Jornal Correio Braziliense

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Entrevista - Guga diz que poderia ter ido mais longe nas quadras

A cabeleira que fez sucesso em 1997, quando ele venceu Roland Garros pela primeira vez, está lá, firme e forte. E o sorriso aberto também. Mas, aos 33 anos, Gustavo Kuerten deixa transparecer uma frustração por não poder ter ido tão longe quanto gostaria nas quadras. Operado duas vezes no quadril, ele teve a vitoriosa carreira encurtada e, no ano passado, aposentou a raquete de forma emocionada na Costa do Sauípe, quando, às lágrimas, confessou que estava deixando o esporte porque as dores cobraram um preço alto demais. Em uma rápida passagem por Brasília, onde desembarcou para cumprir uma agenda de eventos com seu patrocinador, Guga recebeu a reportagem do Correio em um hotel para uma entrevista exclusiva. Nela, o ex-número um afirmou que as limitações físicas encurtaram uma trajetória que seria ainda mais brilhante e lamentou não ter tido a chance de chegar aonde acredita que poderia. Guga também criticou a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) pela atuação no caso de doping revelado pelo norte-americano Andre Agassi em sua biografia. O tricampeão de Roland Garros também não poupou o ex-tenista por suas declarações e se disse constrangido com as revelações de que Agassi usou drogas por quase um ano e chegou a ser apanhado em um exame antidoping. O catarinense lembrou ainda grandes vitórias da carreira, como o triunfo sobre Roger Federer, em 2004, em Roland Garros, e falou sobre as expectativas para o futuro, confessando que cogita assumir o posto de capitão do Brasil na Copa Davis. Ao fim do descontraído bate papo, Guga ainda contou como vão as aulas de artes cênicas, que inauguraram uma nova etapa na vida de um dos mais brilhantes e carismáticos campeões que o Brasil já produziu. Quem é ele Nome: Gustavo Kuerten Data de nascimento: 10 de setembro de 1976 Local: Florianópolis Altura: 1,91m Peso: 83kg Empunhadura: destro Profissional desde: 1995 Aposentado desde: 2008 Vitórias/derrotas: 385/195 Melhor posição no ranking: 1º (em 4/12/2000) Número de semanas no topo do ranking: 43 Prêmios na carreira: US$ 14,8 milhões Títulos de simples: 20 » 1997 - Roland Garros (saibro) » 1998 - ATP de Mallorca (saibro), Stuttgart (saibro) » 1999 - Masters Series de Roma (saibro), Masters Series Montecarlo (saibro) » 2000 - Masters Cup de Lisboa (quadra rápida), ATP de Indianapolis (quadra rápida), Roland Garros (saibro), Masters Series de Hamburgo (saibro), ATP de Santiago (saibro) » 2001 - Masters Series de Cincinnati (quadra rápida), ATP de Stuttgart (saibro), Roland Garros (saibro), Masters Series de Montecarlo (saibro), ATP de Acapulco (saibro) e ATP de Buenos Aires (saibro) » 2002 - ATP da Costa Do Sauipe (quadra rápida) » 2003 - ATP de São Petersburgo quadra rápida) e ATP de Auckland (quadra rápida) » 2004 - ATP da Costa Do Sauipe (saibro) Títulos de duplas: 8 » 1996 - ATP de Santiago (saibro, com Fernando Meligeni) » 1997 - ATP de Stuttgart, ATP de Bologna e ATP de Estoril (todos no saibro, com Fernando Meligeni) » 1998 - ATP de Gstaad (saibro, com Fernando Meligeni) » 1999 - ATP de Adelaide (quadra dura, com o equatoriano Nicolas Lapentti) » 2000 - ATP de Santiago (saibro, com Antônio Prieto) » 2001 - ATP de Acapulco (saibro, com o norte-americano Donald Johnson) Esse ano foi especial para o tênis. O suíço Roger Federer finalmente conseguiu ganhar Roland Garros e, depois, venceu em Wimbledon para chegar ao 15º troféu de Grand Slam (grupo dos quatro torneios mais importantes do mundo, do qual fazem parte, ainda, o Aberto da Austrália e o US Open). O Federer é mesmo o melhor jogador de todos os tempos? Acho que para fazer essa análise é só em cima das estatísticas mesmo. Não dá para comparar uma geração com a outra, porque os adversários mudam. Tem