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Comemorações de São João se reinventam na Pandemia

As tradicionais festas juninas estão se adaptando ao isolamento social

Correio Braziliense
postado em 14/06/2020 12:00
Sem sair de casa, Thamires montou um arraiá caseiro para curtir com as filhas
Junho chegou, só que, desta vez, sem fogueira, quadrilhas nas ruas e comidas típicas. Com o avanço da covid-19 no país, muitos brasileiros têm levado as tradicionais comemorações juninas, como quermesses, para dentro de casa, ou se programam para eventos on-line.

De descendência nordestina, a influenciadora digital Thamires Ximenes, 32 anos, nasceu e cresceu na Paraíba e nunca perdeu uma festa junina. Apaixonada pela energia do São João, ela conta que a comemoração remete aos tempos de infância. “Dá um aperto no coração não sentir isso de pertinho, pois, para mim, festa junina significa família e amigos”, desabafa.

Com a pandemia, ela teve que se adaptar para não deixar o período passar em branco. Como muitas empresas estão trabalhando com kits de festas juninas, ela optou por montar o próprio arraiá com a ajuda das filhas.  Apesar do clima ser diferente das tradicionais quermesses, ela diz que as lembranças a fazem ter a certeza de que tudo passará.

“Este mês é muito especial para nós, nordestinos. Então, aqui em casa, estamos aproveitando, que estamos juntos, e toda semana fazemos canjica, cozinhamos milho e fazemos caldos. Outra coisa que não falta aqui é música de São João, minhas filhas adoram e fazemos aquela bagunça em casa”, conta.

Thamires faz questão de passar sua paixão junina para as filhas Laysla, 8, Lys, 3, e Luyse, de apenas 1 ano. Segundo ela, a experiência de ter a ajuda das filhas para montar a própria festa fez toda a diferença e tornou o momento mais especial. “Eu aconselho envolver toda a família na organização, na preparação das comidinhas e na decoração. Aqui, todos ajudaram com muita empolgação e por algumas horas não existia pandemia, somente nós e nossa festa junina. Acho que esses pequenos momentos fazem tudo que estamos vivendo parecer mais leve”.

Para quem não gosta ou não quer cozinhar, a influenciadora recomenda investir nos kits prontos que, além de otimizarem a organização, são uma forma de ajudar quem vive dos festejos de São João e terá o lucro prejudicado esse ano.

Uma dessas empresas é a Acapella, promotora de eventos que, em anos de normalidade, estaria preparando grandes festas juninas por Brasília. “Montamos festas bem grandes, para 300 e até 400 pessoas. Com banda, segurança e toda estrutura que um grande arraiá necessita”, explica Shayanne Castro, CEO da Acapella Produtora de Eventos.

Como a empresa sobrevive promovendo eventos, a saída foi se reinventar. Para esse período de festas, lançou o kit festa junina. No combo, o cliente pode adquirir uma festa completa sem sair de casa ou perder a tradição.

Os kits podem ser em versões individuais ou para empresas que queiram distribuir aos colaboradores. No conjunto, há objetos decorativos e comidas típicas. “Foi a forma que encontramos de inovar nesse cenário de pandemia. Temos buscado colocar dinheiro em caixa pois temos compromissos com colaboradores e, com isso, temos passado a atender a pessoas físicas também, aumentando nosso local de atuação”, diz Shayanne.

A CEO acredita que, mesmo após a pandemia, os reflexos desse momento de adaptação vão continuar. “Quando isso passar, além das pessoas irem à rua comemorar, elas vão passar a fazer mais arraiás em casa. Pelo que estou percebendo nas vendas, as pessoas têm gostado bastante”, aponta.
 

