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Zona Franca de Manaus tem potencial para se tornar o Vale do Silício brasileiro

O Polo Industrial de Manaus (PIM) ainda sofre o impacto da recessão de 2015 e 2016, mas está em franca recuperação. Até novembro de 2018, o faturamento chegou a R$ 85,7 bilhões, bem próximo ao registrado em todo o ano de 2014


Um dos mais respeitados tributaristas do país, o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel faz três sugestões para a Zona Franca de Manaus: amarrar os incentivos fiscais ao desenvolvimento regional; associá-los a práticas saudáveis de meio ambiente e incluir inovação na produção do polo. Ele defende que ;blindar; a política fiscal do polo com amparo da lei significa olhar para a legislação e buscar proteção nela mesma. ;Os incentivos fiscais sempre ficam sujeitos aos humores da política tributária, operada por decretos e portarias;, afirma.

;A Constituição brasileira estabelece como um dos objetivos do Estado brasileiro a superação das desigualdades regionais de renda, que existem há muito tempo. E não há sequer sinais de superação dessas desigualdades, o que colocaria em dúvida a eficácia dos instrumentos que foram utilizados para corrigir as disparidades;, alerta, ao defender o atrelamento dos incentivos ao desenvolvimento regional. ;É a partir disso que se deve buscar, na lei, proteção aos incentivos;, completa.

Desigualdades

Segundo Maciel, isso não afeta em nada as regras estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). ;A OMC excetua incentivos que têm, por fundamento, correção de desigualdades regionais;, afirma. Sobre a associação dos incentivos às práticas saudáveis ao meio ambiente, como preservação e crescimento sustentável do parque industrial de Manaus, ele afirma que ;a lei que instituiu a chamada política nacional do meio ambiente falava do vínculo entre a fruição de benefícios fiscais e os parâmetros de sustentabilidade;.

O ex-secretário do Fisco reforça que essa mesma ideia está prevista no novo regulamento do Imposto de Renda. Quanto à inovação, ele acredita que é necessário pensar na Zona Franca de Manaus com uma ;roupagem nova;. ;Eu olho para as startups nessa área. Por que não pensar na Zona Franca também como, pretensiosamente, um ;Vale do Silício; brasileiro?;, questiona ;Pensar, portanto, em algo que estaria associado àquilo que hoje tem valor específico até maior do que bens e serviços, que é a informação;, complementa.


Reforma tributária

Maciel critica as ;ondas reformistas;, segundo classifica. ;Se eu fosse fazer um relato, uma referência ao que fizemos nos últimos 30 anos na matéria tributária, são coisas assustadoras;, diz. Para ele, as reformas tributárias não estão alinhadas ao avanço tecnológico e a mudanças nas relações de produção e tributação. ;Eu me preocupo com essas ondas reformistas que assumem caráter aventureiro. Tem que tratar a tributação do futuro. Nossa discussão é do século passado. Hoje, temos produção em rede, não em cadeia. Estamos fazendo um discurso em cima de um imposto obsoleto, e isso repercute na Zona Franca de Manaus;, critica.

Ele ressalta a importância de discutir incentivos fiscais sem preconceitos. ;Os incentivos fiscais existem e existirão. Recentemente, discutimos em São Paulo sobre a locação de um determinado investimento na Europa, examinando os incentivos fiscais da Suíça, da Holanda, da Bélgica, de Luxemburgo e da Irlanda;, conta, reforçando o uso do conjunto de incentivos no âmbito da competição fiscal, tanto internacionalmente quanto nacionalmente. ;Nos parâmetros da lei, a competição fiscal não só é lícita como é bem-vinda;, argumenta.

Garantia

Presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT), Marcelo Campos defende os direitos constitucionais para a Zona Franca de Manaus. Segundo ele, apesar de a Carta Magna garantir a existência do polo industrial, é preciso trabalhar para manter a competitividade das empresas ali instaladas, além de dar condições para atração de novos investimentos.

;A existência da Zona Franca de Manaus está garantida. O que pode ser variável são os seus elementos, ou seja, os benefícios que mantêm a sua existência;, diz. Hoje, os benefícios fiscais existentes na área de livre comércio são para os impostos importação, IPI e PIS-Cofins. ;São essas as características que permitem que as empresa se mantenham lá, com benefícios para todo o país;, afirma.