épocas com adversários mais difíceis e outras que não tem tantos jogadores bons competindo no mesmo período. Acho que o Federer é assombroso por tudo o que ele fez e todas as conquistas, que o torna credenciado para ser o melhor de todos os tempos. Mas acredito que ele pegou um momento também do tênis que não tinha uma competitividade tão grande como o Sampras, Lendl, Connors, e em épocas anteriores em que existiam mais jogadores dispostos a ser número um do mundo do que na época do Federer. O único que brigava com ele era realmente o Nadal e ficou até um pouco monótono. O Nadal até conseguiu ultrapassá-lo e foi interessante porque outros jogadores aí parece que perderam um pouco daquela comodidade e agora está em uma briga um pouco mais acirrada. Em 2004, quando o Federer já era o número um do mundo, você o derrotou em Roland Garros. Eu já competi com todos os melhores do mundo, com caras que a princípio me assustavam e depois eu acabei me acostumando. Então ali deu para dar uma enrolada no Federer, porque eu já estava bem manco naquela época e tive que fazer algumas estratégias muito precisas e aquele foi um dia em que consegui neutralizá-lo. É interessante, porque com o Federer eu joguei três vezes depois da minha primeira cirurgia, nunca joguei com ele no meu auge, mas com ele o meu jogo tinha bastantes aspectos que eu podia utilizar contra ele, que o Nadal também tem. O Andre Agassi lançou uma biografia recente em que conta umas histórias meio pesadas. Ele afirmou que usou drogas (cristal meth), foi apanhado em um exame antidoping e a ATP aceitou as desculpas dele e não o puniu. Te surpreenderam essas declarações? Surpreenderam a todos. Foi desagradável. Acho que para o tênis não beneficiou em nada. Foi constragedor até para quem está vinculado ao esporte como nós, atletas profissionais. Desvaloriza um pouco o esporte que a gente tanto zela. Ainda mais vindo do Agassi, que é um cara que é uma referência muito forte. Isso se torna desgostoso para o tênis. Principalmente a ATP. Me surpreendeu muito o jeito que a ATP lidou com a situação. Se ela está lá para defender os jogadores, acho que foi a pior coisa que ela poderia ter feito. Esse foi um ano em que o Brasil sofreu muito com o doping. Como você vê esse problema? Acho que vai ser essa luta frequente, do doping com a caçada aos atletas que estão usufruindo dessas drogas e os próprios laboratórios se empenhando em criar coisas mais evoluídas. Vai da própria honestidade do jogador, da coerência, da índole. Vai muito mais no sentido da integridade da pessoa e do valor simbólico do esporte, que tem que ser muito mais trabalhado para que o atleta não tenha nenhuma ambição quanto a isso e se torne uma competição mais verdadeira. Como você projeta que será o ano do Thomaz Bellucci (atual número um do Brasil)? Acho que nesse quadro de desenvolvimento sempre cada ano é um processo diferente. Cada vez que você atinge um certo padrão, aquilo não é o comum. Então, até você se estabelecer entre os melhores, o ano seguinte vai ser o crucial. Foi que nem aconteceu comigo. 1997 foi um ano de aproximação, 1998 um ano de estabilizar e depois, em 1999, 2000, 2001 e 2002 tudo foi se tornando mais natural. 2010 tem tudo para ser um ano muito desafiador para ele, mas ele vem ainda no processo evolutivo. O Bellucci ainda não chegou ao seu melhor e a tendência é que ele continue ainda explorando mais coisas do jogo dele e eu acredito que ele possa figurar próximo de onde ele está ou talvez um pouquinho melhor. Isso já seria o suficiente para talvez em 2011 dar mais uma arrancada. O Brasil está pronto para sediar as Olimpíadas de 2016? O Brasil é um país em desenvolvimento em todos os aspectos, inclusive no esporte. Acredito que nos últimos quatro, oito anos, a gente conseguiu aprimorar uma série de fatores. Eu vejo hoje mais profissionalismo no esporte, mais conhecimento