Adaptações 

Os alunos Valentina e João Pedro que receberam um kit para decorar a casa para a festa junina online promovida pela escola.Quem também está adaptando os festejos são as escolas. Muitas, conhecidas tradicionalmente por promover grandes festas, farão comemorações on-line. Uma delas é o Marista, que no próximo dia 20 promoverá a primeira festa on-line para os alunos, com direito a decoração e delivery de comidas típicas. Nestas semanas que antecedem a festa, cada família receberá, pelos Correios, um kit para decorar a casa, com direito a bandeirolas e materiais juninos que estão sendo trabalhados durante as aulas EaD para compor a festa. Jogos e brincadeiras estão incluídos para animar o dia.

Na casa do empresário Pedro Franarin Alves, 37, as encomendas chegaram há poucos dias e estimularam a criatividade dos filhos. Valentina, 6, e João Pedro, 9, estão contando os dias para fazer a decoração para a festa. “Eles receberam as correspondências em nome deles, o que já é uma novidade. Ao abrirem, viram que se tratava de material para decorarmos a casa para uma festa junina, ficaram superfelizes”, conta o pai.

Para o empresário, a iniciativa reforça a mudança de postura que vem sendo exigida em casa em conjunto com a escola. Segundo ele, os momentos de interação social entre as crianças foi um dos pontos mais impactados nesse novo modelo de educação on-line. Por isso, a iniciativa foi abraçada de forma positiva pela família.

Pedro diz que os kits estimulam a participação e criatividade, já que permitem que cada família monte sua decoração para que, depois, em conjunto, possam curtir uma festa junina. “Isso é fantástico, são momentos de descontração e alegria junto à escola, são os que ficam guardados em nossas memórias e espero que possamos curtir, mesmo que on-line, esse momento juntos”, comemora.

Fernanda Lages, gerente de relacionamentos do Marista, explica que a iniciativa do evento on-line foi uma forma de a escola manter a proximidade com os alunos. A ideia é de que as famílias possam montar um standard e no dia da live possam estar caracterizadas e no clima. Haverá uma plateia virtual para que os alunos possam interagir durante o evento.

O diretor do Colégio Marista Asa Sul, Rony Ahlfeldt, explica que a festa será uma celebração dupla para os alunos e familiares. “Além de ser um momento para nos unirmos e festejarmos, mesmo que a distância, é a data da celebração de São Marcelino Champagnat, fundador do Instituto dos Irmãos Maristas”, explica. “Temos motivos em dobro para comemorar e fortalecer os laços da nossa comunidade e celebrar tradições tipicamente brasileiras. Será uma grande festa com certeza”, conclui.

Além do evento on-line contar com apresentações de músicos, interações e brincadeiras, os pais podem encomendar comidas típicas que a escola vai produzir na cantina. “Vamos disponibilizar o cardápio alguns dias antes do evento e os pedidos vão ser entregues por meio de delivery ou os pais podem retirá-los na escola”, explica Fernanda Lages.

Temporada atípica

Na foto, a quadrilha junina Formiga da Roça.Há 24 anos ininterruptos participando dos circuitos de quadrilha do Distrito Federal, este é o primeiro ano que a tradicional Quadrilha Formiga não vai levar alegria para o público por meio das apresentações de dança. Patrese Ricardo da Silva Mendes, coordenador do grupo, conta que este ano a quadrilha estava se preparando para grandes projetos, entre eles voltar a se apresentar em Caruaru e Campina Grande, o maior São João do mundo.

“Nosso primeiro choque foi saber que isso não seria possível. Fomos o primeiro grupo do Distrito Federal a se apresentar por lá e era um projeto latente voltar a levar nossos dançarinos para esse intercâmbio cultural”, conta Patrese.

De início, o grupo acreditou que até o começo da temporada, neste mês de junho, a pandemia estivesse normalizada. Agora, com a proibição de eventos e aglomerações, busca novas formas de interagir com o público e manter o projeto em andamento.

Roseane Ferreira, integrante há mais de 15 anos, afirma que é importante dar continuidade ao projeto mesmo em tempos de crise, pois, para muitos, a quadrilha não é apenas diversão, mas uma forma de levar cultura e propósito para outras pessoas. “É uma válvula de escape. Alguns começam a dançar como uma terapia para problemas com depressão, ou desavenças familiares. Eles acabam se apaixonando pelo movimento com tanta força que conseguem trazer alegria pra dentro de si e para o próximo”, analisa.

