservadora que vivemos, tive medo que os direitos dela retrocedessem e não quis esperar ela fazer 18 anos”, conta.

Quando completar 18, Samantha vai começar o processo de transição com a hormonoterapia, mas afirma não ter vontade de fazer a cirurgia de redesignação por se sentir bem com o órgão sexual.

Lázaro afirma que, apesar de sempre ter acreditado que as pessoas têm o direito de ser quem são, se preocupa com a segurança da filha. “O mundo é cruel com quem é diferente, e nenhum pai deseja que seus filhos sofram, mas a obrigação de pai e mãe é estar ali, apoiar. Deus te deu para você cuidar”, reflete.

O pai ainda aproveita a oportunidade para celebrar o fato de ter uma filha livre para ser quem ela é. “Eu gosto muito de ser pai da Samantha. Acho muito legal o posicionamento dela no mundo, na escola, e de uma forma geral. O fato de ela existir da forma como existe, para mim, é incrível”, declara.










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