também, mas é longe de chegar a um ideal. Temos alguns exemplos que já servem de exemplo até mundialmente, como o vôlei, e é importante isso. Acho que o atleta aqui no Brasil nunca foi problema. Sempre tivemos atletas de ponta, com qualidade. O investimento vem se tornando cada vez maior. O investimento público aumentou bastante por meio de leis de incentivo e isso é um fator significante. Acho que os próximos anos são muito promissores. Mas não é só se preparar para as olimpíadas. É organizar tudo e aprimorar toda a nossa estrutura para, a partir das olimpíadas, a gente entrar no início de uma nova era do esporte brasileiro. Como foi ter sido número um do mundo por 43 semanas? Foi gostoso porque eu fui um número um do mundo muito acessível para as pessoas, isso transformou o tênis aqui no Brasil e em outros lugares. Até hoje em vou em outros países e sou lembrado pela maneira como eu encarava essa situação, que muitas vezes é de alta pressão, com tanta gente visando sua posição. Comigo foi natural. A gente sabia que era parte de um processo e que tinha coisas no meu jogo que ainda podiam ser aprimoradas. Isso ajudou muito a manter os pés no chão e ter simplicidade. O Larri (Larri Passos, ex-técnico de Guga) também foi fundamental. Eu podia até ter perdurado mais tempo como número um, ou voltado a ser número um se não fosse aquela fatalidade que eu tive. Essas duas cirurgias no quadril te frustraram, já que impediram você de chegar aonde acha que chegaria se a situação fosse normal? Acho que foram sempre barreiras que não estavam traçadas. Então é algo que é além da conta para lidar. É claro que estipulou um novo limite para mim e dificultou uma série de desafios que não eram mais possíveis se não fosse por causa da minha lesão. Acaba tendo que trabalhar mais, aceitar esse tipo de situação. A frustração nunca é benéfica. Aquilo tem que servir de algum aprendizado para tirar pelo menos alguma coisa valiosa. Para mim foi dessa forma. Mas analisando friamente é óbvio que eu poderia estar jogando até hoje no circuito e os meus melhores anos ainda estariam por vir. Não tenho dúvida que o meu tênis iria melhorar muito pelo menos até o meus 30 ou 31 anos. Como está o curso de artes cênicas e essa nova experiência. As pessoas já se acostumaram com você ou elas ainda olhas e falam: "essa cara aí é o Guga"? É bem gostoso. Esse momento da minha vida está legal, apesar de ter deixado a competição e ter que se adaptar a uma nova rotina de vida. Foi importante frequentar um núcleo de faculdade. No meu curso as pessoas são mais abertas a outros tipos de informação e aceitam melhor essa situação de eu ser um cara conhecido. É claro que ser em Florianópolis também ajuda muito, porque tem algumas pessoas que eu já conhecia de amizade. Hoje tenho uma rotina mais estabilizada, mais próxima de uma normalidade. Mas tem faltado um pouco de tempo com esses projetos no tênis. Você pensa em ser capitão da Copa Davis? Tenho uma função que é natural e o tênis tem muito apelo dentro de mim. Eu me vejo dentro da equipe da Copa Davis de qualquer forma, até mesmo como capitão. Como treinador eu não tenho nenhuma outra ambição de estar ali só para estar ocupando aquele espaço de treinador. Mas fazer parte da equipe e poder contribuir de alguma forma na Copa Davis eu me vejo sim nessa função. Mas hoje em dia não tenho nem capacidade e nem maturidade para isso. Acho que agora ainda não é o momento. O Fernando Meligeni já lançou um livro, o Sampras já tem o dele, o Agassi lançou um superpolêmico agora, cheio de histórias cabeludas... E o livro do Guga, quando sai? A gente começou a trabalhar esse projeto agora do livro. É bem recente. Tem poucas coisas e a gente conversou mais da base geral, da trajetória e da estrutura do livro. Tem histórias inusitadas que são boas de contar. Veja a íntegra da entrevista em vídeo Parte 1

Parte 2