Revista

Mais um vírus letal

Correio Braziliense
postado em 29/03/2020 04:09
Do coronavírus e dos arborvírus, como dengue, zika e Chiugunha, todo mundo já sabe até demais. Mas estamos diante de uma outra grave epidemia que mostra que, em muitos casos, a humanidade já acabou e desta vez não dá pra culpar um bichinho microscópico. O verme é o bicho homem.

A doença vem na forma da festa dos idiotas nas redes sociais, com desinformações e boatos graves que são apenas a versão moderna — mais muito mais letal — dos trotes. Parece ser este o próximo estágio da evolução. Estamos voltando ao mundo das amebas.

Não se trata das piadinhas, brincadeiras, gaiatices que servem para suavizar uma dificuldade, mostrar que, diante de uma pandemia, continuamos vivos, mantemos a fé no futuro e ainda conseguimos, no riso, uma válvula de escape, ainda que presos. Também não são mais os fuxicos irresponsáveis que atrapalham a vida de um ou outros. Agora há um festival de maldades disfarçadas que revelam a pior face do ser humano: não apenas a falta de solidariedade, mas o egoísmo em última escala.

A ponerologia, o estudo da maldade humana, é antiga. O termo foi cunhado pelo psiquiatra polonês Andrzej Lobaczewski, a partir de um estudo sobre psicopatas. O filósofo prussiano Immanuel Kant foi além: dizia que, apesar de ter uma disposição original para o bem, o ser humano tem uma propensão para o mal. Ou seja, a vida nos torna piores.

O que leva uma pessoa a inventar e divulgar uma história que ela sabe que vai prejudicar milhares de pessoas? Aqui mesmo em Brasília há milhares de pessoas recolhidas a contragosto, procurando a segurança do lar, saindo o menos possível, se desinfetando quando voltam. Mas, seguramente, o nome de idiotas é maior do que o de infectados.

E são eles que infestam telefones e computadores com mensagens que procuram elevar o pânico da população. A primeira falsidade foi afirmar que as aulas estavam suspensas porque o filho de uma autoridade não tinha estudado para a prova; depois vieram outros: velho que estiver na rua vai ser preso, toque de recolher total, escondem o verdadeiro número de mortos... e por aí vai. Não é engraçado, não tem utilidade, não vale o esforço.

No curso de Comunicação Social ensinava-se ética e jornalismo a partir das teorias do canadense Marshall MacLuhan, que lançou a ideia da aldeia global 30 anos antes da invenção da internet. Certamente, não imaginava a mixórdia de hoje, quando um sujeito qualquer inventa uma notícia, posta numa rede social e dissemina a irresponsabilidade, como esses energúmenos que, mesmo sabendo-se infectados, saem pela cidade espalhando o vírus.

Antes mesmo de McLuhan, Nelson Rodrigues vaticinava que os idiotas iam dominar o mundo, simplesmente pelo fato de serem muitos. O mundo deu razão a eles. Na hora em que todos tiveram voz, criou-se uma anarquia do pensamento, o mundo voltou à barbárie, quando vencia quem tinha a maior clava.

É um mundo tão esquisito que não há mais mentira. A pós-verdade criou o novo vale tudo. E esse mau-humor.
 

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