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Doenças psicossomáticas

Correio Braziliense
postado em 05/04/2020 04:28
Hoje em dia, não é raro ouvir sobre pessoas que adoeceram em decorrência de questões emocionais. Essas patologias que envolvem corpo e mente são conhecidas como doenças psicossomáticas e podem aparecer das mais diversas formas. 

Em uma escala menor, dores de cabeça ou de garganta podem representar assuntos internos que precisam ser resolvidos. “Muitas também surgem relacionadas ao estômago, como ânsia, gastrite nervosa, diarreia e até prisão de ventre”, explica a psicóloga Andressa Pellis Pimentel. 

Segundo ela, as doenças psicossomáticas são indicadas como sintomas característicos que se manifestam quando a pessoa passa por um episódio de tensão, frustração, ansiedade, medo, ou como um incômodo constante, como uma dor no ombro sem aparente causa, quando a situação estressante se estende. 

A avaliação médica é necessária para descartar os problemas biológicos e fazer o encaminhamento necessário, seja para psicólogos ou psiquiatras. “O primeiro ponto é descartar as questões físicas. Se fez todos os exames e não encontrou nada, é preciso o acompanhamento psicológico”, avalia a psicóloga, que também é coordenadora educacional da Escola da Inteligência.

A neuropsicóloga Juliana Gebrim também defende a medicina integrada e a avaliação global do paciente. Ela explica que a medicina tradicional nem sempre tem um olhar por completo, fazendo com que pacientes com sintomas como dores no peito, dificuldades para respirar e dores de cabeça vivam uma peregrinação em hospitais. 

Ela destaca o estresse como principal vilão em decorrência da alta produção de cortisol, que pode causar entupimento de vasos e desgastes em todo o organismo, ao assimilar vitaminas e impedir que elas cheguem às partes do corpo que precisam. 

Além do estresse, menciona a supressão da tristeza como uma grande responsável pela psicossomatização, quando o corpo transforma emoções em manifestações físicas. “A sociedade exige que todos estejam bem o tempo todo, o que faz com que as pessoas neguem e escondam a tristeza, quando deveriam lidar com ela e com as frustrações”, explica. 

Há casos em que as exigências da mente podem agravar sintomas já existentes e se apresentem de forma mais grave, como são os casos de Sandra de Oliveira, pensionista de 51 anos, e Luciene Souza, dona de casa de 38 anos, que sofrem com fibromialgia e ansiedade. 

A primeira é doença conhecida como síndrome de dor muscular crônica e geral, de etiologia desconhecida. Suas crises têm grande relação com a segunda, caracterizada por sentimentos de preocupação, medo, excessivos, que interferem na vida cotidiana. 

Para a pensionista, essa relação é clara. “Sentia dores em todo o meu corpo, principalmente quando estava nervosa ou estressada. Fiz o exame e foi diagnosticada a fibromialgia”. 

Sandra relata que hoje sente mais dores nas juntas das mãos e que, quando começa a comer compulsivamente, um sinal de ansiedade para ela, recorre às tarefas da casa enquanto ouve música para afastar as crises das patologias. 

Luciene não pode mais trabalhar, pois em alguns momentos, as dores são tão intensas que a impedem de realizar tarefas simples, como beber um copo de água. “Hoje meu quadro psíquico está piorado também. Então, uma fila que não anda me causa irritação, surtos e dores nos braços e na cabeça”. 

Na tentativa de melhorar a qualidade de vida, ela faz tratamento com remédios e chegou a praticar ioga e fazer algumas sessões de terapia para controle da ansiedade e do estresse, mas as experiências não geraram o resultado esperado. 

A médica reumatologista Sandra Maria Andrade aponta que uma pesquisa da Revista Brasileira de Reumatologia identificou 96% das mulheres portadoras de fibromialgia com estresse, 50% com ansiedade e 20% com depressão — com ressalvas que o resultado pode estar ligado à própria condição de dor crônica. 

Ela explica que essa conexão é estudada há vários anos — um dos primeiros estudos é de 1999 — e que, atualmente, se analisa a sua origem. “Tanto os distúrbios psiquiátricos quanto a alteração de percepção da dor da fibromialgia podem estar ligados a fatores genéticos, responsáveis pela síntese de neurotransmissores como serotonina, adrenalina, cortisol. Assim, teríamos uma doença com aspectos semelhantes e que responderia a tratamentos farmacológicos que normalizam as desordem dos neurotransmissores, às terapias comportamentais e medidas físicas, como atividade aeróbica, que comprovadamente modula os neurotransmissores”, avalia. 

O sagrado feminino — corpo e mente da mulher

Além de todas as questões que ligam corpo e mente, as mulheres têm um fator extra, o ciclo menstrual, intimamente ligado a toda a produção hormonal e facilmente afetado por alterações emocionais. 

Bruna Pitaluga, ginecologista do Hospital Santa Lúcia, esclarece que as questões relacionadas ao ciclo menstrual, como sangramentos em excesso, pausas, alterações do ciclo, podem ter interferência direta do aspecto emocional, principalmente pelo estresse. Segundo a médica, a região do cérebro responsável pelo controle do ciclo menstrual fica ao lado da estrutura responsável pela emoção. O ovário responde a estímulos do cérebro para a produção de hormônios e esses sinais podem ser afetados pelo centro de emoção. 

