Superesportes

Há pouca vida fora do Universo

Mesmo abrigando um dos melhores times profissionais do país, Distrito Federal ainda não conta com uma base forte, capaz de manter a modalidade em alto nível

postado em 20/07/2009 08:53
"O Universo é outro universo. É profissional, o foco não é a base." A frase de Ricardo Oliveira, técnico e fundador do Lance Livre, resume bem o abismo que existe hoje entre o profissionalismo e o basquete de base no Distrito Federal. Mesmo abrigando um time que esteve nas quatro últimas finais do campeonato nacional, Brasília ainda não é um pólo no país. Fora do Universo, não se tem um nível alto de jogo por estas bandas do cerrado. "O Basquete de Brasília é amador, feito por amor", explica Alexandre Veloso. O estudante de nutrição é professor na APAB e auxiliar de "Seu" Geraldo, forma carinhosa com que é tratado Geraldo da Conceição, de 87 anos. Aposentado do TCU, Geraldo vive em Brasília desde 1961. Quando chegou, era jogador. Com o passar dos anos, virou técnico de basquete. Comandou as equipes do Motonáutica e da Asbac. Depois que os dois clubes deixaram a modalidade de lado, fundou com amigos, em 1991, a Associação de Pais e Amigos do Basquetebol, APAB. Ronald chegou a treinar no UniversoPara Seu Geraldo, o grande time da capital na atualidade começou errado. "Se tivesse sido um trabalho bem feito, o Universo teria saído da base de Brasília." Ele reclama que as categorias mirins, juvenis e juniores, onde tudo começa, não são estimuladas. "O campeonato é pequeno demais, tem só dez jogos", ressalta. A postura de Ricardo Oliveira, que já foi da comissão técnica do Universo em 2007, e tem trânsito livre na equipe profissional, é um pouco diferente. Ele concorda com a ideia de que faltam políticas esportivas para estimular o basquete, mas defende o papel da grande equipe. "O Universo já estimula a valorização do basquete", garante. Segundo ele, o sucesso do time candango aumentou a procura nas escolinhas. "Elas estão lotadas". Nesse ponto, Alexandre Veloso concorda. "A presença do Universo deu mais visibilidade para os meninos." Mas para o pessoal da APAB, os jovens talentos que aparecem na cidade carecem de quase tudo. E os investimentos, dizem, deveriam vir do governo. "A categoria de base tinha de ser vista com mais carinho, receber o mesmo incentivo do governo que o Universo tem." O carinho de Seu Geraldo com os meninos e meninas que treina gera frutos. Hoje ele é auxiliado por dois ex-alunos: Robson Castro e Alexandre Veloso. Juntos, os três tomam comandam a escolinha (sub-16), o time feminino adulto e os juvenil e adulto masculinos. Transição complicada Entre os profissionais que vivem o basquete, há uma unanimidade: o grande problema da modalidade está na transição da base para o profissional. O técnico do Universo, Lula Ferreira, conta que estranhou muito isso quando chegou a Brasília: a equipe daqui era formada apenas por adultos. "Sempre trabalhei com no máximo oito ou nove adultos, o restante juvenil. Quando cheguei aqui, os 18 eram adultos." Para o técnico, o basquete brasileiro de uma forma geral está seguindo um formato errado. "Os clubes estão falidos. O certo seria ter a base do esporte nas escolas, porque pega todo mundo. Aí, não é para competição, mas para formação. Das escolas, os times pinçariam os melhores." Lula inclusive acredita que esse erro na forma de conduzir o esporte influencia na qualidade dos profissionais brasileiros. "No basquete brasileiro falta o coletivo. Quando o negócio aperta, apela-se para a individualidade e não para o coletivo. É um problema que vem da base. A base no Brasil joga para ganhar e não para aprender"D, analisa o treinador. "Quando se tem um garoto bom, se explora ele ao máximo. Mas chegará uma hora que ele não conseguirá mais se sobressair e aí não terá cabeça para suportar", completa Lula. "O problema é que não temos uma política de esportes nacional. Não existe integração entre Ministério do Esporte, Comitê Olímpico Brasileiro e as Federações", critica o técnico do Universo. Sair ou não sair? Brasília é conhecida por exportar seus talentos no basquete. Jogadores de destaque como Oscar Schmidt, Pipoka e agora Arthur, tiveram que deixar a cidade para se profissionalizarem. Hoje, com o Universo, os meninos que começam aqui têm um clube para sonhar em defender. Mas uma única equipe é pouco. Para alguns, o Universo poderia ajudar na formação de novos talentos, se tivesse uma categoria de base. Ricardo Oliveira, do Lance Livre, discorda. E cita o exemplo de Enéias, Tchiêlo e Vitor Pureza, atletas do Lance Livre e do Vizinhança que treinam com a equipe profissional. Para ele, a regra da Liga Nacional de Basquete (LNB) de obrigar todas as equipes a escalarem um juvenil e um cadete é suficiente. Para ele, a saída de jogadores é algo natural. "Antigamente, todo mundo queria ir para São Paulo, hoje, os meninos querem ir para a Europa ou para os Estados Unidos. Mas Brasília já está tendo condições de segurar atletas", garante. Mesmo assim, o técnico admite que apenas o Universo é muito pouco para absorver todos os meninos que se formam na cidade. Ricardo sugere uma solução: "O ideal seria ter mais uma equipe profissional, numa cidade satélite". Talento exportado Quando começou a praticar streetball (basquete de rua), aos 14 anos, Ronald Rudson Rodrigues Reis não imaginou que poderia ir tão longe. E tão rápido. "Queria ser atacante, mas aí cresci demais", diz, rindo. Hoje, aos 17, ele está em Brasília de férias do Torrejón, time que defende na Espanha. Aqui, Ronald jogou por pouco tempo. Do streetball em Brazlândia, cidade em que nasceu, foi treinar no CID (Centro de Iniciação Desportiva). De lá, o amigo Enéias, do Universo (1), o convidou para ir treinar no Lance Livre. Ronald foi apresentado a Ricardo Oliveira, técnico e fundador do Lance Livre, aos 16 anos. No mesmo ano, o treinador conseguiu uma oportunidade para o pivô na Espanha. "Ele tinha uma proposta dos Estados Unidos, de uma universidade, mas acabou não dando certo", conta Ronald. Há sete meses no Torrejón, o jogador está feliz. "Lá tem campeonatos mais fortes. "Além disso, o jogador brasiliense é titular da equipe sub-17 desde que desembarcou em Madri. "Cheguei lá numa quarta-feira, domingo já tinha jogo", lembra. Com o Torrejón, ele foi campeão mundial na França e vice-campeão espanhol. "Lá tem mais equipes, mais olheiros, é mais fácil para eu me profissionalizar", garante o garoto, que ainda cultiva um sonho que os mais velhos parecem ter esquecido: jogar pela seleção brasileira.

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