Correio Braziliense
postado em 26/01/2020 04:10

“Como fazer as pessoas gostarem de mim?” A dúvida não é bem minha, mas de milhões de brasileiros que foram ao Google buscar uma solução para essa questão no ano passado. A internet, como era de se esperar, não oferece respostas satisfatórias para o problema, mas o fato em si, ampliando um pouco o foco, me parece um tanto revelador: estamos nós, brasileiros, todos pelo menos um pouco tristes e sem direção.
Essa me parece uma pergunta bem justa em tempos nos quais é difícil que nós mesmos encontremos razões para ver valor no que somos. Num país em que nazistas (do governo federal) recitam jograis em vídeos bizarros e em que declarações absurdas pipocam de segundo a segundo nas nossas telas — nas grandes e nas minúsculas — é bem complicado ter esperanças.
Como ter autoestima e gostar de nós mesmos, se estamos todos curtindo uma ressaca aguda e permanente. No Brasil dos últimos tempos houve um único dia sem desilusões? Não me recordo. Todos os dias, acho até que acordamos com a fé de que tudo será melhor, de que conseguiremos seguir adiante. Mas nem é preciso sair da cama ou tomar o café para se convencer do contrário.
Mesmo o mais desinformado dos brasileiros sabe que as coisas não vão bem, que estamos, de um certo modo, o tempo todo, respirando um ar de desamparo e de medo do que virá. As guerras cibernéticas e o culto ao mundo inventado e fútil das redes sociais dão um tempero mais cruel a tudo isso. Qual foi a última vez em que conseguimos discordar sem berros? Em que houve um pouco de sensatez nesse mundo de gritaria e certezas demais? Em que fomos felizes fora do Instagram?
Temos, acho que está claro, motivos demais para ser tristes, mas carrego comigo alguma esperança. Pode até ser que seja utopia e ingenuidade — não me incomodo se quiserem chamar assim — mas acredito que um olhar profundo pode nos levar além do Brasil de absurdos, de Olavos, de desespero e de Terra plana.
“Como fazer as pessoas gostarem do Brasil?” Não tenho respostas exatas para a pergunta que não foi feita ao Google, assim como não tenho soluções definitivas para quase nada. Mas arrisco meus chutes, penso no que faz bem, no que torna suportável nosso cotidiano de máquina, de tédio e de desilusão. E se posso tentar uma resposta: só a cultura salva e, por isso mesmo, tanto a atacam.
Não acredito que um país que gestou Os Novos Baianos, João Gilberto e Os Mutantes possa estar fadado ao fracasso. Não é possível que a terra de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, Elis Regina e Sérgio Sampaio seja isso aí que estamos vendo, um lugar brega, jeca, tomado por uma bruta vulgaridade.
Penso no Brasil que permanece vivo, para ir muito além do saudosismo. E, me desculpe, não posso deixar de gostar de um lugar em que nascem ainda hoje, no meio de toda a lama, Tim Bernardes, Dandara, Giovani Cidreira, Baco Exu do Blues, Baiana System, Bruno Batista, Juliano Guerra e Xênia França. E só posso ter a certeza, mesmo que utópica, de uma coisa: quem pariu Machado de Assis e Guimarães Rosa há de ser capaz de engolir esses monstros que vociferam no noticiário.
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