“Quando falamos em estresse, pensamos naquela irritação relacionada ao trabalho, à rotina, mas o termo é muito mais amplo que isso. É uma percepção de perigo que o organismo apresenta e pode surgir em decorrência de dificuldades em qualquer área da vida”, explica. 

A partir do estresse, pode surgir mais uma série de problemas. As mulheres são muito afetadas pela privação do sono e pelo consumo de açúcares, como carboidratos e bebida alcoólica, que acabam afetando a produção de insulina e de estrogênio e progesterona. “Acaba se tornando um ciclo, o corpo não é separado, somos conjuntos de informações ligadas, temos gatilhos que desencadeiam respostas biológicas que podem culminar em sintomas clínicos e alterações menstruais”. 

Na medicina funcional, que correlaciona o ambiente e o aspecto mental do paciente à condição biológica, é possível encontrar causas emocionais para todas as condições de saúde física. Segundo essa ótica, a abordagem multidisciplinar, incluindo a medicina tradicional e a terapia, é imprescindível não só para encontrar a cura para a manifestação de uma doença, como determinar a causa e evitar a recorrência. 

A integração entre corpo e mente e o fato de que todas as patologias podem ser relacionadas ao estado mental, comportamentos e emoções, são também bases da Ginecologia Emocional. Kareemi, conhecida apenas pelo primeiro nome, é a criadora da Ginecologia Emocional, um caminho de saberes do sagrado feminino para desenvolver autoconhecimento que permita perceber as origens emocionais das irregularidades ginecológicas. 

“O sistema ginecológico somatiza uma série de eventos que a mulher vivencia e os expressa fisicamente. O autoconhecimento nos mostra a origem emocional e permite tratar a causa de maneira terapêutica, integrando, quando necessário, a medicina alopática e tradicional”, ensina. Entre os principais comportamentos que afetam a saúde ginecológica, Kareemi ressalta a ausência dos “três as” — amor próprio, autoestima e autoconfiança. Ela salienta que a mulher, em nossa cultura, inicia a vida com esses aspectos frágeis. 

Entre os problemas biológicos do organismo feminino com causas emocionais, os mais recorrentes são a candidíase, corrimentos sem motivo aparente, alterações do sono, mudanças na produção de serotonina que agravam sintomas da tensão pré-menstrual e a endometriose, que acomete 10% das brasileiras em idade fértil. 

Bruna explica que a endometriose pode ser causada pelo estresse, pelo desequilíbrio na produção de neurotransmissores que alteram a insulina e o estrogênio, afetando o sistema reprodutor e podendo desencadear a endometriose.


A cura pelo autoconhecimento

Além dos tratamentos médicos tradicionais para as infecções e doenças, uma das maneiras de minimizar a ocorrência de problemas ginecológicos crônicos é descobrir que emoções ou comportamentos são gatilhos e buscar modificá-los.

Esse foi o caminho que Flávia Pelegrini, 33 anos, seguiu há cerca de um ano e meio. Passando por uma mudança de vida, ela foi de uma rotina profissional atribulada na área de eventos, para a leveza de atuar como terapeuta holística. 

Vivenciando um sofrimento mensal com sintomas intensos durante a TPM, descobriu a Ginecologia Emocional e começou a entender a relação entre seus sentimentos e comportamentos e os efeitos físicos que vivenciava. 

“Tinha muitas cólicas, dores de cabeça, inchaço nas mamas e comecei a ver como o estresse diário piorava tudo. Pelo curso da Ginecologia Emocional, via como meu ciclo refletia minha vivência do mês anterior”, revela. 

O estresse da profissão e a alimentação desregrada foram os principais aspectos que Flávia identificou como prejudiciais. Ela adotou a prática da meditação e passou a fazer o acompanhamento do ciclo menstrual com a lunação e identificar suas fases emocionais. 

A terapeuta também abandonou o uso de absorventes tradicionais, investindo em calcinhas menstruais, evitando os componentes químicos, além de decidir não voltar a usar a pílula anticoncepcional, deixada de lado alguns anos antes. Por fim, Flávia mudou de profissão.

Ela conta que, conforme modificava os aspectos de sua vida, percebia melhora nas dores e emoções negativas durante a TPM e a diminuição na ocorrência da candidíase, que hoje desapareceu por completo. A terapeuta ressalta, que após começar o processo, teve apenas um episódio de candidíase, que ocorreu após um episódio pontual de estresse. 

Flávia comenta ter passado por uma leve desestabilização quando o coronavírus chegou ao Brasil, entrando em estado de medo e ansiedade e que, antes de se sentir mais calma, precisou respeitar o que sentia. “Tudo bem não lidar bem com tudo no início, me permiti viver um dia de cada vez, me informando e digerindo o que acontece no mundo”. 

Para se manter calma, ela desacelerou e passou a eleger uma atividade produtiva para exercer por dia, sem se cobrar demais, intensificou a meditação e tem harmonizado a casa, determinando um cômodo para cada atividade e nunca passando 24h em um mesmo lugar. 

A dica da terapeuta é se manter informado, mas não passar o dia lendo notícias ou nas redes sociais. Ter mais calma na hora de preparar os alimentos e vivenciar cada momento por completo. 
 

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