postado em 16/03/2009 08:47
Existem momentos na vida de certas pessoas que lembram um jogo de pôquer. São aqueles instantes em que uma única cartada pode representar a diferença entre ganhar ou perder tudo o que tem. Quando um momento desses acontece em uma mesa, a adrenalina costuma tomar conta do ambiente. E a expressão usada em partidas ao redor do mundo é all in, que pode ser entendida como o ato de apostar todas as fichas em uma única jogada.
Aos 24 anos, a brasiliense Rebeca Gusmão confessa que gosta de jogar pôquer de vez em quando. E para ela, pelo menos no que diz respeito à carreira esportiva, a hora do all in se aproxima. Rebeca viverá um momento crucial de sua vida amanhã, quando se apresentar, ao lado de seus advogados, Breno Tanuri e André Ribeiro, e da médica Renata Castro (testemunha), diante dos membros da Corte Arbitral do Esporte (CAS), em Lausanne, na Suíça.
No tribunal, ela jogará todas as fichas de que dispõe para provar sua inocência. O prêmio será readquirir o direito de competir e limpar seu nome das acusações de doping que sofre desde novembro de 2007, quando o caso do Pan do Rio-2007 veio à tona. Se perder a aposta, Rebeca terá que se contentar com o fato de que estará banida para sempre dos esportes profissionais. E sua vida, então, tomará um rumo alternativo, que ela até já tem preparado, caso o pior aconteça.
;Estou tranquila;, garantiu a brasiliense, que embarcou no sábado para a Suíça. ;Só estou um pouco ansiosa porque eu, mais do que ninguém, quero colocar um ponto final nessa história. Já entreguei tudo nas mãos da justiça divina. Estou bem acompanhada por meus advogados, que são dois dos melhores do Brasil e em quem confio muito. Isso me dá mais segurança.;
Rebeca tem consciência de que precisará de belas cartas nas mãos para reverter as últimas decisões que pesaram contra ela na Federação Internacional de Natação (Fina). Em 5 de maio de 2008, foi considerada culpada de ter se dopado com o hormônio testosterona após um exame feito em 13 de julho de 2007, durante o Pan do Rio, ter dado positivo. Por essa infração, acabou suspensa por dois anos. Menos de quatro meses depois, em 5 de setembro, a Fina a julgou culpada de um segundo caso de doping, durante o Troféu José Finkel, no Brasil, em 2006. Como já tinha uma condenação por doping, Rebeca foi banida para sempre do esporte.
Contradições
O principal argumento da defesa de Rebeca para ganhar a parada na Suíça é mostrar que os casos de doping são repletos de contradições. Para muitos leigos, o simples porte físico avantajado de Rebeca já seria uma prova incontestável de que ela se dopou. Essa, entretanto, é ideia popular. E o CAS, como qualquer outro tribunal, se baseia em fatos. Nesse aspecto, Rebeca e sua equipe estão munidas de vários argumentos.
Para começar, o simples fato de ter sido banida do esporte já representaria uma contradição. Rebeca tentará mostrar que é inaceitável que ela tenha sido punida por um caso de doping ocorrido em 2007 para só depois ser banida por um caso referente a 2006. Obviamente, a ordem cronológica não foi respeitada. Afinal, se o doping de 2006 tivesse sido julgado à época, o doping de 2007 não teria existido ; se ela tivesse sido considerada culpada, estaria suspensa no período do Pan do Rio.
Além disso, Rebeca tentará desqualificar o laboratório canadense Institut Armand Frappier, que analisou a amostra colhida durante o Pan. A urina da nadadora foi enviada para o Canadá a pedido do médico Eduardo De Rose, maior especialista em doping do Brasil e responsável pelo esquema antidoping do Pan.
Em entrevista ao Correio, De Rose disse, à época, que solicitou o envio da amostra para o laboratório canadense porque ele teria mais competência tecnológica que o carioca Ladetec, responsável pelas análises dos exames antidoping dos Jogos Pan-Americanos. Rebeca fez cinco exames durante o Pan e os quatro que foram analisados pelo Ladetec deram negativos ou não-conclusivos. ;Desde o início, André e Breno me disseram que a Fina não iria decidir nada nesses casos. Quem vai decidir é o CAS. Agora é a grande final e a gente aposta todas as fichas nisso;, afirmou a nadadora.
Futebol
Em setembro do ano passado, Rebeca Gusmão deu início a uma nova ocupação. Tornou-se jogadora de futebol pela equipe do UniCeub e, em novembro, foi anunciada como o mais novo reforço da equipe da Ascoop, em Brasília.
Desde então, a atacante tem se dedicado aos treinos e aos jogos, o que lhe deixou 18 quilos mais magra do que quando começou a correr atrás da bola. Na última semana, ela esteve no Rio de Janeiro com a Ascoop para uma série de amistosos e se mostrou satisfeita com o futebol, dizendo, inclusive, ter feito várias amigas.
Apesar da nova paixão, Rebeca não esconde que gostaria muito de poder nadar de novo. Isso, para ela, seria uma resposta a todos os que não acreditaram em sua inocência e, ao mesmo tempo, uma homenagem a quem a apoiou durante o turbulento caminho que teve de atravessar. ;De vez em quando, ainda dou umas braçadas;, contou. ;E vejo que ainda consigo nadar bem. Consigo fazer tempos iguais aos que fazia quando estava no ápice.;
Sobre voltar a nadar caso tenha um veredicto favorável, a brasiliense comentou: ;Estou devendo uma resposta para muita gente dentro das piscinas. Pretendo voltar a competir, nem que seja em um único torneio. Jamais quis sair da natação dessa forma. Minha história dentro da natação é muito bonita e merece um final bonito;.
Ferida aberta
Quando o caso do doping do Pan explodiu, a vida de Rebeca Gusmão se transformou em um inferno. Piadas de todos os tipos, ameaças de processos e perdas de patrocínio foram alguns dos problemas que ela enfrentou. ;Lembra que disseram que iriam mover um processo contra mim no Ministério Público? Pois é. Até hoje não tem processo nenhum. Apareceram pessoas de todos os lados me atacando só para aparecer mesmo;, afirmou.
Como tudo na vida, a poeira assentou. E a vida, aos poucos, foi voltando ao normal para Rebeca, mesmo longe das piscinas. Veio o futebol e, com ele, uma nova rotina. A brasiliense garante que está bem. ;Sou uma pessoa muito feliz, graças a Deus. Independentemente do que aconteça lá (na Suíça), isso não vai mudar. Tenho muitas amigas nos meus dois times de futebol e isso ajudou a curar a ferida que se abriu quando pensei que nunca mais iria nadar na vida.;
Retomar o assunto, no entanto, é algo que ainda machuca. ;É uma ferida. Quando alguém bota o dedo sempre dói. Mas amadureci muito e hoje sou, no mínimo, 100 vezes mais forte do que era quando tudo isso começou. Agora já sei o que vai acontecer. A imprensa vai lembrar tudo de novo, mas estou preparada;, garantiu.
Rebeca terá direito à palavra no CAS. Só não definiu direito o que vai falar. Segundo ela, não será nada ensaiado. ;A ansiedade é grande porque foram tantos erros, tanta injustiça, que tenho muita vontade de mostrar tudo isso para eles;, contou. ;Quando chegar a minha vez de falar, e a palavra do atleta é a final, não sei por onde vou começar. Foram tantos fatores que vou precisar de um tempo para pensar em como dizer tudo o que aconteceu.; (LRM)