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Doutor, posso continuar a tomar diariamente minha taça de vinho?

Estudos que demonstram que o consumo moderado de álcool reduz o risco de doenças cardiovasculares, incluindo o infarto do coração e o derrame cerebral. Mas há controvérsias

Correio Braziliense
postado em 24/07/2020 18:52

Estudos que demonstram que o consumo moderado de álcool reduz o risco de doenças cardiovasculares, incluindo o infarto do coração e o derrame cerebral. Mas há controvérsias

No consultório médico, uma senhora que precisa de medicações para controlar a pressão arterial encerra sua consulta perguntando se ela pode manter o hábito de tomar uma taça de vinho por dia. O doutor lhe responde que não só pode como deve – “Minha cara, temos acompanhado nos últimos anos uma série de estudos que demonstram que o consumo moderado de álcool reduz o risco de doenças cardiovasculares, incluindo o infarto do coração e o derrame cerebral. Isso significa que quem bebe pouco tem menos eventos cardiovasculares do que aqueles que não bebem. Já o consumo exagerado de álcool provoca um maior risco de doenças cardiovasculares. Veja bem, devemos entender consumo moderado como até duas doses de bebida por dia para homens e uma dose para mulheres. As pesquisas ainda apontam que esse efeito protetor do consumo diário e moderado deixa de existir quando a pessoa exagera na dose, mesmo que seja por apenas um dia no mês”.

Essa mesma senhora ouvirá dos médicos que sua taça de vinho é capaz de reduzir seu risco de doença de Alzheimer e outros tipos de demência. Ouvirá também que já existem estudos que demonstram que o seu hábito também está associado a um envelhecimento com maior nível de independência física e maior longevidade. As bebidas alcoólicas de uma forma geral promovem esses efeitos positivos, mas o vinho tinto parece ser levemente superior, pois, além do álcool, ele possui outras substâncias protetoras, como os flavonoides, incluindo o resveratrol.

Esse discurso ainda é controverso, especialmente quando se pensa no cérebro. Algumas pesquisas realmente mostram que o uso moderado de álcool reduz o risco das doenças citadas acima, enquanto outras apontam na direção contrária. Uma pesquisa recém-publicada pelo prestigiado periódico JAMA mostrou que o consumo leve a moderado promoveu um efeito protetor das funções cognitivas entre adultos de meia idade e idosos (média de 61 anos de idade). Por outro lado, outro grande estudo publicado pelo British Medical Journal evidenciou que o consumo moderado afeta negativamente a estrutura cerebral assim como as funções cognitivas. O consumo leve não atrapalhou o cérebro, mas também não trouxe benefícios. O que é consumo leve? Duas cervejas ou duas ou três taças de vinho por semana.   

À luz do conhecimento atual, recomenda-se que os médicos não indiquem o uso de álcool como se fosse um suplemento alimentar para prevenir doenças. Devem recomendar às pessoas que não bebem que continuem sem beber, e às que já têm o hábito de beber, que não ultrapassem os limites. Mas isso também está mudando, já que estudos recentes têm demonstrado que o consumo regular de álcool, mesmo em doses leves a moderadas, está associado a um maior risco de diferentes tipos de câncer, como o de mama, orofaringe e esôfago. Por essa razão, em 2009, o Instituto Nacional do Câncer da França deu início a uma campanha chamada Álcool Zero, defendendo a ideia de que mesmo uma dose diária não é segura.

 

Devemos evitar em pensar no álcool como um elemento promotor de saúde da população, não só pelo aumento do risco de câncer, mas também porque muitas pessoas atravessam a barreira entre o consumo moderado e o consumo exagerado. Esse consumo exagerado é responsável por uma em cada 25 mortes no mundo. E, como se não bastasse as mais de 200 doenças secundárias ao álcool, ainda temos os enormes problemas sociais que estão associados ao seu consumo.

*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e Diretor Clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

 

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