Revista

Separados, mas juntos

Correio Braziliense
postado em 31/05/2020 04:16

O isolamento social não tem transformado as pessoas em ermitões. Mesmo sem poder se pegar, abraçar e beijar, como a maioria de nós prefere, estamos nos vendo, conversando, interagindo. E, em determinados casos, com vantagens: ficamos livres de perdigotos, tapinhas e cutucões dos amigos mais animados.

E muita gente está aproveitando o tempo — que, como lembrou o José Maria da Costa dia desses, está sobrando — para colocar velhos projetos em dia. Poesias adormecidas, canções constipadas, romances, arrumações, jardins, projetos de todo tipo começam a ver a luz do dia.

Mesmo quem já tinha tempo está se mexendo. É o caso do doutor João Bosco, médico que não podemos considerar aposentado porque é a ele que a turma recorre na hora do aperto, mas também poeta, pensador e aforista.

Já contei essa história, mas depois que ele quase perdeu um dedo ao podar uma árvore, aprendeu a tocar violão como forma alternativa de fisioterapia. Daí para começar a fazer canções foi um pulo, já que ele sempre gostou de criar poemas entre uma consulta e outra. E está aproveitando a quarentena para gravar essas canções.

A voz é emprestada por um sobrinho, Lula Marinho, até porque a idade provecta e o bom juízo recomendam que ele não saia de casa. São canções recheadas de nostalgia e de situações testemunhadas que, de certa forma, contrastam com o bom humor que o doutor esbanja no bar do Luizão e na varandinha da banca de jornal. 

A cidade natal, Santa Luzia do Sabugi, na Paraíba, é homenageada como a terra da infância sem fim, da alegria inesgotável. Outra canção foi feita a partir do lamento de um bêbado que, na sofrência da mesa do bar, tinha ouvido a mulher dizer à amiga que não teve a sorte de casar com homem bonito. Ele queria ser lindo.

E fez também uma triste canção para a mãe, ressaltando sofrimentos: o dela para criar os filhos durante a vida e o dele, impotente, diante da morte. O importante é que agora as canções vão ficar resguardadas, assim como alguns poemas e muitos aforismos já editados em livro.

A quarentena também está sendo produtiva para alguns dos músicos que fazem a roda do Grao, botequim do Lago Norte. Capitaneados pelo bandolim de Raul Ferraz Junior, eles vêm criando clipes musicais para que a saudade não seja insuportável e, quem sabe, a música possa diminuir a distância. 

O primeiro foi Minhas Mãos, Meu Cavaquinho, de Waldir Azevedo, que reuniu Raul, Otávio, Índio e Josiel — e que se lamentaram por não ter encontrado um pandeirista a tempo. Não é a mesma coisa que tocar juntos, no bar, diante de um público normalmente entusiasmado, ainda mais numa roda democrática em que qualquer um pode participar. Mas é o que temos para hoje.

Outros vídeos virão, até porque Raul também está editando clipes com outros amigos músicos e até com a mulher, Ana Julia. O fundamental é não ficar parado para não se enferrujar, porque uma hora a vida volta ao normal.
 

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