A parceria com grandes organizações e o engajamento dos participantes tem ajudado a manter a quadrilha firme no propósito de levar alegria. Durante este mês, membros da equipe estão gravando vídeos em parceria com o Sesc, que promoverá uma festa junina on-line. “Esse projeto é com a terceira idade. Eu gravo uma coreografia aqui na minha casa e envio para o Sesc, que repassa o conteúdo para os idosos. A ideia é que no dia da festa a gente consiga fazer um quadrilhão com essas pessoas, só que cada um na sua casa, claro”, explica Leandro Mota, bailarino e coreógrafo da Formiga da Roça.

Leandro mantém os dançarinos com as coreografias alinhadas por meio das redes sociaisNesse mesmo esquema, Leandro mantém os dançarinos com as coreografias alinhadas. Por meio de uma plataforma on-line, ele grava os movimentos que devem ser reproduzidos pelos dançarinos. “Dessa forma, quando eles me mandam o vídeo de volta, eu consigo corrigi-los e dar um feedback”, aponta. Outros setores do grupo, como o responsável pela quadrilha mirim, chamada Coisas da Roça, tem promovido lives com apresentações, debates e arrecadação de agasalhos.

A pandemia inviabilizou não apenas as apresentações, como interrompeu toda a cadeia de economia gerada pela quadrilha. Isso porque o processo de produção de uma apresentação quadrilheira envolve não só dançarinos e coreógrafos, como músicos, artesãos e costureiras. “Quando a pandemia estourou, nós estávamos no meio do processo de confecção dos trajes, criando o projeto musical com a nossa banda e a todo vapor nos ensaios. Tivemos que interromper toda a cadeia produtiva e até chegamos a nos endividar por conta disso”, conta o coordenador Patrese.

São mais de 120 pessoas envolvidas, entre eles o sanfoneiro e produtor musical da banda da Formiga da Roça, Fabio Viana. Ele, que vive da música, diz que o momento é delicado para todos que têm a arte como trabalho. “O ser humano tem por obrigação se adaptar. Creio que muitos não estão em uma boa situação, pois o artista não nasceu para ficar parado, ele faz arte para levar para os outros.” Além de produtor musical e professor de música, ele trabalha com live, que o ajuda a se manter firme e esperançoso. “É o que tem ajudado e ajuda outras pessoas”, diz ele, otimista para um pós-pandemia.

O mesmo sentimento de esperança é compartilhado por Leandro, que acredita que a temporada do ano que vem chegue com muito mais força. “A paixão virá muito latente. O quadrilheiro tem amor pelo São João e não viver uma temporada vai fazer com que o movimento volte como muito mais força. Vivemos em um mundo que as pessoas estão trancadas em casa com medo, e talvez esse seja nosso papel como artista: levar alegria para esse povo pós-pandemia”, conclui.


Programe-se

Diversos músicos e eventos farão lives juninas durante o mês. A Revista destaca alguns para não deixar o São João passar em branco.
  • São João do Mioto — 19 de junho, sexta-feira, às 20h. A live promovida pelo cantor sertanejo Gustavo Mioto contará com participação da influenciadora Taynara OG e da ex-BBB Rafa Kalimann.
  • Arraiá do Wesley Safadão — 20 de junho, sábado Além do cantor, Luan Santana, Raí Saia Rodada e Dorgival Dantas vão marcar presença no arraiá virtual.
  • Arraiá do Belo — 20 de junho, sábado, às 15h. A live do cantor promete grandes surpresas. “Já podem ir preparando milho, amendoim e canjica”, escreveu nas redes sociais.
  • Yokermesse — 27 de junho, sábado, às 16h30.Simone & Simaria vão comandar a quermesse on-line promovida pela Yoki.


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  • Foto: Marcelo Candido
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