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Crônica da Revista

Os crimes, lembro bem, tinham toques surrealistas e contados aqui, tenho certeza, vão parecer invenção e enredo de filmes B

Correio Braziliense
postado em 19/01/2020 04:10
Os crimes, lembro bem, tinham toques surrealistas e contados aqui, tenho certeza, vão parecer invenção e enredo de filmes B

Assaltos surreais

Nunca fui assaltado. Isso, no contexto brasileiro, deve ser ao mesmo tempo um privilégio e um milagre. Não sei bem por qual razão os criminosos me concedem esse benefício, mas torço muito para que a estatística continue assim: zerada. Morei os primeiros 18 anos da minha vida no interior de Minas Gerais e estou há outros 10 em Brasília. Já me meti em situações de risco e tenho certeza de que não faltaram oportunidades para que esta virgindade me fosse roubada.

Frutal, minha cidade no interior mineiro, ficou conhecida recentemente por um crime bárbaro, mas não é exatamente o que podemos chamar de um lugar perigoso. Tenho um primo, no entanto, que diria o contrário. Ele é pouco mais velho que eu e dividimos por um tempo o mesmo quarto —  nos nossos tempos de ensino médio. Naquela época, enquanto eu permanecia distante do olhar dos algozes, ele era vítima constante de assaltos. Os crimes, lembro bem, tinham toques surrealistas e contados aqui, tenho certeza, vão parecer invenção e enredo de filmes B, mas, juro, são totalmente verdadeiros.

Sempre tentei entender por que Victor — com C, como ele gostava de frisar — era alvo tão constante dos bandidos. Ele era (é, na verdade) um rapaz alto e magro. Gostava de usar tênis da moda e uns óculos de sol que eu julgava de gosto duvidoso, mas que faziam sucesso. Talvez fosse isso. Os acessórios brilhantes enchiam os olhos de todos, das meninas da escola e dos delinquentes que queriam roubá-lo.

Os roubos contra Victor viraram minhas histórias favoritas de fim de ano. Não há um Natal em que eu não peça para que ele conte de novo. Ele é bem-humorado e na esportiva lembra tudo com detalhes.

Victor sempre foi um cara de grupos, tinha muitos amigos. Numa noite do início dos anos 2000, saiu com colegas para andar pela cidade e bater papo, como se costumava fazer antes do advento (tenebroso) dos grupos de WhatsApp. Lá pelas tantas, foram interpelados por dois ladrões. Com uma faca de pão, os meninos foram rendidos e enfileirados na beira de um muro.

Victor não tinha nada. Só um celular daqueles antigos — um clássico Nokia 1100 — e um pacote de chicletes. Ele escondeu o aparelho dentro da cueca para evitar que o levassem. O problema é que um amigo atrasado resolveu ligar. Enquanto o telefone vibrava, meu primo tentava disfarçar o incômodo. Quando chegou a vez dele, disse a um dos bandidos: “Quer um Trident?”. “Tá me tirando, mano?”, respondeu o larápio, que, apesar disso, aceitou e, com a grana dos outros colegas, foi embora sem o celular de Victor.

A história clássica, no entanto, tem contornos religiosos. Na mesma época, Victor voltava sozinho de um (hoje obsoleto) curso de informática quando foi, novamente, abordado por um bandido. O cara pediu R$ 10 para deixá-lo em paz, mas Victor outra vez não tinha nada. Numa olhada ao redor, meu primo percebeu que havia uma igreja e pediu ao ladrão que esperasse porque ele conseguiria o dinheiro lá e voltaria para pagá-lo.

Um rapaz de palavra, Victor entrou no templo, onde o pastor abençoava um grupo de mulheres e expulsava espíritos ruins delas, e pediu, em desespero: “Pelo amor de Deus, me dá R$ 10 para eu dar pra um ladrão ali fora”. Ele conseguiu, foi lá, entregou o dinheiro ao assaltante e voltou para agradecer. Mas o pastor, meio incrédulo, não o deixou ir embora. “Senta aqui”, disse o religioso e começou um longo ritual de purificação. Reza a lenda que deu certo. Depois disso, nenhum bandido tentou roubar meu primo novamente.





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