Correio Braziliense
postado em 26/07/2020 04:19
Pelo menos uma coisa essa pandemia trouxe de bom: a volta da música brasileira. Há tempos, as canções estavam esquecidas, especialmente pelas emissoras de televisão, o que é um caso de ingratidão explícita: antes da teledramaturgia dar as cartas, eram os programas musicais que faziam a alegria dos índices de audiência das emissoras.
Havia os festivais de música que provocavam revoluções a partir de canções simples, todos contando com a nata da música popular. Eram competições que despertavam paixões, com decisões polêmicas, que provocavam muita vaia e até alguma briga.
Houve violões quebrados no palco, como na célebre cena de Sérgio Ricardo, revoltado com a reação da plateia à música Beto Bom de Bola; houve discursos inflamados, como o de Caetano Veloso, depois de apresentar a sua É Proibido Proibir. O discurso foi tão emblemático que foi editado como lado B do compacto simples do artista, com a música no lado A.
Mas o principal é que os festivais trouxeram canções que ainda hoje nos definem como nação, na poderosa união entre música e TV.
Ao mesmo tempo, as emissoras apresentavam programas semanais, como O Fino da Bosa, Jovem Guarda, Show em Si... monal, entre dezenas de outros, com todos os estilos musicais. Foi a origem dos especiais mais sofisticados, que apresentavam uma visão mais ampla de determinado artista; dessa classe sobrou apenas o programa anual de Roberto Carlos — e mesmo esse vem falhando.
De repente, um vazio. Com exceção de programas de calouro com roupagem moderninha e uma ou outra apresentação, a música foi deixada de lado. Até mesmo os temas das novelas repetiam canções antigas; se antes havia encomenda para compositores como Dorival Caymmi, Tom Jobim e Paulinho da Viola, hoje basta buscar alguma coisa no arquivo.
Mas esse festival de “lives”, apresentações caseiras de artistas de todos os calibres, tem mostrado que a música popular resiste. Já não carrega mais a sigla MPB, até porque se estilhaçou tanto que é impossível juntar os cacos, mas ainda mostra força para mobilizar centenas de milhares de pessoas na frente de um aparelho de TV.
As apresentações são normalmente muito simples, com poucos músicos, não mais que três câmeras; algumas são totalmente improvisadas, mas o nível vem melhorando paulatinamente. O perfeccionista Roberto Carlos errou a letra de uma canção, Fábio Jr. não chegou a um acordo com seus músicos, Milton Nascimento fez até propaganda da empresa que cuida do diabetes dele, mas nada disso importa.
O melhor é que as gravações não saem do ar. Quem perdeu pode ver e ouvir nos canais dos artistas ou no YouTube. Ninguém precisa mais de emissora de TV nenhuma. É a vingança da música popular.
O pior é que todo mundo se sente no direito de fazer um ‘ao vivo’, uma verdadeira praga; mas, tolerantes, aturamos o gosto alheio. Nessa história, só quem perdeu foi a língua portuguesa, que, mais uma vez, teve que engolir um vocábulo alienígena para traduzir palavras que já existem, inclusive, pronuncia com ‘ai’ no lugar de ‘i’.
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