Revista

Amor que não se isola

O recolhimento necessário para evitar a disseminação do coronavírus desperta vários sentimentos. O melhor deles é a solidariedade

Correio Braziliense
postado em 29/03/2020 04:08
Catarina e Victoria Henriques (no primeiro detalhe), e as amigas do projeto Quarenteneamor

Em meio à pandemia do coronavírus, muitos correram para se abastecer de álcool em gel, máscaras descartáveis e alimentos em geral, esgotando os produtos, impedindo que outros pudessem comprar. As críticas a esse comportamento foram muitas. Mas, se por um lado houve atitudes desesperadas e egoístas, por outro, muitos brasilienses manifestaram solidariedade e preocupação com os próximos dignas de aplausos.

As pessoas demonstraram não estar preocupadas apenas com a própria saúde, bem-estar e situação financeira, mas também com a dos outros. Além do comprometimento em ficar em casa (essencial para evitar a disseminação do coronavírus), não faltaram iniciativas para ajudar uns aos outros, seja economicamente, com um pouco de tempo, com serviços e até com dinheiro.

Na vizinhança

Embora Brasília tenha a fama de ter vizinhos que não se relacionam e sequer cumprimentam com “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”, moradores mais jovens e saudáveis de muitos prédios e condomínios dispuseram-se a ir ao mercado e à farmácia para aqueles a quem sair de casa seria um grande risco, como idosos e pessoas com comorbidades diversas.

No último domingo (22/3), o morador da Asa Sul Luiz Motta, 50, servidor público, foi ao mercado para o vizinho Théo Santos, 77, aposentado, que mora dois andares acima do dele e da família. Luiz espalhou flyers se propondo a ajudar e recebeu o pedido do senhor, que mora sozinho com a irmã Ilza, que tem mais de 89 anos.

Ele mudou-se do Rio de Janeiro para a capital há quatro anos, a convite dela. “Ela precisava de alguém para ajudá-la a gerenciar a casa. Como nenhum de nós casamos, somos muito ligados e sempre nos demos bem, concluímos que seria mais fácil”, conta Théo.

Ele já havia morado aqui em 1963. “A cidade era uma aldeia. Só tinha a W3”, relembra. De volta, com a capital tão grande, e com o isolamento social atual, os dois dependeriam de sobrinhas que moram longe da Asa Sul. “Quando eu vi (a mensagem de Luiz), achei ótimo, porque era melhor do que esperar um amigo de Santa Maria ou a sobrinha de Águas Claras”, pondera. Além disso, Théo não tem o costume de fazer compras pela internet.

Na assinatura do flyer: Luiz e Mariana. É a filha dele, de 10 anos, que faz questão de ajudar. Como a recomendação é para que saiam de casa o mínimo de pessoas possível, a função dela é ficar a postos para atender o interfone, caso toque. Théo notou a voz infantil, mas só soube de que se tratava, de fato, de uma criança, quando conversou com a Revista.



Théo e Luiz não se conheceram pessoalmente. Todo o trâmite foi feito no hall do edifício. O aposentado deixou um envelope com dinheiro e Luiz retornou com as compras em uma caixa e a nota fiscal. Os dois não tiveram contato físico, para garantir que não houvesse contágio. Segundo Luiz, a região tem muitos idosos que podem precisar, então, ele se prontificou. “A gente tem que se unir como sociedade. Não dá pra só esperar do governo e não fazer nada”, defende. Para Théo, que não conhece quase ninguém do prédio, — em contraposição a onde morava no Rio de Janeiro, onde conhecia todo mundo — há males que podem vir para o bem. E ele acredita que essa crise pode ser esse caso: “Talvez isso faça a gente repensar as coisas e criar um mundo diferente, menos materialista e egocêntrico”.

Bruna Pinheiro, 52, funcionária pública, e o marido estão dispostos a fazer o mesmo, no Park Sul. Eles decidiram reproduzir a ideia que viram na internet. Conversaram com a síndica do condomínio e passaram a oferecer, no grupo de WhatsApp dos moradores, o serviço de ir ao mercado e à farmácia para quem não pudesse, por estar no grupo de risco da Covid-19. “Rapidinho várias outras pessoas se voluntariaram”, comemora Bruna. Até então, só uma senhora entrou em contato perguntando  como seria o pagamento. Ela acredita que, com o passar dos dias em quarentena, essa mulher e muitas outras a procurem.

A servidora costuma praticar a solidariedade na igreja, com trabalhos em creches e distribuindo sopa na rua. Mas, para ela, atitudes como a dela, neste momento, são ainda mais importantes: “ A gente vê tanta gente, agora, sendo egoísta, acabando com estoques de produtos que todo mundo precisa”. Ela admite que a única moradora idosa que conhece no condomínio é a vizinha de porta, mas a situação é atípica e muitos vizinhos interagem. “Como aqui é grande e tem salão de beleza, atividades esportivas em grupo, acaba que fazemos amizade”, explica.


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