Correio Braziliense
postado em 07/07/2020 09:00
O isolamento social trouxe diversas mudanças nas nossas formas de interação com o mundo externo e com os outros. E não há como negar que as redes sociais se tornaram, mais do que nunca, uma ponte com a sociedade. Em alguns casos, para quem vive só, é uma das únicas formas de interagir com amigos e familiares.
Nessa busca, as pessoas conectaram-se em novas redes sociais e aplicativos, buscando entretenimento e interação, e uma plataforma que tem se destacado nesse processo é o TikTok. Com efeitos de vídeo e som, a possibilidade de criar conteúdo original ou dublar e recriar tendências e desafios, o aplicativo tem atraído usuários das mais variadas idades. O sucesso é tanto que o app, desenvolvido na China, fez o todo-poderoso Instagram correr atrás e criar uma ferramenta similar, o Reels.
Na página inicial do TikTok, em poucos minutos, é possível ver vídeos criados por crianças, adolescentes, jovens, adultos e até idosos, que, mais recentemente, descobriram o aplicativo. Além de ter produtores de todas as idades e classes sociais, os consumidores desses conteúdos também se diversificam.
O bancário e tiktoker, como são chamados os usuários da rede, Yan Carlo Pacheco de Lima, 30 anos, começou apenas assistindo aos vídeos e hoje tem um perfil com mais de 20 mil seguidores. Ele baixou o app em janeiro e, um mês depois, enxergou a possibilidade de vencer a timidez e investir nas encenações, pois sempre gostou de exercitar o lado artístico. “Tornou-se uma ferramenta para que eu fosse me desinibindo aos poucos”, conta.
Com o início do isolamento social, a frequência de Yan no TikTok aumentou. “Chegava em casa e só ia mexer com isso depois das 23h. Agora, consigo me dedicar mais e aprimorei meu conteúdo”. Com mais tempo, o número de seguidores e visualizações também aumentou. Yan investe em um dos queridinhos do TikTok, os vídeos de dublagem e humor. O bancário acredita que, no começo, as pessoas tinham um certo preconceito com o conteúdo da rede, achavam que era “pagar mico”, pelo tom divertido e os filtros que têm a função de divertir e não embelezar.
“No Instagram, as pessoas preferem se mostrar sempre bonitas e glamourosas; no TikTok, não. A gente faz piada com a gente mesmo e não tem medo de parecer ridículo, porque a ideia é se divertir e tirar o foco dos problemas. Ser feliz consigo mesmo”, afirma.
Yan acredita que liberdade para ousar, brincar e se jogar sem se preocupar são alguns dos elementos responsáveis pelo grande sucesso do aplicativo com um público diversificado. Outro aspecto importante, para ele, é o engajamento do conteúdo: você não precisa estar entre os mais famosos do app para ter seu vídeo na página inicial, e isso permite que os usuários cresçam com mais facilidade.
Natureza humana
A psicóloga Fabiana Vieira Gauy afirma que, com o isolamento social, as pessoas têm buscado estratégias de conexão. E, pela facilidade de navegar e criar no TikTok, ele tem sido uma das ferramentas preferidas. Além de ser uma maneira de se conectar com os outros e lidar com o distanciamento, Fabiana acrescenta que a rede traz o alívio do tédio com o lado cômico e descontraído. E tem a vantagem de ser uma plataforma que inclui o público infantil, sem restrições de idade, como outras redes.
A profissional atribui o grande aumento no número de acessos e perfis justamente à diversidade e à facilidade de navegação. “Ajuda as pessoas a lidar com a necessidade de interação social, que faz parte da natureza humana.”
Dos 12 aos 54
A vida útil de uma rede social costuma – ou costumava ter – uma certa lógica. Primeiro, a plataforma faz sucesso entre os jovens; depois de um período, a novidade passa. Os mais velhos, que tendem a demorar um pouco mais para se acostumar a novas funcionalidade e tecnologias, começam a criar seus perfis e se tornar mais ativos. Os mais jovens, então, continuam o ciclo e migram para a próxima novidade.
