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O medo no futuro.

Correio Braziliense
postado em 22/03/2020 04:17

Vamos partir do princípio que no futuro ainda existirão livros. Mas não sei se algum autor vai se dispor a contar em páginas uma história que tenha a tal Covid-19 como pano de fundo ou até como mote principal, mas a literatura – e seu cunhado agregado, o cinema – já se esbaldou com doenças e epidemias, narrando catástrofes em várias línguas e culturas. 

Ainda não é possível ter a dimensão real do impacto do novo vírus para saber se ele pode ser transformado num romance aterrador como A Peste, de Albert Camus, no qual ratos mortos provocam uma epidemia em Argel. Ou se teríamos uma narrativa bem mais realista, como a de Peste e Cólera, de Patrick Deville, biografia que conta as peripécias de Alexandre Yersin, obcecado cientista que ajudou Pasteur a debelar a peste bubônica em Hong Kong.

Pode ser que algum romancista se inspire para fazer uma obra mais marcante como o Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, onde todo o mundo – menos uma mulher – deixa de enxergar, revelando os aspectos mais vis da alma humana. 

É o mesmo que se vê nos quadrinhos, e posteriormente na tevê, em The Walking Dead (Os Mortos-Vivos), de Robert Kirkman e Jay Bonansinga, onde o mundo é infestado por um vírus que transforma pessoas em zumbis – os não infectados viram selvagens reunidos em tribos que disputam espaço e comida.

Os vírus também foram protagonistas no cinema, em filmes como Contágio, de Steven Soderbergh, que começa com uma mulher vinda de Hong Kong com uma estranha infecção, passado para tentar deter uma epidemia iniciada 30 anos antes – o sucesso do filme foi tão grande que depois virou uma série de tevê com três temporadas.

Agora, os teóricos da conspiração já encontraram alimento para a insaciável sede de transformar ficção em realidade, com uma interpretação do livro The Eyes of Darkness, de Dean Koontz, tratado como premonitório. É uma bobagem o que está nas rede sociais, aproveitando coincidências, como  o fato devo vírus ser chamado de Wuhan-400, mesmo nome da cidade onde o novo corona surgiu, acompanhada do numeral, que, na matemática delirante, seria uma variação de 20 + 20. 

Falta saber é se a primeira pandemia da era digital conseguiria sustentar um romance, com todos os dramas e reviravoltas inerentes ao gênero. Torço para que não, porque só quis participar da história de um livro até completar uns 14 anos – antes, como quase todo mundo, queria ser Peter Pan, ou Huck Finn ou até o Pedrinho, neto da Dona Benta. 

Até agora o enredo está meio atrapalhado, com presidentes meio amalucados, que falam em fantasia embora tenham feito exame para saber se estavam infectados, que saem abraçando todo mundo ou se desmentindo na maior sem cerimônia. Não prestam nem para vilões, muito menos para bufões. Os coadjuvantes também não se entendem, assim como a massa de extras, que não serviria para participar de um daqueles filmes épicos de Cecil B. de Mille, tão bagunçada que é.

Nem sempre a vida imita a arte.
 

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