;Do ponto de vista jurídico, em 1988, a determinação constitucional foi um reconhecimento. É uma segurança jurídica, mas é preciso manter a competitividade das indústrias;, ressalta. Para o jurista, as leis ambientais fazem parte do conjunto de legislações que beneficiam a região e é muito importante que sejam seguidas, pois têm apelo internacional. É preciso, contudo, manter a ;variável de produção;, ou a Constituição não será atendida.

Segundo Campos, os benefícios podem evoluir para a redução de outros tipos de tributos, como o Imposto de Renda, mas a existência da ZFM não deve ser discutida. ;Esse rol de benefícios pode ser mudado, até para manter a competitividade para os investidores;, frisa.

Superavit

O jurista vai além. Se, no passado, os benefícios fiscais tinham como objetivo aproximar o polo de Manaus de outras regiões mais competitivas, como São Paulo, hoje eles garantem que o investidor fique no país. ;Se não houvesse incentivos, os investidores já teriam saído do Brasil e não apenas da região amazônica;, destaca.

O estado do Amazonas, garante ele, foi superavitário até meados dos anos 1940 e dependeu de repasses compulsórios de 1945 a 1973, quando voltou a ser superavitário. Entre as críticas que o polo industrial costuma receber estão argumentos relacionados aos riscos gerados à atividade industrial de outras regiões e ao peso que os incentivos teriam para a arrecadação do país.

A Zona Franca teve impacto positivo da indústria de todo o estado do Amazonas, onde a participação da indústria da transformação, de 24%, é o dobro da média nacional, de 12%.

Produção

O Polo Industrial de Manaus (PIM) ainda sofre o impacto da recessão de 2015 e 2016, mas está em franca recuperação. Até novembro de 2018, o faturamento chegou a R$ 85,7 bilhões, bem próximo ao registrado em todo o ano de 2014, conforme dados levantados pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam). O emprego ainda se ressente da fragilidade da economia do país. A região, que empregou mais de 122 mil trabalhadores cinco anos atrás, tem hoje cerca de 90 mil pessoas trabalhando, uma redução de 28% do efetivo desde 2014.

Para o presidente do Cieam, Wilson Périco, a Zona Franca de Manaus (ZFM) tem sido importante para o desenvolvimento da indústria do estado do Amazonas, pois ajudou a elevar, de forma expressiva, a renda per capita da população e a capacitação da mão de obra local. Segundo ele, os trabalhadores da região hoje são tão qualificados quanto os do Sudeste. ;O Índice de Desenvolvimento em Educação Básica (Ideb) de Manaus é o maior da Região Norte, e o nível de escolaridade dos trabalhadores do Amazonas, de 10 anos, é praticamente o mesmo ao de São Paulo, de 10,26 anos;, destaca.

Riquezas

Ao defender a manutenção dos incentivos fiscais na Zona Franca, o presidente do Cieam destaca que, no caso do PIM, a renúncia fiscal é investimento e dá retorno para os cofres públicos. De acordo com ele, o Amazonas é superavitário do ponto de vista tributário, pois envia mais receita tributária para a União do que recebe, e ainda responde por 50% da arrecadação da Região Norte do país.

;O Amazonas é um dos oito estados superavitários em termos fiscais, pois repassa mais do que recebe ao governo federal;, garante ele, citando outros sete entes que estão nesta lista: São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. ;Para cada R$ 1,4 real investido pelo governo na região, o retorno é três vezes maior.;

Na opinião do executivo, para a Zona Franca voltar a crescer, será necessário reduzir as desigualdades regionais que ainda existem no país. Ele defende mudança na legislação e a criação de programas mais estruturados de desenvolvimento regional, que vão muito além da renúncia fiscal. Ele sugere, por exemplo, mudanças regulatórias para permitir a exploração das riquezas naturais que existem no Amazonas, algo que ajudaria no desenvolvimento do estado e do país.

;O país tem a segunda maior jazida de potássio do mundo e não pode fabricar fertilizante para os produtores nacionais, que precisam importar;, afirma Périco.