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Os desafios de quem tem uma doença rara

Correio Braziliense
postado em 28/06/2020 04:19

O Dia Internacional da Fenilcetonúria, em 28 de junho, tem como objetivo conscientizar sobre essa alteração genética que impede o consumo rotineiro de frango, carne, ovos, leite e outros produtos ricos em proteína. Um medicamento, já disponível no Brasil, pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

As doenças raras impõem uma série de desafios aos seus portadores. As dificuldades aparecem no dia a dia, impactando na qualidade de vida da pessoa com essa doença e em sua família, que precisa transformar e adaptar rotinas em função do paciente. Ferramenta fundamental para a detecção precoce, o Teste do Pezinho, obrigatório para todos os recém-nascidos no país, é apenas o começo da jornada.

A dona de casa Andreia Santos Marques sabe muito bem disso. Receber o diagnóstico do filho mais velho foi como uma sentença de morte. O Teste do Pezinho detectou que Gabriel era portador de fenilcetonúria, um problema decorrente de uma alteração genética que afeta uma em cada 25 mil crianças nascidas no Brasil. Também conhecida como PKU (sigla que vem do nome em inglês phenylketonuria), a doença impede o consumo rotineiro de alimentos fontes de proteína, pois o organismo não consegue metabolizar o aminoácido fenilalanina, que se acumula na corrente sanguínea e é tóxico ao corpo, podendo causar danos no cérebro e em outros órgãos.

“Soube da pior forma que ele tinha PKU. Era uma sexta-feira quando me informaram sobre uma alteração no Teste do Pezinho. Só na segunda-feira, pude conversar com o médico e entender a situação. Até lá, já tinha pesquisado na internet e visto as coisas mais horríveis”, relembra Andreia. “Para mim, o mundo tinha acabado. Quando se é mãe, você quer proporcionar tudo para o filho. Quer ir ao cinema e comer pipoca, dar um iogurte. Mas não posso”, lamenta.

Graças ao cuidado da mãe, Gabriel, hoje aos 14 anos, não tem sequelas decorrentes da PKU. Mas, se cuidar de um filho com fenilcetonúria não é tarefa fácil, imagine três? Além do primogênito, Andreia e o marido têm mais duas crianças com a doença: Leticia, 10, e Manuela, 3. “Eu vivo exclusivamente para eles”, conta a dona de casa, que prepara diariamente todas as refeições que os filhos comem em casa e fora dela. “Tem que se planejar, ficar criando. É um cardápio limitado. No almoço, eles sempre têm que estar em casa para almoçar. Comer fora de casa, só com pai e mãe. Mesmo assim, é raríssimo.”

Medicamento aprovado

Além de uma dieta muito restritiva, que limita a ingestão de frango, carne, ovos, laticínios, grãos e leguminosas, complementada por uma fórmula metabólica de aminoácidos, vitaminas e minerais, um medicamento já disponível no Brasil é capaz de ajudar a controlar os níveis de fenilalanina no sangue. Trata-se do dicloridrato de sapropterina, que está acessível na rede pública de saúde, mas apenas para mulheres cujo teste de responsividade ao medicamento seja positivo, e que estejam em pré-concepcional ou gestacional.

“O teste de responsividade do meu filho deu positivo, mas o governo não fornece o medicamento para ele. Em outros países meninos e meninas podem usar o medicamento” afirma Andreia.

A luta por melhores tratamentos para pessoas com doenças raras, como a inclusão do dicloridrato de sapropterina no rol de medicamentos disponíveis para pacientes do sexo masculino, é uma das bandeiras do Mães Metabólicas, associação que reúne portadores de doenças metabólicas hereditárias em todo o Brasil. Fundadora do grupo, Simone Arede aponta outra dificuldade dos pacientes: o fornecimento inconstante da fórmula metabólica, que é indispensável para o tratamento. “Além de faltar no SUS, tivemos ainda o problema de duas marcas de fórmulas serem interditadas em 2019 pela Anvisa por falta de qualidade”, relata.

A fórmula é vendida em distribuidoras especializadas, mas por um preço muito alto: uma lata custa R$ 380. Considerando que uma criança consome, em média, quatro delas por mês, a despesa chega a R$ 1,5 mil. Já um adulto precisa de mais: entre sete e dez latas, ou até R$ 3,8 mil mensais. Isso sem contar o custo com a alimentação especial muito restrita que os pacientes devem ter.

Um tratamento inconstante pode, inclusive, precipitar o aparecimento dos sintomas, como explica Ida Schwartz, geneticista do Serviço de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “De forma geral, os sintomas iniciam com 30 dias de vida em crianças que não foram identificadas pelo Teste do Pezinho e que não foram tratadas em tempo hábil. Também pode acontecer de os sintomas aparecerem após o início do tratamento, caso ele não seja mantido ou existam falhas de seguimento ou adesão. É difícil fazer generalizações, cada caso é um caso”, detalha.

A geneticista destaca também a relevância do Dia Internacional de Conscientização da Fenilcetonúria, em 28 de junho. “Ela é importante para enfatizarmos que o nosso governo deve redobrar, triplicar ou quadruplicar a atenção que tem dado ao nosso Programa Nacional de Triagem Neonatal. Vários problemas têm ocorrido com este programa, e eles devem ser saneados a fim de que não tenhamos uma epidemia genética de problemas intelectuais e neurológicos no Brasil. É inconcebível que nossos bebês morram ou tenham sequelas neurológicas em decorrência de falhas do sistema”, finaliza a médica.

* Os depoimentos refletem única e exclusivamente a opinião dos entrevistados.
 

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