postado em 15/12/2009 08:46
Ana Paula Santos
Recife - Bicampeã paraolímpica. Recordista mundial e um dos principais nomes do paradesporto brasileiro. A pernambucana Suely Guimarães, 51 anos, presente em Paraolimpíadas desde 1992, em Barcelona, foi flagrada no exame antidoping, durante a etapa de Fortaleza do Circuito Nacional Loterias Caixa. A atleta, que foi convocada pela primeira vez para integrar a delegação brasileira paraolímpica em 1986, quando representou o país no Parapan-Americano de Porto Rico, abriu mão da contra-prova e foi suspensa por um ano. Desde 12 de setembro, quando se submeteu ao teste de dopagem, Suely optou pelo silêncio até o dia do julgamento, realizado no último domingo. Após análise da comissão antidoping do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), saiu o veredicto.
Na amostra de urina coletada, foi encontrada a substância hidroclorotiazida, um diurético que mascara o possível uso de outras substâncias proibidas. Ontem à tarde, em sua casa, no bairro da Várzea, em Recife, aparentemente tranquila - apesar de alterar a voz de acordo com o rumo da entrevista - Suely fez questão de prestar esclarecimentos sobre o assunto. "Foi uma bomba, uma surpresa para mim. Mas vou dar a volta por cima", adiantou a atleta.
Doping
"Jamais faria uso de um remédio sabendo que ele seria proibido. Nunca tomei um remédio para dor de cabeça que não consultasse meus médicos. Assumo parte da culpa por não ter consultado a lista de remédios proibidos. Mas o clorana (que contém a substância hidroclorotiazida), que tomo apenas metade do comprimido, era para tratar problemas de pressão alta. Estava tomando ele associado ao losartion. Comecei a usar o clorana desde que voltei do Parapan do Rio de Janeiro, em 2007. Na verdade, desde 2004 tomo remédios para o controle da pressão arterial."
O dia da coleta
"Terminei de competir em Fortaleza por volta das 16h. Bati o recorde mundial no disco. Depois fui para o hotel e, às 18h, tomei o clorana. Já passava das 20h quando a comissão antidoping bateu na porta do meu quarto para coletar o exame. Não me neguei e fiz tudo conforme eles me pediram. Quando veio o resultado, me senti injustiçada. Acho que, pela minha história no Comitê Paraolímpico Brasileiro, eu merecia, pelo menos, que o médico do CPB, Roberto Vital, fizesse algum alerta sobre os remédios que estava fazendo uso. Ele foi covarde. Afinal de contas, antes mesmo de preencher o formulário para o pessoal do exame, indiquei estar utilizando o clorana e losartion. Eles sabiam que eu estava tomando o remédio. Acho que faltou um pouco de respeito. Eles disseram que, por não estar competindo pelo Brasil, pois a competição era Nacional, eles não teriam essa obrigação de me alertar. Uma pena que eles só tenham atenção com a gente quando ganhamos medalhas. Esquecem-se de que somos seres humanos."
Contraprova
"Tenho muito respeito por Edilson Alves da Rocha, o Tubiba, e ele me orientou a não repetir o exame. Conversei com meu técnico e ele também disse que não valeria a pena recorrer. Vou esperar minha punição e cumpri-la. Passei momentos muito difíceis por causa do atletismo, jamais colocaria tudo a perder. Conversei com meus médicos (Jéssica Garcia e Esdras Gaspar) e, momentaneamente, vou fazer uma pausa no uso do clorana. Mas na próxima semana, por conta própria, pretendo repetir esse tipo de exame. Quero fazer o antidoping limpa e também usando o clorana. Aqui, não tem laboratório especializado. Vou colher e enviar para São Paulo."
CPB
"Na semana passada estive no Rio porque fui indicada ao prêmio de destaque na minha categoria. Não consegui falar com Andrew Parsons (presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro) porque sabia que, no desabafo, iria chorar. Não estava ali para isso. Fui de cabeça erguida, apesar de estar vivendo todo esse drama. Deixei muita coisa de lado em virtude da minha carreira. Não estou me isentando totalmente da culpa. Sei que deveria ter mais cuidado. Mas o que custa ao Comitê reforçar a consulta da lista de remédios proibidos? Às vezes, tenho a impressão que os atletas mais veteranos estão sendo deixados de lado."
Futuro
"Nada é por acaso. Vi que pessoas poderiam me ajudar nessas horas e preferiram ficar indiferentes. Vou continuar treinando em 2010. Quero testar minha cadeira nova, onde vou conseguir girar 360 graus. Idealizei a cadeira porque se fosse esperar pelo CPB... Vou ficar sem competir ano que vem, mas não vou parar de treinar. Peço a compreensão de todos os pernambucanos e brasileiros. Peço desculpas. Mas minha carreira não se encerrou. Se é isso o que muita gente quer, aviso que vou voltar. E em grande estilo. Fazendo o que sempre fiz. Bater recordes e conquistar medalhas."