Ou seja, as faixas etárias costumam se dividir e ser mais ou menos presentes, a depender da rede. No TikTok, o fenômeno não se aplica. No app, todos estão ativos ao mesmo tempo e interagindo entre faixas etárias. Nestas páginas, por exemplo, temos tiktokers brasiliense de 12, 17, 30, 35 e 54 anos. A mais nova, a estudante Catarina Ribeiro Imbroisi, começou a fazer vídeos com a mãe, a empresária Luciana Ribeiro, 46 anos.
Em dezembro do ano passado, as duas faziam danças e desafios juntas. A ideia era uma diversão entre mãe e filha, mas logo a timidez de Luciana se fez presente e os vídeos individuais de Catarina se tornaram mais comuns. “Ela ficava com vergonha de fazer as dancinhas e as dublagens. A gente ri muito quando eu danço, e ela tenta copiar”, conta a estudante.
Além das danças e dublagens, os mais de 5 mil seguidores de Catarina acompanham vídeos da rotina da jovem e de desafios, que se tornaram muito mais frequentes com o tempo livre extra que surgiu com o isolamento.
Luciana, que tem um perfil para acompanhar as publicações da filha, afirma que está sempre de olho nos comentários e no perfil dos seguidores. “Já pedi para apagar um vídeo que tinha linguagem que não condizia com a idade. Além de monitorar, estou sempre orientando para não conversar com estranhos, por exemplo.”
Catarina se diverte no TikTok, interage com as amigas e segue diversos tipos de perfis, como o de idosos que produzem conteúdo com os netos. “É muito legal, porque muitos idosos estão solitários no isolamento e sentem falta de carinhos. Nos comentários, as pessoas elogiam, incentivam e eles agradecem, interagem.” Para a estudante, a rede permite que as pessoas aprendam coisas novas, distraiam-se e até mesmo descubram talentos escondidos, além de interagir com os amigos afastados.
Em busca de oportunidade
Maria Eduarda Mol Mohamed, 17 anos, entrou no Tik Tok antes mesmo que a rede tivesse esse nome, há cerca de dois anos, e permaneceu no app depois das mudanças, que considerou positivas no quesito engajamento. A estudante cria vídeos chamados de “POVs”, abreviação para a expressão em inglês point of view — ponto de vista, em livre tradução — e aposta na atuação e criação de pequenas histórias e narrativas.
Fã de comédias e POVs, Maria Eduarda acredita que o TikTok caiu nas graças do público por permitir que qualquer usuário com conteúdo de qualidade cresça e conquiste visibilidade. Com o sonho de ser atriz e investindo nas redes sociais profissionalmente, ela chega a passar cinco horas produzindo um vídeo, e acredita que o app valorize seu trabalho e traz oportunidades.
Durante o isolamento, afirma que suas visualizações aumentaram mais ainda e até o pai, que nunca tinha usado, passa o dia rindo dos vídeos de comédia no perfil recém-criado.
Quebrando preconceitos
Menos de 30 dias foi o tempo necessário para a assistente social, atleta de parabadminton e administradora Aline de Oliveira Cabral, 35, alcançar um número sólido de mais de 40 mil seguidores. Cadeirante, Aline usa seu perfil para fazer os desafios e danças e mostrar sua rotina, desmistificando estigmas sobre pessoas com deficiência e quebrando preconceitos. “Essa visibilidade ajuda até mesmo pessoas que têm vergonha das próprias deficiências. Elas percebem que podem ser lindas, sexys, engraçadas.”
Com uma rotina atribulada, resolveu entrar no TikTok com o tempo livre do isolamento e para fazer parte do que as amigas tanto falavam e comentavam. “Não tinha expectativa de ficar postando muito, mas peguei gosto e hoje posto de tudo: minha rotina, danças e meu trabalho.”
Um de seus vídeos com maior repercussão foi em que fez uma dança sensual. Ela ressalta que muitas pessoas têm dúvidas quanto à vida sexual de pessoas com deficiência e o quanto é importante desconstruir a ideia de invalidez que muita gente ainda preserva.
Para a atleta, o isolamento social ressaltou que não temos controle da vida e, por isso, precisamos aproveitar e valorizar cada momento. No TikTok, ela gosta de ver vídeos que a façam sorrir e se desligar da negatividade.
