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Jade Barbosa fala ao Correio sobre a convivência com a dor

Principal atleta da equipe brasileira em Pequim, Jade Barbosa revela o difícil recomeço da carreira depois da incurável lesão e de ser abandonada pelas autoridades

Patrícia Trindade
postado em 11/12/2009 09:03
Rio de Janeiro ; Ela passa na frente de uma das confeitarias mais famosas do Rio de Janeiro, no Shopping Rio-Sul, em Copacabana, olha para a vitrine, se aproxima e fica uns dois minutos analisando os pedaços de torta expostos nas prateleiras. Pergunta para a atendente o sabor de um merengue, fica indecisa entre uma musse de abacaxi e por fim aponta para um pedaço de bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro tentador. Sem graça, como se estivesse cometendo um crime gravíssimo, a ginasta Jade Barbosa, de 18 anos, senta-se à mesa da praça de alimentação e começa a conversar com o Correio, sem antes fazer um pedido e se justificar: ;Ah, não tira foto minha com essa torta, vai... só estou comendo doce porque não estou em período de competição;, diz a atleta, vítima recente de um dos maiores descasos do esporte brasileiro.

Principal atleta da equipe brasileira em Pequim, Jade Barbosa revela o difícil recomeço da carreira depois da incurável lesão e de ser abandonada pelas autoridadesUm pouco de doce na amarga e lenta recuperação da ginasta que teve, nos Jogos de Pequim, em agosto de 2008, o melhor desempenho individual de uma ginasta brasileira da história. Estreante, e com apenas 17 anos, ela ficou entre as 10 atletas mais completas do mundo e foi importante para a classificação inédita da equipe brasileira para a final.

Ainda com relações cortadas com a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e magoada com o descaso com foi tratada desde que teve diagnosticada uma necrose no capitato, um pequeno osso do meio da mão direita, logo depois das Olimpíadas, Jade confessa: ;Eles (dirigentes, médicos da CBG e o técnico ucraniano Oleg Ostapenko) sabiam que o caso era grave desde o início, em janeiro do ano passado, mas não me alertaram nem fizeram nada porque estava muito perto de Pequim. Depois que voltei para o Brasil e a gravidade da lesão foi comprovada pela falta de um tratamento adequado quando as dores começaram, ninguém me ligou nem sequer para saber como eu estava;, reclamou.

Jade lembrou até do abandono financeiro sofrido depois das Olimpíadas. ;Deixei de receber o patrocínio da Seleção Brasileira porque me afastei e tive de pagar pelo tratamento. Mas o pior foi não ter o reconhecimento de ninguém de que houve um descaso muito grande com a situação. Senti mesmo que o atleta no Brasil é descartável. O que vai acontecer depois da competição é problema dele;, desabafou a atleta.

A constituição óssea de Jade corresponde à de uma mulher de 50 anos

Apesar de tudo, a ginasta ainda acredita em uma negociação. ;Sei que meu pai (César Barbosa, de 50 anos, arquiteto e empresário da filha), já voltou a conversar com a confederação, mas por enquanto não quero me envolver. Ainda estou chateada com tudo e poderia estragar as coisas, dificultar uma aproximação futura, que eu não descarto;, ponderou a atleta. Há seis meses, ela vem recebendo incentivo do BMG, um banco privado mineiro, e segue treinando no Flamengo, mas os salários estão atrasados há quatro meses.

Resistência olímpica


Criada em Copacabana, flamenguista e ginasta desde os seis anos, Jade é uma carioca atípica: tímida, avessa às baladas e extremamente responsável. Voltou a treinar há menos de dois meses e há duas semanas disputou sua primeira competição desde os Jogos de Pequim. Na verdade, ela ainda não sabe se pode falar em carreira ou em futuro na ginástica. Os especialistas conhecem pouco sobre a necrose ; existem apenas dois casos registrados no mundo na medicina esportiva ;, e é provável que a doença se manifeste no outro punho devido ao esforço, mas é consenso que se ela tivesse interrompido as atividades quando as dores começaram, em janeiro do ano passado, o dano seria menor.

A falência do osso é irreversível, não tem cura e não regrediu desde que foi detectada. Mas também não piorou, já que Jade ficou em repouso, sem praticar nenhuma atividade física, durante quase um ano e meio. Neste período, engordou sete quilos e perdeu boa parte da massa muscular que os exercícios de solo e aparelho exigem. Mas, desde que retornou à rotina de oito horas diárias de treino, em outubro, já perdeu cinco quilos e está com 80% da condição física ideal, segundo ela.

As dores são inevitáveis e Jade acredita que, para treinar e competir em alto nível, vai ter de lançar mão de anti-inflamatórios liberados pela Wada (Agência Mundial Antidoping). Ela diz que sempre foi muito resistente à dor e está disposta a enfrentá-la para defender o Brasil nos Jogos de Londres, em 2012. ;Raramente tomo remédio. Se tenho dor de cabeça espero pacientemente ela passar. Não tomo nada. Essa dor no pulso vai ser para sempre. Sinto até quando não estou fazendo nada. Agora, por exemplo, estou sentindo uma dorzinha fraca, mas estou. Aprendi a viver com ela. E decidi que não vou me render. Dá para levar. Depois de ter disputado as Olimpíadas com uma dor quase insuportável acho que eu aguento qualquer coisa;, diz a ginasta.

Doença rara

A constituição óssea de Jade corresponde à de uma mulher de 50 anos, segundo os médicos. A necrose no pulso ocorreu por excesso de treinos e por pouco não encerrou a carreira da ginasta. De acordo com Jade, há apenas dois casos como o seu relatados na medicina esportiva e os especialistas não sabem a causa nem o tratamento. Mas foram unânimes em dizer que, se o caso tivesse sido diagnosticado no início, quando as dores começaram, em janeiro de 2008, e a atleta tivesse começado o repouso mais cedo, o estrago teria sido menor.

Leia mais na edição desta sexta-feira do Correio Braziliense.

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