MORRE ALDO MICCOLIS
O esporte paraolímpico brasileiro perdeu ontem um dos dirigentes mais importantes. Um enfarte matou o carioca Aldo Miccolis, de 78 anos, conhecido no movimento paraolímpico como A Lenda. O trabalho dele começou em 1958, quando foi diretor do Centro Esportivo do Clube do Otimismo, no Rio. Era o embrião do Comitê Paraolímpico. Miccolis ajudou a criar a Associação Nacional de Desporto para Deficientes (Ande). Participou da fundação da Confederação Brasileira de Desportos para Cegos (CBDC), foi vice-presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) e era o atual presidente de honra da entidade.
Memória
Vários casos de doping marcaram o ano de 2009 no esporte brasileiro. Confira alguns.
Março
* O jogador Bob, do Brasil Vôlei Clube, foi flagrado com a substância delta-9-tetraidrocanabinol, presente na maconha, em exame realizado após partida contra o Joinville, pelos playoffs da Superliga Masculina de Vôlei.
Abril
* Seis ciclistas foram flagrados no exame antidoping durante a Volta de Santa Catarina, com a substância eritropoietina (EPO), que eleva a resistência física. A Confederação Brasileira de Ciclismo só divulgou o nome de quatro deles: Alex Diniz, Cleberson Weber, Alex Arsenio e Alcides Vilela.
* Quatro integrantes da equipe de atletismo não passaram no exame antidoping em diferentes competições. Marcos Felix, Hamilton Castilho, Marcelo Moreira e Jenifer do Nascimento haviam utilizado substâncias estimulantes ou esteroides.
Maio
* Emerson Júnior Barbosa, halterofilista paraolímpico, apresentou o anabolizante oxandrolona, em exame realizado no Regional de São Paulo.
Junho
* Onze integrantes da equipe de atletismo foram flagrados com diversas substâncias em exames antidoping. Um dos maiores escândalos do esporte brasileiro.
* Denílson Raimundo de Souza, halterofilista paraolímpico, teve teste positivo para a substância diurética hidroclorotiazida, no Circuito Regional Loterias Caixa, em Natal.
Agosto
* Uma amostra de sangue do fundista Daniel Lopes Ferreira, coletada no Circuito de Corridas e Caminhada da Longevidade, acusou presença de mefentermina, um estimulante.
* A triatleta brasiliense Mariana Ohata, de 30 anos, foi flagrada em um exame antidoping, que acusou presença de um diurético. Foi o segundo caso de Mariana, que está ameaçada de ser banida do esporte.
Outubro
* A ginasta Daiane dos Santos foi flagrada em um exame antidoping que deu positivo para a substância proibida furosemida, um tipo de diurético que pode ser utilizado para perda de peso e na redução da absorção de líquidos.
Novembro
* O atacante Jobson foi flagrado em um exame feito após o jogo do Botafogo, onde jogava, contra o Coritiba, em 8 de novembro, que apontou uma substância proibida. A definição da punição para o jogador, que pode ser de até dois anos, ainda aguarda a contraprova, que acontecerá em 16 de dezembro.
Cartola promete tolerância zero
Apesar de lamentar a descoberta de mais um caso positivo de doping para o país, principalmente tratando-se de uma atleta experiente, o presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), Andrew Parsons, garante intensificar o combate ao uso de substâncias proibidas. "Mesmo sendo a Suely, a nossa filosofia é de tolerância zero ao doping", afirmou. O flagrante foi o terceiro envolvendo atletas paraolímpicos do Brasil neste ano.
De acordo com o presidente do CPB, Suely não quis fazer a contra-prova. "Ela abriu mão da amostra B. Quando há o resultado positivo da amostra A, o atleta é notificado e a ele é dado um prazo para abrir a amostra B. Se ele declina, está aceitando o resultado da amostra A", explicou Parsons.
A punição de Suely Guimarães ainda poderá ser julgada pelo Comitê Paraolímpico Internacional, que pode manter ou vetar a decisão do CPB. "A gente informa. Pode ser que eles confirmem a suspensão ou que eles optem por fazer um julgamento próprio", considerou Andrew Parsons.
Para 2010, Parsons garante que ampliará tanto os testes - dentro e fora de competições - quanto às campanhas educativas - que visam a conscientização de atletas e treinadores dos perigos do doping e da legislação sobre o assunto. "A gente faz palestras, distribui cartilhas explicativas e temos o programa de testes. No ano que vem, pela primeira vez, o antidoping vai estar dentro do orçamento do CPB. Serão R$ 150 mil diretamente ligados a ações de combate ao doping", declarou.