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Pode acreditar: a fé é uma grande aliada da saúde

A religião tem lugar certo no cérebro e pode até interferir em tratamentos de saúde

Correio Braziliense
postado em 05/05/2020 18:43

A religião tem lugar certo no cérebro e pode até interferir em tratamentos de saúdeAlguns enxergam a religiosidade simplesmente como uma forma de controle social, algo maior vigiando o comportamento humano. Outra forma de entendê-la é pensar que a evolução da espécie humana favoreceu a experiência religiosa como um mecanismo que ajuda a manter comunidades unidas e também a promover um melhor autocontrole mental.

 

A princípio, quando uma meta é encarada como sagrada, o indivíduo teria maior tendência em se esforçar para alcançá-la. Mais do que isso, o sagrado abastece a mente humana no desafio de pensar sobre a vida e a morte, e em tempos mais remotos, isso era fundamental para o entendimento dos sonhos e fenômenos da natureza. Marx, Freud, Weber, entre tantos outros, defenderam a ideia de que a modernidade reduziria a influência das crenças religiosas na sociedade.

 

No Brasil, nos últimos 20 anos, houve um discreto aumento na porcentagem de brasileiros que dizem não ter uma religião: em 1991, essa cifra era de 4.75%; em 2009, passou para 6.7%; e pesquisa Datafolha publicada em janeiro de 2020 pelo jornal Folha de S.Paulo aponta que 50% dos brasileiros são católicos; 31%, evangélicos; e 10% não têm religião.

 

A religiosidade tem seu lugar no cérebro?

 

A neurociência tem demonstrado que a experiência religiosa estimula circuitos cerebrais do neurotransmissor dopamina, os mesmos circuitos que são considerados disfuncionais em transtornos neuropsiquiátricos em que a hiperreligiosidade faz parte do quadro clínico, como é o caso da epilepsia do lobo temporal, esquizofrenia, mania e transtorno obsessivo-compulsivo.

 

Sistemas cerebrais da serotonina também parecem estar implicados, já que drogas que têm influência sobre eles são facilitadoras da experiência religiosa. Entre essas drogas podemos citar LSD, mescalina, ecstasy, e o chá de Ayahuasca utilizado pelo Santo Daime e União do Vegetal.

 

Cientistas das universidades americanas de Columbia e Yale demonstraram recentemente que o estado de conexão com algo maior, seja pela experiência religiosa ou não, está associada a uma menor atividade da região parietal do cérebro. Ao alcançar esse estado de consciência, a pessoa apresenta um adormecimento de uma região fortemente vinculada à percepção de si mesmo e dos outros.

 

Quando pensamos na influência da fé na evolução de problemas de saúde, vale a pena refletir sobre o poder do efeito placebo. A origem do termo é o verbo placere, do latim, que significa AGRADAREI. A simples expectativa positiva de que um tratamento pode nos fazer bem já é capaz de provocar mudanças fisiológicas em nosso corpo, e esse é o chamado efeito placebo. Pessoas que apresentam boa resposta ao placebo têm circuitos cerebrais de dopamina com maiores concentrações desse neurotransmissor.

 

Também há evidências de que as concentrações dos opioides endógenos e de serotonina são influenciadas pela expectativa positiva. Isso tudo pode ter repercussões sobre o sistema imunológico e favorecer a evolução de uma condição de saúde. Se uma pílula de farinha já é capaz de provocar esses efeitos, podemos tentar imaginar o que a prece ou um ritual religioso pode promover. Esse é um modelo que a ciência tem para explicar os efeitos da fé sobre a mente e o corpo. Isso não quer dizer que outros mecanismos ainda intangíveis não possam ser descritos no futuro.

 

A religiosidade faz bem mesmo à saúde?

 

Já temos um razoável corpo de evidências que indivíduos com uma maior vivência religiosa/espiritual têm maior capacidade de lidar com o estresse emocional, uma melhor saúde mental de forma geral e, em situações de doença, cooperam mais com o tratamento.

 

Além disso, o envolvimento com uma comunidade religiosa está associado a uma maior rede social, e há tempos sabemos que pessoas socialmente integradas têm menos chance de adoecer e, quando doentes, a rede social é uma das principais fontes de apoio. Esse pode ser um dos principais fatores que explicam resultados de maior longevidade entre as pessoas com maior religiosidade. Assume-se também que essas pessoas têm a tendência a apresentar hábitos de vida mais saudáveis.

 

Entretanto, as crenças religiosas nem sempre estão a favor da saúde do paciente, já que podem, em alguns casos, dificultar a aderência ao tratamento com ideias do tipo: esse é o desejo de Deus, Deus me abandonou, esse é o meu destino, esse é o meu castigo, etc. Em situações como essas, é bem razoável que a equipe de saúde esteja minimamente preparada para abordar dimensões religiosas/espirituais do paciente e, assim, aumentar a aderência e sucesso do tratamento.

 

*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e Diretor Clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

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