Fã dos filtros, que a livram de ter que usar maquiagem sempre que grava, avalia que as redes sociais têm ligado as pessoas ao mundo e permitido que se sintam menos solitárias. “Vejo muitos idosos e acho válido, pois o divertimento deles era sair de casa, estar com os netos e amigos, e, graças à internet, podem se distrair e se sentir amados.”
Divertimento em família
Para a família da assessora Ruzielde Aparecida de Souza, 54 anos, o TikTok é uma fonte de diversão, mas vai muito além da distração. O aplicativo funciona, também, como forma de terapia alternativa durante o isolamento social. Na rede social há três anos, Roze, como é conhecida, tem feito diversos vídeos com a filha, a atriz Maju Souza, 20 anos, e o marido, o aposentado João Henrique Rucinski, 58, que sofreu um AVC e começou a recuperar os movimentos de um ano para cá.
Ela conta que as dublagens, os desafios e as danças ajudam João a trabalhar a área motora e cognitiva, além de os deixarem extremamente feliz. “Alguns vídeos ele mesmo pede para fazer, pois o ajudam a se sentir mais seguro de si e confiante. Fica muito feliz com os comentários de incentivo, de apoio, e isso ajuda muito na superação. Tornou-se um app que me faz acreditar em um mundo melhor”, conta Roze.
Em junho, a família fez um desafio para trabalhar a coordenação motora fina e cognitiva. A cada erro cometido por Roze e Maju, João podia maquiá-las como quisesse. A terapia e a diversão foram garantidas. Além do processo terapêutico para João, o Tik Tok é onde Roze busca e ensina receitas diferentes e como se sente mais livre, mesmo estando dentro de casa. Poder mostrar para as pessoas o que sente, pensa e gosta faz com que a assessora se sinta menos solitária.
Vídeos mais sérios, de reflexão e lições de vida também são alguns dos conteúdos curtidos por Roze, além de imagens de grandes ondas e praias distantes. Para ela, a diversidade de material e de usuários permite uma interação benéfica entre idosos e jovens, por exemplo. “Você vê uma troca genuína, as pessoas comentam, elogiam, são gentis, incentivam e fazem com que o outro se sinta lindo e amado.”
Cuidado com os excessos
Apesar de o TikTok trazer inúmeros desafios que reúnem a família e permite a interação entre os mais velhos e os mais jovens, é importante ficar de olho nos excessos. “Não podemos esquecer que o uso excessivo de eletrônicos pode ser prejudicial para crianças e mesmo para os adultos. No momento em que vivemos, esse tempo aumentou naturalmente, mas precisamos tomar cuidados”, alerta a psicóloga Fabiana Vieira Gauy.
O home office e as aulas on-line já aumentam consideravelmente o tempo em que passamos em equipamentos eletrônicos, a isso somam-se as redes sociais e o lazer dos jogos, além das chamadas de vídeo com amigos e parentes distantes. Fabiana sugere o equilíbrio. É ótimo que a família se divirta virtualmente e crie conteúdo unida, mas também é importante investir em outras formas de entretenimento, como jogos de tabuleiro, assistir a filmes e até mesmo cozinhar juntos.
O endereço dos nossos entrevistados
Yan – @yancpl
Catarina – @catarina7778
Maria Eduarda – @mariaa_mml
Aline – @alineolica
Roze – @roze5souza
Maju – @maju4souza
Boicote ao Facebook
Uma campanha de boicote mundial ao Facebook ameaça a rede e o Instagram, ambos de Mark Zuckerberg. O protesto é liderado por ONGs norte-americanas que combatem o preconceito e o antissemitismo e exigem que as plataformas tenham mais ações contra racismo, discursos de ódio e disseminação de notícias falsas. O boicote conquistou apoio de marcas de moda esportiva, como a The North face e a Patagonia, de grandes conglomerados, como a Unilever, e de marcas como Starbucks, Coca-Cola e PepsiCo, que prometem suspender a publicidade nas redes, algumas podendo chegar até o fim do ano sem retomar os anúncios. A campanha já custou cerca de R$ 39 bilhões a Zuckerberg, que anunciou novas ações para combater publicações com discurso político que violem suas regras e medidas de proteção a minorias.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.