Joana Tiso
postado em 09/12/2009 08:57
Rio de Janeiro ; O Flamengo teve mais uma noite histórica na segunda-feira, quando elegeu pela primeira vez em seus 114 anos uma mulher como presidente. Ex-nadadora e atual vereadora do Rio, Patrícia Amorim prega a harmonia num clube fragmentado politicamente. Apesar de representar a renovação e ter batido o candidato de Márcio Braga, ela teve como base de apoio os ex-presidentes Hélio Ferraz (seu vice-geral), Luiz Augusto Veloso e George Helal. Patrícia, que comandará o rubro-negro no triênio 2010/11/12 e tomará posse em 5 de janeiro, recebeu 792 votos contra 699 do segundo colocado, o atual vice, Delair Dumbrosck.Patrícia foi vice-presidente de esportes olímpicos do Flamengo duas vezes e deixou o cargo no início de 2009 por conta de atrasos de salário no basquete e na ginástica olímpica. A presidente recebeu o apoio de atletas como os irmãos Diego e Daniele Hypólito.
[SAIBAMAIS]A vitória de Patrícia, apesar do título brasileiro conquistado na véspera da eleição, não chegou a surpreender. Com um leve favoritismo, ela levantou a bandeira dos sócios que buscam uma mudança de mentalidade e não apenas de resultado. Para a presidente, falta grandeza de estrutura e administração ao Flamengo.
;Há mais de um ano, venho escutando o que o torcedor quer. Nas últimas 15 semanas, fui ao Flamengo de segunda a domingo. Todos falaram em times competitivos, mas também num clube mais bem gerido. Vamos arrumar a casa;, prometeu. ;O meu discurso é de harmonia. Essas divisões (políticas) não podem mais existir. Isso cria um clima de insegurança. Imagine um clube com essa capacidade competitiva e ainda bem administrado. Vai longe.;
A fonte de inspiração da presidente para os novos rumos do rubro-negro é o Barcelona. ;Gostaria que o Flamengo se comportasse da mesma forma. Eles têm seis jogadores da base no time (na verdade, são 10), inclusive o Messi, e um treinador (Josep Guardiola) parecido com o Andrade. Quero que o Flamengo volte a servir de base para a Seleção;, revelou.
Entre as prioridades dela estão a revitalização da Gávea, no que diz respeito a melhores equipamentos e condições de trabalho, o fim das obras do CT Ninho do Urubu e a busca por parcerias, sobretudo na formação dos atletas. Patrícia pretende manter o elenco para a próxima temporada, inclusive os jogadores com vínculo apenas até este mês, como o zagueiro Ronaldo Angelim e o meia Zé Roberto. Andrade também está com moral. ;A ideia é ficar com todos, mas ainda não decidi sobre o comando na diretoria;, contou. Existe a chance de Marcos Braz, que é amigo de Patrícia, seguir como vice de futebol.
Com receitas antecipadas e uma dívida na casa dos R$ 300 milhões, a presidente assume o rubro-negro com o orçamento comprometido. Nada que tire o sono dela. ;Para o próximo ano, temos R$ 148 milhões em receitas. Não é tão assustador. Já foi mais. Estou herdando uma dívida, e me comprometo a começar a pagar. O importante é não deixar que aumente.;
Patrícia também revelou que sofreu muito preconceito durante o ano. No entanto, garantiu que virou a página. ;Tenho uma proposta pronta, mas quero ouvir todas as boas ideias. Já superei os problemas. Estar no Flamengo não é um projeto pessoal, nem pode ser. Dei a resposta na hora certa. E para quem é competitivo, isso dá uma motivação enorme. Quanto mais batiam, mais eu crescia. Foi um erro estratégico dos adversários;, disparou.
PERFIL
Identificada com o clube
Ex-nadadora e atual vereadora do Rio, Patrícia Amorim tem 40 anos e é mãe de quatro meninos. Ela é sócia do Flamengo há 33 anos, faz parte do Conselho Deliberativo desde 1990 e, como atleta, disputou as Olimpíadas de Seul, em 1988. Além de superar o caos financeiro, a nova presidente rubro-negra tem como meta acabar com as divisões políticas na Gávea.
Puxão de orelhas no Imperador
Patrícia Amorim ainda nem assumiu o cargo e já tratou de enquadrar o atacante Adriano, que tem tratamento privilegiado no clube. ;Já convivi com tudo quanto é atleta. Pensa que o Marcelinho (do basquete) é fácil? Determinados comportamentos podem prejudicar a equipe e é preciso saber disso. Mas isso (faltas do Adriano) é problema dessa gestão. Não sei que tipo de acordo há;, disparou. ;Acho que o casamento deu certo. Adriano se reencontrou no Flamengo. Ele fala publicamente que dinheiro não é tudo. Estou apostando nisso.;
Três perguntas para Patrícia Amorim
Quais são as suas prioridades?
Terminar as obras do CT Ninho do Urubu, revitalizar a Gávea e firmar parcerias, principalmente na formação dos atletas. O foco no primeiro ano é manter as equipes e melhorar a estrutura física. Não adianta ter ótimos atletas sem condições de trabalho. O clube está deteriorado. Quanto à dívida, precisamos curar a ferida. Estou herdando isso e me comprometo a começar a pagar. O exercício é seguir competitivo sem gastar tanto. No futebol, meu sonho é o Mundial. O de 1981 foi inesquecível.
Como transformar a paixão da torcida em mais receita para o clube?
Vamos criar uma ouvidoria. O Flamengo precisa se aproximar dos associados e do torcedor. Se o clube não se comunica, como vai vender sem saber dos anseios? O sócio não sabe do que acontece no clube, mas sabe que não se faz ouvir e que a sede está deteriorada. Houve projetos de sócio-torcedor com ideias bacanas até, mas que não funcionaram. Talvez por falta de credibilidade. Não queremos apenas mais um sócio, como ocorre no Internacional e no Vasco. Eu penso diferente. Minha preocupação é dar benefícios a ele.
Pretende manter a estrutura do futebol?
O objetivo é manter o elenco. Só não fica quem não quiser. Tenho uma admiração enorme pelo Andrade, que é um técnico identificado com o Flamengo e que fez por onde. A ideia é ficar com todos, mas ainda não decidi sobre o comando do futebol. Quero um modelo profissional, com um diretor executivo, além do vice de futebol.
ESTATÍSTICAS E CURIOSIDADES
Mulher na presidência de clube de futebol não chega a ser novidade. Também time de massa, o Corinthians foi comandado por Marlene Matheus de 1991 a 1993. Ela é viúva de Vicente Matheus, folclórico ex-presidente do alvinegro paulista. Já o Bangu, do Rio, esteve sob a direção de Rita de Cássia no triênio 2004-2005-2006. No Distrito Federal, Gedalva Egídio Soares foi presidente do Paranoá de 2003 até este ano. Na Europa, o Basel, da Suíça, é dirigido por Gisela Oeri; a Roma tem o comando de Roseli Sensi; e o Bologna, também italiano, conta na presidência com Francesca Menarini.
TEIXEIRA TORCE PELO ;HEPTA;
O presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, comentou a eleição de Patrícia Amorim e, surpreendentemente bem-humorado, disparou: ;Tenho certeza de que ela fará um excelente trabalho. Boa sorte à Patrícia, e que ela traga o hepta;. A própria CBF, porém, considera o Sport campeão de 1987 e não o rubro-negro carioca.